Pouco mais de trezentos anos separam dois eventos fundamentais para a estrutura do conhecimento humano. O primeiro deles foi a observação do céu feita por Galileu Galilei em 1609, através de seu perspicillum (telescópio), que possibilitou verificar a existência de crateras na Lua, os quatro satélites de Júpiter, novas estrelas e as diferentes fases de Vênus. O segundo foi a observação, por uma comissão inglesa, de um eclipse total do Sol, ocorrido em maio de 1919, e que comprovou a ocorrência da deflexão da luz quando seu feixe passava próximo ao Sol, confirmando a Teoria da Relatividade de Albert Einstein.
Galileu não inventou o telescópio. Ele tomou conhecimento de que um artesão ótico, manipulando lentes côncavas e convexas a diferentes distâncias, obteve um resultado inesperado, permitindo a ampliação de objetos à longa distância. Porém, diferentemente de utilizar o novo instrumento para observar eventos na Terra, ele apontou para o céu para tentar ver melhor aquilo que os olhos não eram capazes de enxergar. Essas observações, como bem sabia a Igreja, traziam grandes perigos ao conhecimento estabelecido na época, que se baseava principalmente na autoridade, seja dos antigos filósofos, seja dos escritos eclesiásticos. Diferentemente da Terra, onde aconteciam os eventos mundanos, o céu deveria ser a morada dos deuses e, portanto, o local da perfeição e da eternidade. O céu, as estrelas e os planetas deveriam ser retratados pelas formas consideradas perfeitas da geometria, como os sólidos regulares ou a esfera. Além disso, a Terra, local onde moravam os homens, feitos à imagem e semelhança de Deus, devia ser necessariamente o centro do Universo e, sobre isso, a trajetória do Sol do alvorecer ao poente sobre as cabeças das pessoas não deixava dúvidas.
Contudo, as crateras na Lua observadas por Galileu demonstravam que os astros tinham imperfeições; as luas de Júpiter mostravam que alguns corpos giravam em torno de outros astros, e não somente da Terra; de forma semelhante, as fases de Vênus comprovavam que este girava em torno do Sol, e não da Terra; e, por fim, a descoberta dos novos planetas mostrava que não se conhecia tudo sobre o Universo, e muito ainda havia para ser descoberto. Suas observações foram publicadas no ano seguinte, em 1610, na obra Sidereus nuncius (O mensageiro das estrelas), trazendo-lhe uma grande fama nos meios cultos da época e a ira da Igreja.
A ideia de que os planetas giram em torno do Sol (heliocentrismo) já havia sido proposta mais de 50 anos antes pelo polonês Nicolau Copérnico. Mas este propunha o heliocentrismo como uma solução para manter a harmonia do Universo, visto que os registros das órbitas dos planetas não coincidiam com os cálculos matemáticos necessários. Um dos discípulos de Galileu, Joaquim Rétido, chegou a afirmar que Copérnico seguia o pensamento de Platão e dos Pitagóricos (discípulos de Pitágoras) quando atribuía movimentos circulares à Terra esférica.
Galileu, na verdade, propunha uma nova forma de se obter conhecimento sobre o mundo, o que veio a ser denominado de método científico. Ele criticava aqueles que não começam seus raciocínios a partir dos dados dos sentidos, nem coadunam as causas das coisas com a experiência, mas, ao contrário, concebem e elaboram em suas cabeças uma certa opinião sobre a constituição do mundo e, depois de a terem formulado, apegam-se a ela, mesmo sem serem experimentadas, de forma a compatibilizar com seus axiomas. Ele mostrava que os sentidos e nossa percepção do mundo podem nos enganar, e que os filósofos e teólogos podiam estar errados. O conhecimento deveria ser obtido através da observação cuidadosa, mediada por instrumentos que permitiriam um aprimoramento dos sentidos, aliada a um raciocínio lógico e investigativo. E, através do novo método, seria possível arrancar do mundo os mistérios mais escondidos. Entusiasmado com os resultados do método científico, o matemático francês René Descartes profetizaria alguns anos mais tarde: “Não existem coisas tão distantes que não sejam alcançadas, nem tão escondidas que não sejam descobertas”.
Posteriormente, essa ideia de que os sentidos podem nos enganar e que as coisas não são necessariamente como aparecem aos nossos olhos veio acrescida de uma outra ainda mais radical, proposta pelo inglês Isaac Newton. Ele afirmava que, em muitos casos, existem várias verdades, dependendo do ângulo pelo qual se observa. Em termos físicos, significaria dizer que não existe um observador preferencial para um evento, todos os observadores são igualmente válidos. Assim, por exemplo, uma pessoa sentada numa carroça em movimento está parada ou em movimento? Ambas as respostas estão corretas, responderia Newton. Ela está parada para o companheiro sentado ao seu lado, mas em movimento para um observador que visse a carroça passar. Essa característica do movimento foi denominada de Princípio da Relatividade.
Outra ideia importante proposta por Newton é a da força entre dois pontos. Um corpo solto no ar não cai porque sua tendência é retornar ao seu local original, como pensavam os gregos, mas porque existe uma força, invisível, que atrai os dois corpos – um em direção ao outro. Essa proposta já seria bastante revolucionária por si só, por justificar o movimento por forças que não podiam ser vistas. Mas Newton foi ainda mais além afirmando que essa mesma força que faz com que os corpos interajam na Terra é a que atua entre os corpos celestes, propiciando seu movimento. Assim, o céu, antiga morada dos deuses, não só havia perdido sua perfeição, como observado por Galileu, mas também sua sacralidade, e era igualado ao mundo mortal e corruptível da Terra.
Mas, assim como as verdades produzidas pelas observações feitas ao telescópio por Galileu eram irresistíveis e tiveram, mais cedo ou mais tarde, de ser aceitas pela Igreja, também era imbatível a nova forma de explicar o movimento proposta por Newton, e colocava a mecânica num lugar privilegiado na ciência. A física permitia que, dadas as condições iniciais de um evento, fosse previsto o resultado do movimento, seja a trajetória de um projétil lançado na Terra, seja de um corpo transitando no espaço. Foi com base na física newtoniana que outro inglês, Edmond Halley, previu a trajetória de um cometa que havia passado em 1682, profetizando que ele retornaria 76 anos depois. Ele nunca pôde confirmar sua previsão, mas outros cientistas o fizeram e o homenagearam batizando o astro errante com seu nome.
A partir das leis de Newton, o mundo passava a ser visto como mecânico, previsível, regido pelas forças físicas e por leis deterministas, traduzidas na linguagem matemática. A própria física, com suas leis mecânicas, passava a ser confundida com o método científico.
A pujança dos resultados da ciência, impulsionados pela mecânica, possibilitou que um engenheiro da Escola Politécnica de Paris, o francês Auguste Comte, vislumbrasse o século XIX como o ápice do processo evolutivo da humanidade. A história seria dividida em três fases sequenciais: a primeira consistia no estado teológico ou fictício, característico das sociedades antigas, onde os fenômenos eram entendidos como eventos sobrenaturais; essa fase teria sido seguida pelo estado metafísico ou abstrato, onde se concentraria o poder da Igreja e os fenômenos eram considerados como produzidos por abstrações personificadas; e, por fim, a história se encaminhara para o estado científico ou positivo, onde todos os fenômenos seriam explicados pela ciência, utilizando o raciocínio e a observação.
Na construção filosófica de Comte, havia uma hierarquia entre os saberes, partindo do método mais simples para o mais complexo. Assim, o primeiro lugar era ocupado pela matemática, que utilizaria apenas o raciocínio lógico para o seu desenvolvimento. Esta era seguida pela astronomia, que, além do raciocínio, necessitava apenas da observação; depois viriam as ciências física, química e biológica, que dependiam ainda da experimentação; e, por fim, a sociologia – a nova ciência da vida em sociedade, que deveria utilizar o método que havia demonstrado tanto sucesso nas demais áreas do conhecimento.
Contudo, ao longo do século XIX as bases mecânicas da física começaram a mostrar suas limitações. As leis que serviam para explicar o movimento dos corpos tanto na Terra como no céu, os fenômenos óticos e acústicos, e a relação entre calor e energia – denominada termodinâmica –, não eram capazes de dar conta dos fenômenos elétricos e magnéticos que passavam a ser objeto de estudo. Novas questões começavam a surgir, como, por exemplo, do que é feita a luz ou de que é constituído o átomo. Paralelamente, os astrônomos ficavam cada vez mais intrigados com uma pequena alteração na órbita do planeta Mercúrio na região em que ele se encontrava mais próximo do Sol.
Os cientistas começavam também a lidar com escalas muitos grandes ou muito pequenas, as quais o método científico estabelecido não conseguia acessar, pois não era possível observar diretamente o que acontecia dentro do átomo ou mensurar a velocidade da luz. Além disso, o determinismo newtoniano, base da física existente, também falhava em prever certos fenômenos, como a trajetória que o elétron faz em torno do núcleo, e que o físico alemão Wener Heisenberg denominou de Teoria da Incerteza. Era necessário, pois, buscar novas teorias que pudessem lidar tanto com as partículas e a energia contidas no interior do átomo, como também com a própria estrutura do Universo. Esse novo arcabouço foi denominado, então, de física moderna, diferenciado da física newtoniana, que passava a ser conhecida como física clássica.
Um dos expoentes da nova física foi o alemão Albert Einstein, que estabeleceu que a luz poderia se comportar tanto como uma onda eletromagnética, como um feixe de pequenos pacotes de energia – chamados quanta. Além disso, de forma a viabilizar a descoberta do inglês James Clerk Maxwell de que a velocidade da luz era uma constante, ele estendeu também para o tempo o Princípio da Relatividade que Newton havia proposto para o movimento, subvertendo por completo o senso comum. (Para alguns estudiosos, a Teoria da Relatividade Restrita, que estabelece que o tempo é relativo ao movimento, pode, devido à sua estrutura explicativa, ser considerada tanto como física moderna como parte da física clássica.)
À semelhança de Galileu, a fama de Einstein decorreu da observação do céu – não por ele, mas por uma comissão inglesa – que comprovou sua previsão de que os corpos produziam uma deformação no espaço, que modificaria a própria trajetória da luz que por lá passasse. Ele também conseguia explicar a alteração no periélio de Mercúrio, ocorrida na região deformada pelo Sol. Outra triste identidade entre ambos é que Einstein também foi muito criticado e perseguido, e teve que fugir da Alemanha para não ser preso ou morto.
O método utilizado por Einstein era, contudo, diferente do da física clássica. Ele inicialmente concebia o problema em sua mente e tentava buscar então formas de solucioná-lo. Diante da impossibilidade de realizar diretamente certos experimentos, ele fazia o que chamava de Gedankenexperiment, ou experimento mental, concebido através de uma raciocínio lógico e imaginativo. Em função disso, os críticos da Teoria da Relatividade chamavam Einstein e aqueles que se dedicavam à nova física de aristotélicos modernos e traidores de Galileu. Para eles, o método do cientista italiano consistia no indutivismo, ou seja, primeiro era feita a observação para, a partir daí, construir as teorias. Diferentemente, eles consideravam que Einstein utilizava métodos especulativos, assim como os filósofos gregos. Muitos dos adeptos da nova física proclamavam que o método de Galileu era na verdade dedutivista, pois ele primeiro criava os modelos mentalmente para só então contrapô-los à realidade. Para provar que Galileu era um dedutivista, foram inclusive desenvolvidos vários estudos históricos mostrando que muitas das experiências propostas por Galileu em suas obras nunca chegaram a ser realizadas de fato. Elas teriam sido construídas apenas em experiências mentais e não chegaram sequer a ser testadas na natureza. Aparentemente, nem os adeptos da física clássica nem os da física moderna queriam abrir mão da autoridade emanada de Galileu!
Esses debates que mobilizaram os estudiosos no século XVII e os cientistas no início do século XX estão pouco presentes hoje em dia, talvez em função da complexidade da ciência, que exige a utilização de diversos métodos concomitantemente, talvez devido a outros tipos de controvérsia, como a distinção da ciência de outras formas de conhecimento ou o papel da ciência na sociedade contemporânea. Pode ser também que com o surgimento de novas teorias, antigas discussões venham a ser revividas e reinterpretas, suscitando novos e acalorados debates.
Alfredo Tiomno Tolmasquim é pesquisador titular do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia
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