No ideário da teia mundial de computadores tecida pela internet está, em frontispício virtual o lema democratizar a informação, o que implica dizer democratizar o acesso à informação.
Em todo processo de desenvolvimento da internet até agora ocorrido, esse ideal não foi abandonado, reforçando-se, ao contrário, com todas as tentativas feitas para cerceá-lo, muitas vezes por motivações de interesses proprietários travestidas de boas intenções ético-legislativas e em nome da prática dos bons costumes.
É o que parece estar ocorrendo agora no Brasil com o substitutivo ao Projeto de Lei 76/2000, de autoria do senador Eduardo Azeredo, do PSDB, de Minas Gerais.
O projeto prevê vários novos tipos de crimes virtuais, como criar e espalhar vírus, obter dados sigilosos para divulgação não autorizada, violar bancos de dados, enganar o usuário com programas maliciosos (phishing), clonar equipamentos, entre eles os celulares, com penas que variam de 6 meses a 5 nos de prisão, além de multa.
Prevê também a obrigatoriedade do cadastro para todo aquele que usar a rede local, regional, nacional ou mundial, com identificação de nome, R.G., data de nascimento e endereço ou com apresentação de certificação digital.
O provedor, por sua vez, tem, segundo o substitutivo, obrigação de deixar em arquivo, por 3 anos, o registro das entradas e permanência de todo usuário da rede, informar à polícia qualquer atitude suspeita e liberar os registros de usuários quando determinado por mandado judicial.
Como medida no sentido de buscar regular os abusos virtuais e no sentido de tipificar crimes digitais freqüentes na rede e causadores de danos morais e sociais à população, a proposta tem aspectos positivos e constitui em esforço legislativo com méritos inegáveis.
O ponto, contudo, controverso e mesmo polêmico é o que propõe a obrigatoriedade do cadastro.
Primeiro porque vai contra a filosofia que norteou a expansão da rede digital de comunicação por todo o planeta e que o lema acima aludido procura sintetizar. De fato, contrariamente ao desenho lógico dos sistemas de telefonia tradicionais, a internet não tem centro, nem central de distribuição. O internauta navega no barco das informações de modo livre e alternativo, tanto no sentido em que a arquitetura da rede não é necessariamente proprietária, como no sentido das múltiplas opções de rotas e canais que o barco pode cursar para chegar no seu destino com a informação.
O cadastro de identificação do usuário, por fornecimento dos dados pessoais ou por certificação digital e a conseqüente responsabilidade compartilhada do provedor criam uma cartorialidade até agora inexistente no acesso à internet, trazendo para a concepção da liberdade de uso a contraparte da restrição da propriedade, controlada e mais facilmente suscetível à cobrança, inclusive no sentido econômico e financeiro.
Há ainda um terceiro aspecto que merece ser levado em conta. Diz respeito à eficácia real desse tipo de medida, considerando que as tecnologias de defesa da propriedade virtual costumam, quase que imediatamente à plantação das barreiras de impedimento, serem derrubadas por tecnologias emulativas da mesma natureza e que navegam no sentido da contramão.
É o que ocorreu, por exemplo, com o feito realizado pelo hacker Jon Johansen, na Noruega, quando, com 15 anos, em 1999, conseguiu quebrar o código de proteção dos fabricantes de DVD, permitindo, assim, que o seu conteúdo pudesse ser acessado pelos computadores rodando com o software livre Linux. A indústria fonográfica sofreu um baque, até pelo conseqüente pirateamento que a tecnologia do hacker permitiu, entrou com processo contra ele que, julgado em seu país, foi, contudo, absolvido sob a alegação de que ele não visara a pirataria, mas o uso livre de um produto cuja aquisição fora feita de forma legal.
DVD Jon, como ficou conhecido, volta à carga e investe agora nos domínios da Apple e anuncia que rompeu o código criptografado que obriga o consumidor das músicas da loja virtual da empresa a ouvirem-nas apenas no aparelho iPod.
A lógica do raciocínio é a mesma do caso anterior do DVD; o que está em jogo é a liberdade do usuário de escolher o que fazer com o produto que adquiriu, sem imposição de restrições por parte do produtor.
Num caso e noutro, além de todas as questões de fundo, de natureza filosófica e moral, há a questão prática de interesse comercial, envolvendo quantias que viajam pela casa dos bilhões de dólares e cujos domínios serão, por isso, entre outras coisas, defendidos com unhas e dentes, quer dizer com leis, decretos e normas de defesa da propriedade e a certificação digital de sua autêntica legitimidade virtual.
No caso do substitutivo de senador Eduardo Azeredo, a grita foi grande e a indignação cidadã que provocou acabou, ao menos por enquanto, produzindo o recuo dos propositores, em particular no caso do cadastramento obrigatório do usuário e da responsabilidade solidária do provedor.
Vamos ver qual será o próximo lance no campo virtual das propostas legislativas acompanhando o movimento do jogo em tempo real!
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