A Associação Psiquiátrica Americana (APA) planeja lançar a quinta
edição do Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos
Mentais (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders,
DSM-V) em 2013. Este livro representa a revisão da obra mais
influente na área de psiquiatria contemporânea e já consumiu mais
de uma década de estudos para produzir as recomendações de
classificação dos transtornos mentais.
O texto definitivo do DSM-V ainda não
está pronto. Chefiados pelo professor David J. Kupfer, da
Universidade de Pittsburg, e pelo doutor Darrel A. Regier, da APA,
mais de 600 especialistas mundiais da saúde mental se reúnem desde
1999 para debater os caminhos do diagnóstico psiquiátrico no século
XXI. Os cientistas envolvidos foram agrupados tematicamente para
oferecer recomendações nas seguintes áreas: nomenclatura, a
neurociência, o desenvolvimento, prejuízo e incapacitação,
problemas transculturais e lacunas no sistema atual de diagnóstico.
Os dois líderes enfrentaram críticas de várias áreas, bem como
dilemas científicos e pressões políticas, para que os novos
critérios diagnósticos contenham os novos avanços científicos na
conceituação de transtornos mentais, mas que também atendam às
necessidades dos pacientes.
A quarta edição do DSM foi publicada originalmente em 1994 e
revisada em 2000, repleta de ressalvas e críticas pelos
especialistas e usuários de saúde mental. As 357 categorias do
DSM-IV são definidas como um padrão de comportamento ou síndrome
psicológica, clinicamente significativa (com sofrimento,
incapacitação ou perda da liberdade individual), que não
representa respostas esperadas ou culturalmente sancionadas (por
exemplo, reação de luto), nem desvios e conflitos socialmente
determinados (por exemplo, política, religião e sexualidade). A
classificação do DSM-IV é baseada numa lista ideal de sintomas,
sem que a sua causalidade seja presumida ou exigida. A abordagem de
classificação é categorial, isto é, permite descrever a presença
ou ausência de um transtorno mental. Dois indivíduos que se queixam
de quatro dos nove sintomas definidores de “depressão maior” são
diagnosticados e tratados como equivalentes, sem levar em conta a
intensidade dos sintomas presentes. Segundo o professor Kupfer, a
principal inovação do DSM-V é introduzir o conceito de “dimensão”.
Este tipo de classificação considera a intensidade e gravidade dos
sintomas, com indicadores de sofrimento subjetivos e o grau de
prejuízo associado (por exemplo, o risco de suicídio).
Além disso, as motivações para revisar o DSM-IV foram
impulsionadas pelo rápido avanço do conhecimento científico, como
os achados genéticos que revelaram similaridades entre transtorno
bipolar e esquizofrenia e os estudos de imagem cerebral que
diferenciaram os circuitos neurais das compulsões e as diversas
formas de adicção. Em linhas gerais, recomenda-se que o novo
sistema de diagnóstico tenha a sua validade reforçada por
indicadores como a significância prognóstica, a disfunção
psicobiológica e a resposta ao tratamento. Espera-se que os
diagnósticos ganhem uma maior utilidade, através da conceituação
precisa de uma condição mental transtornada, facilitando a sua
avaliação e tratamento. Ponderando sobre o equilíbrio entre o
potencial benefício e o abuso maléfico das mudanças, o DSM-V vai
considerar as formas leves e fronteiriças de um quadro clínico, bem
como a influência de fatores neurobiológicos. Entretanto, o
professor Kupfer advoga que as mudanças sejam propostas somente
quando há suficiente evidência científica para justificá-las. Os
especialistas do DSM-V concordam que as mudanças no atual sistema de
classificação devem se basear em dados empíricos. Para tanto,
antes de propor mudanças significativas, os marcadores biológicos e
contextuais precisam ser identificados a partir de investigações
relevantes.
Entre as principais mudanças em pauta, o DSM-V pretende reduzir o
excesso de categorias de transtornos mentais do DSM-IV através da
abordagem dimensional. Por exemplo, os doze transtornos de
personalidade serão agrupados em cinco: limítrofe, esquizotípico,
evitador, obsessivo-compulsivo e antissocial/psicopatático. O
“prejuízo cognitivo leve” representa uma forma neurocognitiva
menor da demência de Alzheimer.
Algumas novas propostas diagnósticas, entretanto, devem causar
rebuliço na comunidade acadêmica, como é o diagnóstico de
“síndrome de risco pré-psicótico” – aplicável aos jovens
ainda sem sintomas típicos de psicose – e uma redefinição dos
transtornos do espectro do autismo que eliminaria a síndrome de
Asperger, considerada por muitos como uma forma leve de autismo. Em
resposta aos excessos diagnósticos de transtorno bipolar em
crianças, o rótulo de “transtorno disfórico de desregulação de
temperamento” é introduzido para descrever formas graves de
explosões de raiva, alternando com estados negativos de humor. Os
transtornos de jogo patológico ganhariam o status de “adicção”,
com a retirada da distinção entre dependência e abuso de
substâncias (álcool e drogas). A adicção à “internet” ainda
está em debate e os supostos casos de “dependência ao sexo”
recebem o rótulo controverso de transtorno de “hipersexualidade”.
Controvérsias e debates em torno das principais mudanças têm
retardado a elaboração do seu texto definitivo. Contudo, o esboço
dos novos critérios do DSM-V foi posto à prova em trabalhos de
campo em 2010. A questão de fundo nos traz de volta ao objetivo
fundamental de um sistema de classificação, que é auxiliar os
médicos a ajudar os seus pacientes. É inegável que ainda há muito
caminho pela frente, mas o campo da psiquiatria está em constante
evolução e, portanto, as pesquisas e o tratamento dos transtornos
mentais devem sofrer mudanças substanciais no século XXI.
Yuan-Pang Wang é doutor em psiquiatria pela Universidade de São
Paulo, médico do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas
e professor de pós-graduação do Departamento de Psiquiatria da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Leitura
complementar:
Kupfer,
D.J.; First, M.B.; Regier, M.D. (eds.) A research agenda for
DSM-V. Washington, D.C.: American Psychiatric Association, 2002.
McHugh,
P.R. “Striving for coherence. Psychiatry’s efforts over
classification”. JAMA 2005; 293: 2526-8.
Helzer,
J.D.; Kraemer, H.C.; Krueger, R.F.; Wittchen, H-U; Sirovatka, P.J.;
Regier, D.A. (eds.) Dimensional approaches in diagnostic
classification: refining the research agenda for DSM-V.
Arlington, VA: American Psychiatric Publishing, 2008.
Miller,
G; Holden, C. “Psychiatry. Proposed revisions to psychiatry's canon
unveiled”. Science 2010; 327(5967):770-1.
APA:
DSM-5. DSM-5: the future of psychiatric diagnosis.
Disponível em URL: http://www.dsm5.org/.
Acesso em 28 de Fevereiro de 2011.
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