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Reportagem
As vantagens do monitoramento ambiental por veículos aéreos não tripulados
Por Aline Meira Bonfim Mantellatto
10/06/2016
Até pouco tempo atrás, conhecer e acompanhar em tempo real as modificações nos mais variados ambientes, como florestas, oceanos, plantações, bem como observar os animais ali presentes era algo inacessível. Porém, as inovações tecnológicas têm trazido para a ecologia a possibilidade de desenvolvimento de estudos promissores. Inicialmente, os satélites começaram a ser utilizados em estudos espaciais e temporais, gerando mapeamentos como os realizados pelo Google Maps, por exemplo, porém, com uma limitação em relação ao alto custo e à qualidade das imagens obtidas.

Recentemente, os drones começaram a ser empregados na área ambiental, apresentando uma série de vantagens e possibilidades de estudos. “De modo geral, o drone é uma tecnologia que fornece imagens de alta resolução e em tempo real, duas necessidades atuais, em se tratando de meio ambiente”, afirma Gabriela Pina, bióloga que desenvolve mestrado na área de ciência do solo, na Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Jaboticabal.

A possibilidade de obtenção de imagens em áreas de difícil acesso favorece o acompanhamento detalhado e frequente das mudanças ambientais, uma vantagem em comparação com as técnicas que usam imagens de satélite ou são feitas em aéreas convencionais, afirma Antônio Tommaselli, professor do Departamento de Cartografia da Unesp, campus de Presidente Prudente.

Drones ou VANTs?
A palavra drone significa zangão, ou zumbido em inglês, e Pina esclarece que ela é comumente utilizada como termo popular para veículo aéreo não-tripulado (VANT). “As pessoas pensam em drones como sendo apenas os veículos multirrotores, mas pequenos aviões e helicópteros automatizados também são drones”, explica o professor Thiago Sanna Freire Silva, do Departamento de Geografia da Unesp, campus de Rio Claro. “De fato, prefiro usar os termos mais técnicos: VANT ou Sistema Aéreo Remotamente Pilotado (SARP)”, completa.
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Drone do tipo multirrotor (quadricóptero, Phanton 3 Pro da empresa DJI). Foto: Gizmodo Brasil

De acordo com Silva, um dos fatores principais que determinam a escolha de um VANT é seu tamanho. Karen Anderson e Kevin Gaston, do Instituto de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Universidade de Exeter, no Reino Unido, elucidam, em um trabalho publicado em 2013 na revista Frontiers in Ecology and the Enviroment, os diversos tipos de drones existentes, classificando-os de acordo com o tamanho que apresentam (grandes, médios, pequenos, minis, micros e nanos).

Silva explica que VANTs maiores (aviões e helicópteros) podem suportar mais peso, carregando melhores câmeras e sensores, além de ter mais autonomia de tempo de voo. Porém, a dificuldade de operação e o custo aumentam proporcionalmente. Já os drones de menor porte (multirrotores), oferecem uma maior facilidade e flexibilidade de operação, mas com uma baixa autonomia, limitados a 15 e 20 minutos por voo.

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Diferentes tipos de drones, de acordo com seu o tamanho. A: grande, com tempo de voo de até dois dias; B: médio, com tempo de voo de até 10 horas; C: pequenos e minis, com tempo de voo menor de 2 horas; D: micros e nanos, com tempo de voo inferior a 1 hora. Fonte: Anderson, K. & Gaston, K. J. (2013).

Vantagens e aplicações
Além de ser considerada uma tecnologia pouco invasiva, característica importante quando se trabalha com espécies ameaçadas, de acordo com Pina, o custo de operação é baixo. Já em relação às suas aplicações, tem-se a possibilidade de monitorar espécies animais, florestais e realizar mapeamento do solo.

Silva conta que os drones podem utilizar tanto fotografias quanto imagens térmicas para monitoramento e contagem de fauna, e têm sido bastante usados também para o monitoramento de caça ilegal em parques africanos, complementa Ismael Brack, mestrando em ecologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), que considera o uso de drones cada vez mais indispensável para a fiscalização ambiental e monitoramento de unidades de conservação.

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Exemplos de aplicações de drones no monitoramento ambiental. A: aquisição de imagens térmicas; B: monitoramento de caça ilegal em parques africanos.

“O uso criativo dos drones pode ter também aplicações interessantes, mesmo sem sensores fotográficos”, acrescenta Silva. Segundo Brack, uma área em pleno desenvolvimento é a integração dos drones com os sistemas de telemetria de vida silvestre. Silva explica que, para isso, utiliza-se um sensor de rádio para identificação e localização de animais com radiocolares, um trabalho normalmente bastante difícil e demorado de ser feito por pesquisadores no chão.

Além disso, sensores ambientais (luz, temperatura, umidade, gravadores de som, sensores químicos) também podem ser acoplados ao drone, tornando-o uma "estação de medição móvel". “Cientistas atmosféricos, por exemplo, já tem usado VANTs para medir perfis de gás carbônico e outros gases na atmosfera”, afirma Silva. “Outra vantagem seria a segurança na operação em comparação a estudos com aviões convencionais”, completa Brack.

Estudos no Brasil
Silva integra um projeto denominado e-Phenology, juntamente com Leonor Patrícia Cerdeira Morellato, Milton Cezar Ribeiro, Leonardo Cancian (da Unesp de Rio Claro) e Ricardo Torres (cientista da computação da Unicamp), além de Bruno Borges, piloto oficial dos drones. O projeto é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pela Microsoft Research Foundation. Nesse trabalho, os pesquisadores utilizam diversos tipos de VANTs e sensores para monitorar a fenologia da vegetação e a dinâmica da paisagem.

“A fenologia é o estudo de eventos recorrentes no ciclo de vida dos organismos, como a produção de folhas, flores e frutos, no caso das plantas”, explica Silva. “A facilidade e baixo custo de operação dos VANTs nos permitem fotografar diferentes paisagens com uma frequência mensal, e com um enorme nível de detalhe. Assim, conseguimos monitorar as mudanças fenológicas em diferentes escalas (indivíduos, comunidades e paisagens), e também em diversas localizações geográficas. Essa extensão espacial e volume de dados jamais seria possível de ser adquirida por sistemas de satélite ou métodos tradicionais de campo, e seria proibitivamente custosa se dependesse de aviões tripulados”, avalia.

Em relação a trabalhos que envolvem o estudo de fauna, Brack, da UFRS, e sua equipe, que inclui os professores Luiz Barbosa Flamarion de Oliveira e Andreas Kindel, realizam o monitoramento populacional de cervos-do-pantanal, localizados na bacia do rio Gravataí, na região metropolitana de Porto Alegre. Para isso, eles trabalham, inicialmente, em um modelo que visa corrigir erros de amostragem que enviesam o tamanho populacional, como, por exemplo, animais escondidos sob árvores, com a finalidade de obter estimativas confiáveis. “Os drones surgem como uma ferramenta prática e versátil para os trabalhos de campo e prometem revolucionar a maneira pela qual coletamos os dados”, diz Brack. O projeto é desenvolvido em parceria com a ONG Instituto Curicaca, que coordena os estudos com essa população de cervos, e possui financiamento da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.

Outro projeto desenvolvido atualmente no estado de São Paulo, coordenado por Tommaselli, da Unesp de Presidente Prudente, monitora primatas e a biodiversidade de remanescentes de áreas florestais no Pontal do Paranapanema. Além disso, o pesquisador e sua equipe realizam um estudo piloto sobre doenças em plantações de cana-de-açúcar e já prepara alguns ensaios para outros tipos de culturas agrícolas.

Pina compara técnicas de classificações do uso do solo através de imagens de satélite e de drones. “Tudo indica que o drone será a ferramenta que apresentará melhor resposta, devido à sua alta resolução de imagem e o fato de poder obtê-las sem porcentagem alguma de nuvens, o que dificultaria a identificação do uso do solo. Além disso, o tempo de campo se torna reduzido e menos dispendioso do que uma medição real na área. Como o local de estudo do meu trabalho é um município inteiro, essa praticidade conta muito na execução do mesmo”, avalia.

Principais dificuldades
O alto custo de aquisição de um drone, a pouca disponibilidade de modelos e peças no mercado nacional e a ausência de legislação e regulamentação são as principais dificuldades apontadas pelos pesquisadores.

“Praticamente não existe uma indústria nacional de componentes (motores, controladores eletrônicos, componentes estruturais etc.), e por isso tudo tem que ser importado, aumentando muito o custo e dificultando o acesso devido às dificuldades burocráticas de importação. Modelos mais avançados, robustos e voltados para o uso intenso em pesquisa ou na indústria e agricultura podem facilmente chegar a algumas centenas de milhares de reais. Esse alto custo limita não só o acesso pelo pesquisador, mas também inibe a experimentação. Quem vai querer arriscar fazer ciência com um equipamento tão caro e difícil de conseguir e de dar manutenção depois?”, desabafa Silva.

Além disso, ele explica que os altos custos e complicações dificultam também o desenvolvimento da indústria nacional de VANTs, já que as empresas também precisam importar seus componentes. Silva acrescenta que existe também muito "papo de vendedor", em que o modelo de VANT é vendido com base em especificações técnicas de autonomia, automatização, e alcance e teto (altura) de voo que impressionam bastante no papel, mas que excedem em muito as limitações propostas pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).

Nesse sentido, Pina explica que a Anac, juntamente com o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), iniciou em março deste ano a regulamentação do uso de drones no Brasil. “Por ser muito recente, ainda há muitas dúvidas em como trabalhar com essa ferramenta”, diz Pina. Segundo Silva, a Anac ainda não tem regras para a certificação e registro das aeronaves. “É mais ou menos como se existissem as leis de trânsito, e você pudesse comprar um carro, mas não houvesse regulamentação para você licenciar o carro ou tirar a carteira de habilitação”, compara.

Para Brack, existem outros desafios que precisam ser superados, como a análise da grande quantidade de imagens coletadas. “Métodos semi-automatizados para analisar os produtos dos drones serão uma necessidade logo”, afirma. “A aparente facilidade de operação desses equipamentos criou uma expectativa de que a geração de informações possa ser feita rapidamente e sem grandes necessidades de experiência prévia ou conhecimento técnico, o que é enganoso”, acrescenta Tommaselli. Ele explica que existe uma certa confusão no público leigo entre coletar imagens aéreas para outras aplicações, como filmagens, e para as aplicações técnicas, que requerem rigor métrico.

“A ciência do uso dessa tecnologia está engatinhando e ainda não se têm muitos parâmetros da potência que ela pode atingir. Portanto, tudo que for feito será inédito, dependendo, assim, da ousadia dos pesquisadores para testarem os limites que o drone pode atingir”, conclui Pina.

Para saber mais:
    Vídeos e trabalhos de monitoramento de fauna e caça ilegal na África: (conservationdrones.org);
    Empresas brasileiras que comercializam drones: Xmobots (www.xmobots.com) e GDrones (www.g-drones.com.br)
    Artigo que apresenta uma revisão bibliográfica sobre drones e possibilidades de estudos na área ambiental: Anderson, K., & Gaston, K. J. (2013). “Lightweight unmanned aerial vehicles will revolutionize spatial ecology”. Frontiers in Ecology and the Environment, 11(3), 138–146. (doi.org/10.1890/120150).