A partir de uma situação presenciada em sala
de aula, a pesquisadora da Faculdade de Educação da USP, Aline Akemi, buscou
compreender as narrativas transmidiáticas que constroem novas práticas sociais
de leitura e, por conseguinte, novos perfis de leitor.
A situação a qual Akemi se refere – e que deu
origem a sua tese de doutorado – aconteceu quando lia uma história do livro Contos de morte morrida, de Ernani Ssó,
para alunos do terceiro ano do ensino fundamental. Quando o termo “gadanha”
surgiu, um dos alunos apontou um jogo bastante popular, sobre mitologia grega.
“Um deles levantou a mão e disse: gadanha é aquela arma que a Morte carrega, é
tipo uma foice. É uma arma legal. Eu uso no God
of War”.
Segundo ela, é perceptível que o interesse
pelos livros diminui conforme os alunos entram na adolescência, mas a vontade
de retomar o hábito de ler retorna a partir de outros aspectos, como a leitura
de best-sellers do momento (Harry Potter,
Crepúsculo) e também a chamada
literatura gamer.
"Os alunos buscavam esse tipo de
publicação mesmo que não gostassem ou não jogassem os games que serviram de
base para os livros. Esse fato curioso, somado aos inúmeros momentos em sala,
em que os alunos gamers se destacaram por seu conhecimento de assuntos
variados, foram, aos poucos, me conduzindo para o tema da pesquisa”, diz.
Akemi considera como literatura gamer os
romances, graphic novels (um romance produzido em quadrinhos), os próprios
quadrinhos e contos que possuem uma relação direta com algum jogo. “Seja porque
reconta sua narrativa (como os romances de Assassin's
creed, por exemplo), ou porque lhe dá continuidade (como os romances de Starcraft), ou o reinventa,
mantendo alguma relação de similaridade, como uma recriação no mesmo universo
(como o romance de Uncharted)”,
detalha.
A pesquisadora aponta também a estratégia da
indústria editorial de investir cada vez mais em livros baseados em franquias
de games. “Por que lançar livros voltados para jovens que, supostamente, não
leem? Afinal de contas, não há investimento que não vise ao lucro. O que nos
leva a pensar que a indústria sabe que o jovem é leitor e que consumiria tais
produtos, caso fossem disponibilizados”, aponta Akemi.
É uma literatura válida?
Seguindo a mesma linha de pensamento que a
pesquisadora da USP, Maria Aurora Neta, pesquisadora da Universidade Estadual
de Goiás, afirma em sua pesquisa “O jovem (não) gosta de ler: um estudo sobre a
relação entre juventude e leitura”, que
proporcionar espaço para discutir essas obras em sala de aula significa pensar
que é possível construir uma relação entre o jovem e a leitura, entre o desejo
e o saber.
“Os jovens alunos, além das leituras
escolares, leem livros, jornais, revistas e, na internet, interagem com as mais
diversas leituras; criticam a forma como os professores desenvolvem a leitura
na sala de aula e apontam alguns caminhos sobre essa questão quando sugerem
algumas atitudes que os professores podem tomar ao propor e realizar as práticas
de leitura na escola. E, a esse respeito, fica evidente, também, que os jovens
querem ser ouvidos, querem participar, e que não desejam a passividade”, afirma
Neta em sua pesquisa.
Akemi leu muitos livros relacionados a jogos
e não vê esse tipo de literatura de forma ruim. “Não foi nenhum sacrilégio,
aliás, alguns foram bastante divertidos e gostosos de ler. Claro que, como professora
de língua portuguesa, não posso querer iludir nem a mim nem aos demais quanto à
qualidade dessas publicações. São produtos da indústria cultural e devem ser
lidos como tal. Mas também não posso simplesmente dizer que não têm valor”,
pontua.
A pesquisadora conclui que a leitura exigida
pelas narrativas transmidiáticas é algo que nem todos alcançam, mas os
adolescentes a compreendem, fazem suas conexões, debatem e recriam. “Para eles,
a literatura gamer tem valor, ela os está trazendo de volta, mesmo que
brevemente, para o mundo dos livros, então tenho uma visão positiva”, completa.
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