Há um século, Albert
Einstein previu, a partir da sua Teoria da Relatividade Geral, a existência de
uma radiação produzida pela aceleração de massas, a qual ele chamou de ondas
gravitacionais. Porém, o próprio Einstein achou que talvez essas ondas nunca fossem
detectadas, uma vez que seus cálculos apontavam uma amplitude extraordinariamente
pequena para qualquer uma delas, se produzidas em laboratório. Contudo, a
partir dos avanços tecnológicos e com a possibilidade de observação de eventos
catastróficos no Universo que poderiam gerar ondas gravitacionais muito mais
fortes (tais como uma supernova resultante da explosão de estrelas, o choque de
estrelas de nêutrons e/ou de buracos negros), essa detecção ocorreu.
Foi em 14 de setembro
de 2015, às 6h51 da manhã (horário de Brasília), que os observatórios Ligo
(sigla em inglês para Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferometria
Laser), localizados em Louisiana e Washington, nos Estados Unidos, detectaram
um sinal de ondas gravitacionais com aproximadamente 0,2 segundos de duração. A
frente de onda chegou primeiro no observatório da Louisiana e 7,3 milissegundos
depois no de Washington. Ao analisar os dados registrados nos dois observatórios
utilizando GPS, para haver precisão na confirmação da coincidência dos dois
sinais, concluiu-se que se tratava do sinal dos últimos dois décimos de
segundos de órbita de dois buracos negros com massas aproximadamente iguais a
29 e 36 vezes a massa do Sol, seguido da colisão e formação de um único buraco
negro de massa igual a 62 vezes a massa do Sol. A diferença em relação à massa
total (65) foi irradiada na forma de ondas gravitacionais.
Assim, em fevereiro deste ano, a comunidade científica tomou
conhecimento deste feito. A notícia de que as ondas gravitacionais finalmente haviam
sido detectadas foi dada através de uma coletiva de imprensa promovida pela
National Science Foundation (NSF) em Washington e por um artigo publicado, no mesmo
mês, na revista Physical Review Letters.
Além dos Estados Unidos, mais de 15 países estão envolvidos na Ligo Scientific
Colaboration (LSC), responsável pela detecção, que reuniu cerca de mil
cientistas de mais de 90 universidades e instituições de pesquisa.
Dentre os participantes, dois grupos
de cientistas brasileiros integram oficialmente a colaboração Ligo através de projetos apoiados
pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Um deles é da Divisão de Astrofísica do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), em São José dos Campos, e o outro, do Instituto de Pesquisa
Fundamental da América do Sul, filiado ao Centro Internacional de Física
Teórica (ICTP/SAIFR, na sigla em inglês), localizado no Instituto de Física Teórica
da Universidade
Estadual Paulista (IFT/Unesp), na cidade de São
Paulo. No Brasil, os participantes da colaboração são Odylio Denys de Aguiar, Marcio
Constâncio Júnior, César Augusto Costa, Allan Douglas dos Santos Silva, Elvis
Camilo Ferreira e Marcos André Okada, todos do Inpe, e Riccardo Sturani, pesquisador
do IFT/Unesp.
A participação brasileira começou em setembro de 2008, com a entrada do
pesquisador César Costa na colaboração Ligo. Na época, o pesquisador foi morar
nos Estados Unidos para realizar um pós-doutorado no Departamento de Física e
Astronomia da Universidade Estadual da Louisiana, em Baton Rouge, cerca de 50 km
do Ligo-Livingston. Desde então, ele tem trabalhado, juntamente com o grupo
DetChar (do inglês, Detector Characterization), caracterizando o desempenho de
vários sensores que monitoram o ambiente e a instrumentação do Ligo. Costa
conta que sua participação foi fruto
de décadas de estudo e dedicação à pesquisa em ondas gravitacionais, e que
desde o final de sua graduação, ele tem trabalhado com Relatividade Geral, se
especializando, no mestrado e doutorado (no Inpe), em fontes e detectores de
ondas gravitacionais.
Essa participação do
Brasil foi ampliada quando o Inpe, através da Divisão de Astrofísica, entrou na
colaboração, em 2011, com Odylio Aguiar como principal investigador. “Em julho de 2011,
entrei em contato com a professora Gabriela Gonzalez, porta-voz da colaboração, e com outros chefes
de grupos, demonstrando interesse em entrar na colaboração. Em setembro de 2011, apresentei a proposta de adesão à colaboração, que basicamente era uma invenção na área de isolamento
vibracional”, conta Aguiar.
A proposta foi aceita e
desde então foi criado o Grupo de Pesquisa em Ondas Gravitacioniais do Inpe (Gwinpe) dentro da LSC.
“Quando o César
(Costa) voltou dos Estados Unidos, em 2012, ele entrou no nosso grupo. Até o Riccardo Sturani já
esteve no
Gwinpe
antes de formar o grupo próprio no IFT/Unesp”, comenta Aguiar. “A entrada na colaboração
Ligo, durante o meu pós-doutorado, financiado pela National
Science Foundation, e a subsequente entrada do Inpe na colaboração, foram
cruciais para minha participação direta nesta detecção” completa Costa.
Atualmente, além de Aguiar
e Costa, dois alunos de doutorado, Marcio Constâncio Junior e Elvis Camilo
Ferreira, trabalham nesse grupo, que também inclui um técnico, Marcos Okada, e
um aluno de iniciação científica, Allan Douglas.
Quando se fala em dificuldades
encontradas para se chegar a esse feito, Costa comenta que para ele a maior delas
foi construir o instrumento, desenvolver a tecnologia para tal, entender como
ele funciona e entender por que às vezes ele não funciona como deveria. “Para
mim, bem como para os demais membros do DetChar, (a maior dificuldade) foi
entender como filtrar todo aquele ‘mar de ruídos’ (sinais espúrios) e
distingui-los de sinais gravitacionais” conta o pesquisador.
A participação brasileira
através do Gwinpe na colaboração ocorre justamente nessa filtragem do “mar de
ruídos”, através da caracterização do desempenho de vários sensores que
monitoram o ambiente e do aperfeiçoamento da instrumentação de isolamento vibracional do Ligo. O ambiente em torno do Ligo é monitorado com sismômetros, magnetômetros, microfone,
geofones, entre outros, para garantir que os sinais encontrados nos dados não sejam de um caminhão passando na rodovia, das ondas quebrando na praia, de um terremoto, de uma descarga elétrica, ou mesmo de um avião passando
sobre o sítio, por exemplo. Esse monitoramento faz uma filtragem
dos dados, eliminando esses sinais, o que facilita a etapa seguinte, que seria
a busca por sinais gravitacionais. “São milhares de canais auxiliares
que monitoram essas coisas, e muito trabalho para comparar os dados com o canal gravitacional e
limpá-lo da ‘sujeira’”, explica Costa. Assim, os brasileiros do Gwinpe
participam auxiliando a eliminar dos dados coletados eventos espúrios. Além disso, há
também a participação na atividade de resfriamento dos espelhos do Ligo. De acordo com Aguiar, o Gwinpe é um dos poucos grupos envolvidos nessa tarefa.
Para Aguiar, a participação brasileira, através do Gwinpe, se traduz em
muito trabalho e prazos rígidos para execução. “A cada ano, temos que
apresentar um relatório, contendo as atividades do ano anterior e propostas de
trabalho para o ano seguinte, e sermos ‘aprovados’ para continuar na LSC por
mais um ano”. O que tem dado certo, visto que estão sendo “aprovados” para
continuar na colaboração já há alguns anos. “Temos cumprido todos os prazos e
requerimentos e cumprido também nossos deveres. Continuamos sendo membros da
colaboração como um grupo forte e ativo”, completa Costa.
O outro grupo, do IFT/Unesp, é dirigido por
Riccardo Sturani e trabalha na modelagem e análise dos dados de sinais de
sistemas estelares binários coalescentes, como os dois eventos detectados até
agora. A modelagem é importante, uma vez que as ondas gravitacionais interagem
fracamente com a matéria, o que torna necessário, além de detectores de alto
desempenho, técnicas eficazes de análises e uma modelagem teórica precisa dos
sinais.
Mas qual a
importância dessa detecção?
“Essa detecção é tão ou mais importante que a confirmação da existência
do Bóson de Higgs, sendo um dos eventos da física mais importantes deste século”,
afirma Aguiar. Assim também pensa Costa, que completa dizendo que este é um
grande marco para a ciência contemporânea: “As ondas gravitacionais eram o
último legado de Einstein, e sua detecção mostrou que a Teoria da Relatividade Geral
modela o Universo perfeitamente em todos os aspectos que ela previu”.
Com
essa detecção, um novo ramo de pesquisa nasceu, a astronomia de ondas gravitacionais,
abrindo uma nova janela para observarmos o Universo. Para Costa, nosso
conhecimento sobre o Universo será ampliado de forma que não temos como prever.
“É difícil saber o que o Universo terá a nos dizer daqui para frente. Mas uma
coisa é certa: agora que sabemos como ouvi-lo não deixaremos de fazê-lo”,
conclui.
|