No
âmbito das ciências naturais, algumas áreas, como a física, a
química e a biologia, conseguiram conquistar seu espaço e na maior
parte dos currículos escolares dos vários países aparece o nome
dessas disciplinas com uma carga horária semanal atribuída por um
ou mais anos no ensino médio. Isso acontece também com as ciências
da Terra, mas só em alguns países como Itália, Espanha, Japão ou
França. No Reino Unido, o alcance é de apenas uns poucos alunos que
optam por essa disciplina. Na maioria dos outros países, os
conteúdos de ciências da Terra estão embutidos em outras
disciplinas, como ciências, ciências da natureza, geografia,
química e física (King, 2008). É o caso do Brasil.
Esse
quadro é preocupante, já que se faz mais urgente, a cada dia, que
os futuros cidadãos entendam as complexas dinâmicas do nosso
planeta para enfrentar a crescente dificuldade de manejo e
distribuição de recursos naturais como água, minérios, e energia
de forma sustentável, assim como aprender a lidar com os riscos
naturais e as mudanças climáticas (Greco, Hlawatsch, Bronte, 2013).
Para tentar reverter essa situação, desde a década de
1990, um grupo de pesquisadores de vários países do mundo se juntou
em uma instituição que, em 2015, foi finalmente registrada como
organização não governamental na Índia: a International
Geoscience Education Organization (IGEO).
Dessa organização, fazem parte também professores brasileiros da
Unicamp, da USP e da Unesp.
Essa organização tentou
estimular a atenção sobre as ciências da Terra através de
conferências internacionais que estão sendo organizadas a cada
quatro anos. Sua última edição foi realizada na Índia em 2014, e
a próxima será no Brasil em 2018. Foram ativados projetos de
formação de professores, e o principal é o site Earth
Learning Idea, que promove ideias para atividades que o
professor pode realizar em sala de aula, as quais já se encontram
traduzidas também em português brasileiro para um grupo de
voluntários da Unicamp. Com periodicidade é realizado um
levantamento sobre a situação do ensino das ciências da Terra em
cada país e foi formulado um Syllabus internacional para facilitar a
introdução da disciplina nos países que ainda não têm. É
possível baixar esses documentos no site do IGEO.
Mas as
atividades que proporcionam mais visibilidade são, com certeza, as
realizadas pela International Earth Science Olympiad (IESO). É uma
competição científica internacional formulada no estilo das outras
competições semelhantes, mas com especificidades particulares. As
olimpíadas científicas internacionais são para alunos de ensino
médio e já têm uma longa história. A primeira olimpíada
internacional foi a de matemática, que surgiu em 1959, na Romênia,
e após poucos anos, surgiram as olimpíadas internacionais de física
e química.
Olimpíadas
Internacionais de Ciências
|
Primeiro
país sede
|
Primeira
edição
|
País
sede em 2015
|
Número
de países participantes em 2015
|
País
sede em 2016
|
International
Mathematical Olympiad – IMO
http://www.imo-official.org/
|
Romênia
|
1959
|
Tailândia
|
104
|
Hong
Kong
|
International
Phisics Olympiad – IphO
http://ipho.phy.ntnu.edu.tw/
|
Polônia
|
1967
|
Índia
|
72
|
Suíça
|
International
Chemistry Olympiad – IchO
http://www.icho.sk/
|
Tchecoslováquia
|
1968
|
Azerbaijão
|
75
|
Paquistão
|
International
Olympiad in Informatics – IOI
http://www.ioinformatics.org
|
Bulgária
|
1989
|
Cazaquistão
|
83
|
Rússia
|
International
Biology Olympiad – IBO
http://www.ibo-info.org/
|
Tchecoslováquia
|
1990
|
Dinamarca
|
62
|
Vietnã
|
International
Astronomy Olympiad – IAO
http://www.issp.ac.ru/iao/
|
Rússia
|
1996
|
Rússia
|
Evento
ainda não realizado
|
Bulgária
|
International
Geography Olympiad – iGeO
http://www.geoolympiad.org/
|
Holanda
|
1996
|
Rússia
|
40
|
China
|
International
Junior Science Olympiad
(under
15 years old) –IJSO http://www.ijso.ir/
|
Indonésia
|
2004
|
Coreia
do Sul
|
Evento
ainda não realizado
|
Ainda
a ser definido
|
International
Olympiad on Astronomy and Astrophysics IOAA.
|
Tailândia
|
2007
|
Indonésia
|
39
|
Índia
|
International
Earth Science Olympiad – IESO
http://www.ieso-info.org/
|
Coreia
do Sul
|
2007
|
Brasil
|
22
|
Japão
|
A
IESO é a
mais nova das olimpíadas científicas internacionais, tendo surgido
apenas em 2007. Seu objetivo é estimular o interesse dos alunos e a
atenção do público alvo para as ciências da Terra, assim como se
pretende expandir o conhecimento dos alunos sobre essa disciplina.
Muitos deles podem ter vocação para estudar ciências da Terra e a
IESO é uma oportunidade para lhes dar espaço e valorizar suas
paixões. Encontrar amigos de outros países com os mesmos interesses
é uma oportunidade única. Para os professores, é a oportunidade
para trocar entre si experiências, ideias e materiais de ensino.
A
participação no evento internacional é só a ponta do iceberg. A
base são as olimpíadas nacionais e essa é a parte mais
interessante para se provocar efeitos locais de larga escala. As
seleções nacionais podem ser feitas em uma ou mais etapas. Na
Espanha, a seleção começou em 2010. Uma pesquisa foi feita com os
alunos que participaram e o resultado de seus relatos é o de que
para eles foi uma experiência desafiadora, mas que valeu a pena e
gostariam de repetir (Calonge and Greco, 2011). Na Itália, a seleção
é feita em três etapas e participam em média 400 escolas, e o
número de alunos envolvidos pode ser traduzido em mais de 25.000
(Greco, 2009). Vários países possuem programa de treinamento para a
seleção, cuja duração, em geral, é de uma ou duas semanas e
feito em colaboração com universidades. Alguns países selecionam
os alunos um ano antes, outros terminam a seleção pouco antes da
fase internacional. Vários países recebem apoio institucional e
econômico do governo, outros precisam utilizar recursos voluntários
e patrocinadores particulares (Greco, Ifanger, 2014). O Brasil
participa da IESO desde 2012, com uma equipe selecionada através da
Olimpíada Brasileira de Agropecuária (OBAP), promovida pelo
Instituto Federal Sul de Minas (IF Sul de Minas).
Na IESO,
podem participar delegações de todos os países que têm uma
seleção nacional reconhecida pelo seu ministério de educação. Já
houve casos nos quais participaram simultaneamente países com
situações políticas complicadas entre si, como Israel e países
árabes, Rússia e Ucrânia, mas essa se apresenta como uma
oportunidade a mais para abri-los para o diálogo e a compreensão
recíproca, atuando em um tema de interesse comum. Cada país
participante envia sua própria delegação nacional formada por
quatro alunos e dois mentores. Os alunos devem ter no máximo 19 anos
e não podem ser alunos de graduação: é pré-requisito que sejam
alunos do ensino médio.
Os adultos que acompanham os alunos
são chamados de mentores e devem estar aptos a fazerem parte dos
jurados internacionais. Portanto, precisam ter conhecimentos da área
das ciências da Terra e/ou sobre ensino de ciências da Terra. Os
mentores necessitam falar a língua oficial da IESO, que é o inglês,
e, se necessário, traduzir as provas e materiais do inglês para sua
língua nativa. Para os alunos, é desejável, mas não é
discriminatório o conhecimento do inglês, já que as provas podem
ser traduzidas por seus mentores.
A competição da IESO
consiste em uma parte teórica e uma parte prática. A parte teórica
é formada por um conjunto de questões de múltipla escolha. A
comissão internacional que elabora as provas faz referência ao
syllabus da IESO. O foco dessa prova é baseado na abordagem
sistêmica do planeta Terra. As questões tentam levar os alunos a
enxergar as relações entre geosfera, hidrosfera, atmosfera e as
influências astronômicas que atuam na Terra. As perguntas tentam se
afastar do modelo de memorização para dar espaço ao raciocínio.
Segue aqui um exemplo da prova da IESO 2015:
Para um
determinado gás, a diminuição da temperatura aumenta a sua
solubilidade em água. De que forma o aquecimento global influenciará
as rochas carbonatadas na Terra? Escolha a afirmação correta
abaixo. (Resposta correta = 0.5 pontos) a) Aumentará somente a
dissolução do calcário. b) Aumentará a dissolução de todas
as rochas carbonatadas. c) Não terá efeitos na dissolução ou
formação das rochas carbonatadas. d) Aumentará a formação
das rochas carbonatadas.
Com esse syllabus e essas tipologias
de questões, se espera influenciar o sistema de seleção nas
olimpíadas nacionais e também os currículos e a forma de ensinar a
nível mundial. As provas práticas preveem atividades de observação,
medidas e utilização de ferramentas de análise.
Além das
provas competitivas na IESO, estão presentes duas outras atividades
que estimulam a cooperação e a amizade entre os alunos. A primeira
dessas atividades é o International Team Field Investigation (ITFI),
que corresponde a uma pesquisa desenvolvida por um grupo de oito
alunos, cada um de um país diferente. Eles têm que resolver uma
questão e fornecer uma interpretação de um fenômeno natural.
Portanto, têm que coletar dados no campo, reunir-se para
formular uma explicação e hipótese, resolver uma questão e
apresentar o trabalho como se estivessem em um congresso científico.
Os jurados internacionais avaliam esse trabalho e os melhores ganham
um certificado. Uma das atividades do ITFI 2013 na Índia foi elencar
os riscos ambientais associados a uma atividade de mineração e
descrever as medidas adaptadas para prevenir ou reduzir o risco.
Outra atividade cooperativa é o Earth System Project (ESP).
Essa atividade avalia a capacidade dos alunos de coletar e analisar
dados, raciocinar, pensar de forma sistêmica, além de sua
capacidade de comunicação e colaboração para realizar uma
apresentação escrita e oral. No ano de 2015, o tema do ESP foi
descrever de forma sistêmica a influência de El Niño em 2015 no
Brasil.
No momento, a IESO é a única olimpíada científica
internacional que inclui um trabalho em equipe. A IESO tem uma
duração de uma a duas semanas, e, a cada ano, é organizada em um
país diferente. O país organizador assume todos os gastos de
alojamento, alimentação e transporte dos participantes desde a
chegada ao país. Aos participantes, cabe arcar com a taxa de
inscrição. Durante a IESO, além das provas, há a cerimônia de
abertura e a premiação final, atividades culturais e visitas às
escolas da região.
A lista a seguir relaciona as edições
da IESO já realizadas, além da lista dos países que irão hospedar
a IESO nos próximos anos:
2007 – 1a edição – Coreia do
Sul. Tema: Earth for life, universe for future life 2008 – 2a
edição – Filipinas. Tema: Cooperation in addressing climate
changes 2009 – 3a edição – Taiwan. Tema: Human and
environment 2010 – 4a edição – Indonésia. Tema: The
present is the key to the future 2011 – 5a edição – Itália.
Tema: Earth science renaissance: science, environment and art 2012
– 6a edição – Argentina. Tema: Energy, water and minerals for
sustainable development 2013 – 7a edição – Índia 2014
– 8a edição – Espanha 2015 – 9a edição – Brasil.
Tema: Soil 2016 – 10a edição – Japão 2017 – 11a
edição – Noruega 2018 – 12a edição – Tailândia 2019
– 13a edição – Coreia do Sul
Até o momento, quarenta e
cinco países participaram com equipes de alunos ou simplesmente com
observadores. Mais de seiscentos alunos participaram das precedentes
edições. A última edição da IESO foi realizada no Brasil, em
Poços de Caldas (MG), entre 13 e 20 de setembro de 2015.
Participaram 22 países, com alunos competidores, e outros cinco
países com observadores. A organização do evento foi feita pelo IF
Sul de Minas que, com a experiência adquirida com a OBAP e com uma
equipe de funcionários jovens e muito motivados liderados pelo
reitor Marcelo Bregagnoli, realizou um evento elogiado e parabenizado
por todos os participantes. Isso, mesmo com o desafio de ter assumido
o compromisso da organização apenas 10 meses antes do evento,
devido à renúncia da Rússia.
Outras instituições que
apoiaram o IF Sul de Minas foram: Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Universidade
Federal de Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal de Juiz de
Fora (UFJF), Universidade Federal de Alfenas (Unifal), Universidade
Federal de Itajubá (Unifei), Universidade de São Paulo (USP),
Prefeitura Municipal de Poços de Caldas, Ministério da Educação
(MEC), Secretaria da Educação Profissional e Tecnológica (Setec) e
International Geoscience Education Organization (IGEO).
A
organização de uma olimpíada internacional necessita do
envolvimento do MEC, de um levantamento considerável de recursos
econômicos, além do comprometimento de uma equipe de pessoas
voluntárias interessadas na organização. Dessa forma, nem sempre é
fácil ter todas essas condições de forma conjunta. As limitações
nos recursos afetam, em particular, a possibilidade de convidar
equipes especialmente dos países em desenvolvimento, que precisam de
ajuda de custo (Sellez Martinez, 2014).
O aluno melhor
classificado neste ano foi o coreano, Seung Won Jung. Várias
emissoras de televisão e jornalistas da mídia impressa fizeram
reportagem sobre o evento. Além disso, a colaboração e a presença
de representantes do MEC faz esperar que a atenção sobre essa área
do conhecimento possa, aos poucos, crescer e ter mais espaço na
escola e na formação dos professores.
Roberto Greco é
vice-coordenador da IGEO, doutor pela Universitá degli Studi di
Modena e Reggio Emilia e professor do Instituto de Geociências,
Unicamp. E-mail: robertogreco01@yahoo.it
Luiz Anselmo Costa Nascimento Ifanger é mestre pelo Programa
Pós Graduação em Ensino e História de Ciências da Terra do
Instituto de Geociências da Unicamp e é doutorando no mesmo
programa. E-mail: kiko_ifanger@yahoo.com.br
Carolina Baldin é
mestre em entomologia pela Universidade de São Paulo e doutoranda do
Programa de Pós graduação em Ensino e História de Ciências da
Terra do Instituto de Geociências da Unicamp. E-mail:
cacabaldin@yahoo.com.br
Referências
bibliográficas
Calonge
García, A.; Greco, R.. 2011. “Olimpiada Internacional de Ciencias
de la Tierra (IESO): una oportunidad a la geologia”. Enseñanza
de las Ciencias de la Tierra, 19(2): 130-140. Greco, R..
2009. “International Earth Science Olympiad – IESO 2009, Taiwan
14-22 Settembre 2009”, Geoitalia nº29. Livorno, pp
22-30. Greco, R.; Ifanger, L. A. C. N. 2014. “Análise de
alguns casos nacionais de seleção e preparação para a
International Earth Science Olympiad, IESO”. Terrae Didatica,
v. 10, p. 274-282. Greco, R.; Hlawatsch, S.; Bronte, N.. 2013.
“The International Earth Science Olympiad (IESO): a way to raise
public awareness of geoscience, particularly amongst younger people
and enhance the quality of geocience education internationally”.
Episodes, v. 36, p. 235-239. King, C.. 2008. “Geoscience
education: an overview”. Studies in Science Education, 44, 187 –
222. Sellez-Martínez, J. 2014. “La 6a Olimpíada Internacional
de Ciencias de la Tierra em Argentina: crónica de una experiencia
compleja”, Terrae Didatica, v. 10-3, p. 260-273.
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