Hoje em dia, a catálise é um dos pilares de
sustentação da vida moderna com um grande número de processos químicos e
bioquímicos, que são essenciais ao nosso estilo de vida. A maioria dos
processos de produção utiliza catalisadores em pelo menos uma das etapas da
fabricação. Estima-se que atualmente 20 a 30% de toda a produção industrial é
dependente da catálise. Ela está presente nos mais variados campos de atuação
da indústria química, com destaque para a produção de combustíveis e
biocombustíveis, petroquímica, fertilizantes, tintas, solventes, lubrificantes,
fibras e polímeros; na área ambiental, para o controle de emissões poluentes
nas indústrias e veículos automotores; ou ainda na produção de fármacos e na
indústria alimentícia.
Primeiramente, devemos recordar alguns
conceitos básicos de catálise. Catalisador é uma substância que aumenta a
velocidade de uma reação química sem ser consumido pela mesma. O catalisador
atua diminuindo a energia de ativação da reação, ou seja, ele diminui a
barreira de energia que impede que a reação ocorra. A Figura 1 mostra o papel
do catalisador na diminuição da energia de ativação de uma reação. Na catálise
dois parâmetros estão sempre sendo avaliados: a atividade catalítica, que mede
a conversão, a taxa de transformação dos reagentes em produtos, e a
seletividade, que mede a produção do produto desejável frente aos produtos
indesejáveis.
Figura 1. Papel do catalisador na
diminuição da energia de ativação de uma reação.
Tradicionalmente, existem dois tipos de
catálise: a homogênea e a heterogênea. Na catálise homogênea os reagentes,
produtos e catalisador estão dispersos em uma única fase, normalmente líquidos.
Por exemplo, a produção de biodiesel, que consiste numa transesterifícação (reação química que pode ocorrer entre um éster
e um álcool ou entre um éster e um ácido, sempre tendo a formação de um novo
éster) do óleo vegetal com um álcool utilizando um catalisador ácido. Já na
catálise heterogênea os reagentes, produtos e catalisador estão em fases
diferentes. Normalmente o catalisador é sólido e os reagentes/produtos são
líquidos ou gasosos.
A catálise heterogênea é um fenômeno
superficial, ou seja, a reação ocorre na superfície do catalisador e é
altamente dependente da área disponível. Além disso, sempre estão envolvidas ao
menos três etapas: adsorção dos reagentes na superfície do catalisador
(formação de uma ligação química entre os reagentes e catalisador), reação
entre as espécies adsorvidas no catalisador, e dessorção (liberação) dos
produtos formados e reagentes não convertidos.
A catálise homogênea apresenta como maiores
vantagens a alta atividade catalítica (todos os sítios catalíticos, lugares
para ocorrer a reação, estão acessíveis aos reagentes pois o catalisador está
solubilizado no meio reacional) e alta seletividade. As principais desvantagens
são a dificuldade de separação do catalisador do produto final, podendo haver
problemas na purificação do produto.
Os catalisadores heterogêneos exibem em geral
menor atividade, pois somente os sítios na superfície estão acessíveis aos
reagentes. Além disso, pode haver desativação dos sítios ativos seja por uma
sinterização (aglomeração das partículas) ou deposição de resíduos carbonáceos.
A grande vantagem da catálise heterogênea é a maior facilidade de recuperação e
reutilização do catalisador.
E a nanocatálise? A nanocatálise faz uma ponte,
uma ligação entre a catálise homogênea e a heterogênea (Figura 2), permitindo
combinar as vantagens de ambas. Os nanocatalisadores têm alta área superficial,
aumentando o contato entre os reagentes e a superfície do catalisador,
permitindo um grande aumento da atividade catalítica. Por outro lado, são
facilmente separáveis do meio reacional devido a sua insolubilidade.
Nanocatalisadores são catalisadores feitos
átomo por átomo e são produzidos de maneira controlada. A produção átomo por
átomo permite controlar sua atividade e seletividade por ajuste no tamanho da
partícula (efeito de superfície) e grau de carregamento da partícula (efeito
eletrônico), o que leva a propriedades físicas e químicas sem equivalência aos
materiais mássicos.
Figura 2. A nanocatálise como uma
ligação entre a catálise homogênea e heterogênea.
A nanotecnologia engloba o desenvolvimento de
materiais que possuem pelo menos uma de suas dimensões na ordem de 10-9 metro (1 nm = 10-9 m, que significa 1/1.000.000.000 m). Apesar da
nanotecnologia estar presente em diversas áreas da natureza há milhares de
anos, foi na década de 1950 que o físico americano Richard Feynman sugeriu a
manipulação dos átomos para construção de produtos com propriedades únicas. A
catálise heterogênea, mesmo que intuitivamente, é provavelmente a área mais
antiga da nanotecnologia. Há muito tempo sabe-se que a catálise é um fenômeno
de superfície, que ocorre nas dimensões do tamanho de um cristal, de um ligante
de composto de coordenação, de um centro ativo enzimático etc. Portanto, sempre
se buscou a produção de catalisadores com o menor tamanho de partícula
possível. Mas o que diferencia a catálise heterogênea tradicional da
nanocatálise? A nanocatálise envolve o desenvolvimento de um catalisador com
propriedades únicas, propriedades que só existem no estado nanométrico, e essas
propriedades estão relacionadas aos efeitos de superfície e efeitos
eletrônicos.
Em relação ao efeito de superfície, é fácil
compreender que a diminuição do tamanho de partícula leva ao aumento da fração
de átomos situados na superfície do material e, consequentemente, um aumento da
área específica desse material (ou seja, quantos m2 por grama o
material exibe). Por exemplo, uma partícula de 3 nm de diâmetro possui cerca de
50% dos átomos na superfície, já uma partícula com 20 nm apresenta somente 10%
dos átomos na superfície. Além disso, ao se variar o tamanho da partícula,
varia-se a proporção entre os átomos situados nas faces e arestas dos cristais
e pode-se também provocar alterações na estrutura cristalina, o que trará
consequências diretas sobre a atividade catalítica.
O efeito eletrônico refere-se a variações na estrutura
eletrônica de um material em função do tamanho de partícula. Um átomo possui
níveis energéticos discretos que podem ser ocupados pelos elétrons, ou seja, as
energias dos elétrons são quantizadas. Em um macrosólido os átomos estão
próximos uns dos outros e os elétrons de um átomo são influenciados pelos
elétrons e núcleos de átomos adjacentes. Essa influência é tal que cada estado
atômico distinto pode se dividir em uma série de estados eletrônicos
proximamente espaçados no sólido, para formar o que é conhecido por banda de
energia eletrônica. Para materiais nanométricos, à medida que ocorre o
decréscimo do tamanho da partícula, ocorre o desaparecimento da estrutura de
bandas e os níveis eletrônicos tornam-se discretos, dando propriedades únicas a
esses materiais. Estas propriedades variam enormemente e podem ser ajustadas de
acordo com o tamanho de partícula.
Essas duas características das nanopartículas fazem
com que o tamanho e a forma da partícula exerçam influência direta sobre a
atividade e seletividade do catalisador. Existem dois tipos de reação em
relação à influência do tamanho de partícula: reações sensíveis ou insensíveis
à estrutura do catalisador. Uma reação é sensível à estrutura quando a taxa de
reação por sítio ativo (TOF, turnover
frequency) varia com o tamanho da partícula. Essa variação pode se dar em
dois sentidos diferentes. No primeiro, o TOF diminui quando as partículas
diminuem, ou seja, as partículas grandes são mais ativas que as pequenas. Nesse
caso a reação requer sítios adjacentes ou situados em faces planas para que a
adsorção/reação dos reagentes possa ocorrer. No segundo, o TOF aumenta com o
decréscimo do tamanho das partículas. Nesse caso, os sítios ativos são os de
baixa coordenação, que são relativamente mais abundantes em partículas
pequenas. O interesse nos nanocatalisadores está justamente neste último caso.
A Figura 3 ilustra melhor esse fenômeno.
Figura 3. Influência do tamanho de
partícula na taxa específica de reação (TOF), para reações sensíveis e
insensíveis à estrutura.
O exemplo mais comum da nanocatálise é a utilização do
ouro como catalisador. O ouro é
frequentemente considerado o mais nobre (inerte) de todos os metais. Por isso,
durante muitos anos, as partículas de ouro foram caracterizadas por
apresentarem baixa atividade catalítica. O interesse na utilização do ouro como
catalisador começou no final da década de 80 com os trabalhos de Masatake
Haruta1, que indicaram, pela primeira vez, que para o ouro ser um
catalisador ativo é necessário que esteja na forma de nanopartículas (d<
10nm) bem dispersas sobre um suporte óxido. O aperfeiçoamento das técnicas de
preparo e caracterização tornou possível confeccionar catalisadores de ouro
nanosuportados (diâmetro médio das partículas de ouro variando entre 2-10 nm),
que proporcionaram avanços significativos em termos atividade e seletividade
catalítica. A atividade dos catalisadores de ouro é fortemente dependente do
tamanho das partículas, da natureza do suporte e das propriedades da interface
metal-suporte. Dessa forma, uma criteriosa escolha do método de preparação
torna-se fundamental para a obtenção de catalisadores com alta atividade e para
o entendimento da relação entre estrutura e atividade catalítica.
Existem diferentes métodos de preparo de
nanocatalisadores de ouro, sendo que o mais empregado é o método da
deposição/precipitação. Neste método utiliza-se um precursor de ouro clorado e
faz-se sua precipitação com uma solução básica, em geral soda cáustica (NaOH).
As nanopartículas de ouro são formadas em solução e se depositam sobre a
superfície do catalisador. As principais variáveis de controle do método são a
temperatura, pH da solução precursora, que determina o tipo de complexo de ouro
a ser depositado, a concentração da solução e o ponto isoelétrico do suporte. O
ponto isoelétrico mede as cargas superficiais do suporte, determinando se o
suporte possui carga positiva, neutra ou negativa. Para uma boa deposição, o pH
da solução deve estar na faixa entre 5 e 8, que proporciona o aparecimento de
um complexo de ouro negativo, livre de cloro, com o suporte carregado
positivamente. A atração entre as cargas negativas do complexo e as cargas
positivas do suporte permite a deposição das partículas de ouro.
Uma das principais aplicações dos catalisadores à base
de ouro é na reação de oxidação seletiva do CO. Esta reação consiste na
oxidação do monóxido de carbono (CO) em uma corrente reacional rica em
hidrogênio, onde se deseja oxidar o CO sem oxidar o H2. É uma etapa
fundamental na purificação de correntes de hidrogênio para a alimentação de
células a combustível, já que o CO é um poderoso veneno para os eletrodos das
células. A reação de oxidação do CO sobre catalisadores de ouro é sensível à
estrutura e assim a atividade catalítica depende fortemente do tamanho da
partícula de ouro que, por sua vez, é função do método de preparo e do suporte
utilizado. Óxidos que apresentam maior mobilidade do oxigênio, como TiO2
ou CeO2, em geral proporcionam melhores resultados como suporte para
as nanopartículas de ouro do que óxidos irredutíveis, como SiO2 ou
Al2O3, pois o oxigênio do suporte participa da oxidação
do CO adsorvido nas partículas de ouro.
Atualmente as nanopartículas de ouro são empregadas em
diversas reações catalíticas, como a oxidação de hidrocarbonetos, oxidação do
etanol, redução de óxidos de nitrogênio, decomposição de aminas e compostos
orgânicos halogenados, entre outras. Como vantagens dos nanocatalisadores de
ouro, além de sua atividade em baixas temperaturas e seletividade, destaca-se
também o menor preço do ouro no mercado internacional quando comparado a outros
metais nobres (o ouro custa cerca de U$ 7/g enquanto a platina chega a custar
U$ 14/g).
Como conclusão, os nanocatalisadores, devido às suas
propriedades únicas em termos de elevada área superficial e distribuição
eletrônica, representam uma grande promessa e oportunidade para novas
aplicações na indústria química, permitindo ganhos de atividade e seletividade
em relação aos catalisadores tradicionais. Dificuldades de preparação e
caracterização desses materiais tendem a ser vencidas com o tempo, abrindo as
portas para aplicações em larga escala. Nielson F.P. Ribeiro
e Mariana M.V.M. Souza são professores da Escola de Química, Centro de
Tecnologia. Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Referência bibliográfica:
1.
Haruta M., Yamada N., Kobayashi T., Iijima S., “Gold
catalysts prepared by coprecipitation for low-temperature oxidation of hydrogen
and of carbon monoxide”, Journal of
Catalysis, vol. 115, pp. 301-309, 1989.
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