Estão ocorrendo diversas manifestações que se utilizam da internet para dar força a protestos no mundo todo, ocupando as ruas de países como Estados Unidos, Egito, Tunísia, Islândia e muitos outros. As reivindicações são inúmeras, desde a derrubada de regimes ditatoriais até a permanência do preço da passagem de ônibus, como no Brasil. Na cidade de São Paulo, por exemplo, cerca de 215 mil pessoas se mobilizaram pelo Facebook, confirmando presença, em junho do ano passado, na maior manifestação brasileira dos últimos anos. Há muitas discussões sobre como a internet pode potencializar a democracia. Tendo em vista que a participação, o acesso à informação e também a possibilidade de comunicação são pontos cruciais da teoria democrática, é importante atentar-se à rede, que abre novos canais de participação à população. A internet passou a ser o espaço de ativistas políticos que atuam das mais diversas formas, devido às vantagens sobre a mídia tradicional. Pelo baixo custo e poder de difusão, a internet deu a oportunidade aos ativistas, com o desenvolvimento de novas formas de divulgação, de melhor organização e articulação. “A rede se estrutura também economicamente ou, em outras palavras, é atravessada por interesses comerciais. Temos empresas como o Facebook e o Google, que criam algoritmos e filtros que fazem com que o fluxo de informação não seja absolutamente horizontal como se imagina. No entanto, a internet nasceu de uma estratégia militar para descentralizar o armazenamento de informação, mas foi desenvolvida a partir de uma cultura hacker de liberdade. Isso faz com que haja sempre uma tensão na rede entre fluxos comunicacionais e práticas sociotécnicas que se tornam negócio e o desejo de quebrar esses padrões e linguagens com usos mais livres”, diz Márcia Maria Cruz, jornalista e doutoranda em ciência política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Há quem diga que a rede está revolucionando a democracia. “A internet torna-se ferramenta central em um contexto em que se busca cada vez uma ampla liberdade de expressão, pluralidade de canais de informação e respectiva independência, acesso amplo de diferentes estratos sociais à informação e aos novos meios de comunicação, para exatamente a construção de relações de poder”, comenta Helga Almeida, cientista social e doutoranda em ciência política pela UFMG. Por outro lado, para a cientista social e mestranda ciência política pela UFMG Maria Alice Silveira, é preciso reconhecer as potencialidades da internet ao mesmo tempo em que também se reconheça suas limitações. Ela explica que a internet, por si, não é capaz de fazer uma revolução ou melhorar a qualidade da democracia, mas é importante lembrar que, historicamente, a comunicação foi fundamental para a formação e a articulação dos movimentos sociais. Dessa forma, é necessário saber se o governo abre canais efetivos para a participação dos cidadãos, já que um dos problemas mais relevantes dentro das sociedades contemporâneas está relacionado ao respeito aos direitos humanos e, também, à inclusão social das minorias. Sobre os diversos modos de se ocupar o espaço virtual, Cruz cita alguns exemplos. “Entre as mulheres do movimento negro, por exemplo, há uma intensa produção de conteúdo, em blogs, como o coletivo Blogueiras Negras ou o Blog da Cidinha da Silva. Também há constituição de mídias alternativas, com portais de informação com enquadramentos não usuais nos veículos de comunicação comercial. É o caso do portal Geledés”, completa a pesquisadora. A criatividade e a renovação são características fundamentais dos movimentos sociais, e ajudam a estimular a criação coletiva e a participação da sociedade como um todo. “O Marco Civil da internet é um meta-exemplo de criação coletiva. Da elaboração à aprovação, tudo foi gestado em um processo altamente democrático, com a construção da regulamentação a partir de uma intensa participação dos movimentos sociais, notadamente o relacionado à democratização dos meios de comunicação” afirma Cruz. Silveira ressalta ainda a importância do Marco Civil para o cenário brasileiro atual “tornou-se uma referência no que diz respeito à legislação de internet no mundo, sendo elogiado por personalidades como Tim Benners-Lee, criador da world wide web (www) e o criador do Wikileaks, Julian Assange”. A internet auxiliando os movimentos sociais no mundo Segundo Manuel Castells, em seu livro Redes de indignação e esperança. Movimentos sociais na era da internet os movimentos sociais conectados em rede espalharam-se primeiramente nos países árabes e foram combatidos com brutal violência pelas ditaduras da região, houve vitórias, concessões, massacres e guerras civis. A Tunísia, país que originou os protestos da Primavera Árabe - movimento importante que ocorre no Oriente Médio, envolvendo países como Egito, Iêmen, entre outros - obteve como resultado em 2010, o final da ditadura de Zine el-Abdine Ben Ali, no poder desde 1987. Após as conquistas dos tunisianos, os egípcios seguiram o mesmo caminho e foram às urnas após a saída de Hosni Mubarak. Os meios de comunicação são muitas vezes os primeiros alvos dos governos totalitários, sendo censurados na tentativa de controle da população. “Enquanto nos meios de massa a comunicação se daria no sentido um para todos, ou seja, de um polo emissor para uma audiência difusa, com a internet a comunicação seria todos-todos. Essa contraposição, de certa forma, é bem limitadora, e poderíamos relacionar críticas a elas. O que vale, no entanto, a partir dessa tipologia de diferentes momentos da comunicação, é entender para onde aponta: um ecossistema midiático complexo, que, de certa forma, dificulta os controles”, diz Cruz. No caso egípcio, a utilização das mídias sociais foi fundamental para a organização da sociedade civil em 2011. O movimento social local, juntamente com as mídias estrangeiras, tornaram-se globais. O governo chegou até a suspender o uso da internet, mas desistiu. “Os impactos econômicos que tais medidas poderiam representar para empresas transnacionais lá instaladas fizeram com que o governo recuasse”, analisa Cruz. Nos Estados Unidos, o movimento Occupy Wall Street, tornou-se o evento do ano em 2011 e afetou a maior parte do país, protestando contra a desigualdade social e a corrupção. No Brasil, o país vivenciou em junho do ano passado eventos que demonstram que há forte interação entre os movimentos de internet e os presenciais. “As jornadas de junho no Brasil e os protestos em larga escala em outros países mostraram que há uma ação muito articulada entre o ativismo online e a ocupação das ruas”, relaciona Cruz. A internet pode ser utilizada de distintas formas durante uma movimentação social. “O e-mail, por exemplo, é uma ferramenta utilizada para divulgar as pautas e eventos. Outros utilizam a rede para divulgar suas causas, aderir simpatizantes e ultrapassar as fronteiras nacionais, articulando-se com outros movimentos. Há também aqueles em que o foco da ação se concentra na internet, conhecido como hacktivismo, como é o caso de derrubadas de páginas por uma determinada causa. Há, ainda, grandes mobilizações que surgem dentro de redes sociais, petições online, mas que não são necessariamente criadas por organizações de movimentos sociais”, explica Silveira. O resultado da utilização da internet pela sociedade pode ser destacado como fundamental, já que se tornou um meio essencial de comunicação e informação. “Por meio dos novos canais fornecidos pela internet, os movimentos sociais conseguem agora se articular e pautar, dentro de espaços virtuais amplos, questões e discussões que não serão apresentadas nas mídias tradicionais. Portanto, é de extrema importância que criem espaços interativos próprios e que conduzam a novos padrões de reflexão. A internet torna-se ferramenta e alavanca de transformação social e espaço para que se revele a diversidade do descontentamento”, explica Almeida.
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