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Artigo
A interdisciplinaridade como alternativa à organização dos currículos escolares: algumas contribuições
Por Marília Freitas de Campos Tozoni-Reis
10/05/2012

Escrevi sobre multidisciplinaridade e interdisciplinaridade, em dois outros textos (Pires, 1996; Pires, 1998), e sobre transdisciplinaridade no último. Nesses textos, sempre tratei esses temas – e suas implicações na educação e no ensino – como provisórios, pois considero-os conceitos em permanente construção. Nesta nova oportunidade de voltar a esses temas, retomo algumas das considerações dos textos anteriores e trago novas reflexões, resultado de mais estudos e experiências sobre eles.

A primeira consideração a fazer é a necessidade, que sentimos já há algum tempo, de integração entre as disciplinas dos currículos escolares. Mas, como sabemos, em todos os níveis de ensino no Brasil, temos uma organização curricular fragmentada e desarticulada. Parece que nossos currículos escolares são constituídos por compartimentos estanques e incomunicáveis, que resultam num esforço de formação de alunos e professores também tão fragmentada que nos parece insuficiente para o desenvolvimento cotidiano de práticas sociais que, cada vez mais em nosso mundo moderno, exigem formação mais crítica.

Já nos momentos anteriormente citados, desenvolvi reflexões sobre esse caráter fragmentado e desarticulado de organização curricular na educação escolarizada no mundo atual. Segundo essas reflexões, podemos identificar a origem dessa prática de organização curricular – de fato, na prática de organizar toda a vida moderna de forma fragmentada e desarticulada – na exigência de formação dos indivíduos que a sociedade moderna, com suas formas próprias de organização social, trouxe às instituições educacionais, inclusive à escola em todos os níveis.

Do ponto de vista histórico e social, a origem da fragmentação da vida em todas as suas dimensões, ou seja, a forma como a modernidade organiza todas as relações sociais, pode ser compreendida pelo estudo das relações de produção de nossa sociedade, isto é, a sociedade capitalista. A sociedade moderna é a sociedade capitalista, que, pela forma histórica como organizou – e ainda organiza – as relações sociais, traz processos de ruptura e alienação do próprio gênero humano enquanto tal. Isso significa dizer que o modo de produção capitalista, que é o modo de organização de nossa sociedade, é, em si, um modo de produção que fragmenta os sujeitos sociais, pelos processos de exploração e alienação do trabalho a que os submete.

Embora não cabendo aqui um estudo mais aprofundado sobre as características desse modo de produção, para compreendermos suas implicações nas relações sociais atuais, incluindo a educação escolarizada e sua organização curricular, é importante lembrar que o modo de produção capitalista se organiza pela oposição entre as classes sociais, ou, como nos ensinou o pensamento marxista clássico, a oposição entre os proprietários dos meios de produção e os proprietários da força de trabalho. Essa oposição determinou as formas de ser e de agir nas nossas sociedades. Algumas ideias, ou seja, formas de pensar que fundamentam as relações sociais sob esse modo de produção, que fundamentam o modelo econômico, político e social em que nos encontramos, chamamos de doutrina.

A doutrina político-social-econômica, na qual se fundamenta o capitalismo, é o liberalismo. Diferentemente do que poderia sugerir a expressão “liberalismo”, as ideias que emergem dessa doutrina político-social-econômica referem-se essencialmente ao “direito de cada um atingir para si próprio uma posição cada vez mais vantajosa” (Kruppa, 1994), no que se refere ao seu lugar na sociedade, conquistado pelo poder econômico. Essa autora destaca para análise alguns princípios que sustentam o conjunto de ideias liberais: o individualismo, a liberdade, a propriedade, a igualdade e a democracia.

Se considerarmos toda a história do desenvolvimento do modo de produção capitalista no mundo, vemos como seus princípios foram defendidos de tal forma que parecessem valores universais e não princípios de uma determinada doutrina, com determinados objetivos e estratégias. O lema da Revolução Francesa expressa claramente os princípios da doutrina liberal: liberdade, igualdade e fraternidade. No Brasil, do ponto de vista histórico, desde Tiradentes (1746-1792), passando pela Abolição (1888) e a Proclamação da República (1889), esses princípios estiveram presentes.

O mais importante na análise desses princípios refere-se ao fato de que, na doutrina liberal, as relações sociais são compreendidas como relações entre as pessoas individualmente. Ou seja, o centro da vida social, da vida em sociedade, é o indivíduo, único responsável – individualmente – por seu sucesso ou fracasso. Ora, sabemos que a realidade social é mais complexa do que isso, a sociedade não se restringe à soma direta de indivíduos. O liberalismo, portanto, como doutrina político-econômica, fundamentou a organização das sociedades capitalistas desde sua origem, contribuindo para sua consolidação, ao ponto de lograr transformar seus princípios, carregados de intenções concretas, em princípios aparentemente universais nessas sociedades. No entanto, as crises econômicas e, de certa forma, políticas, pelas quais as sociedades capitalistas passaram, obrigaram seus defensores – representados, principalmente, pelos governos dos estados capitalistas – a tomarem medidas para sua manutenção. Junto a essas medidas práticas, de política econômica, a doutrina liberal também foi reajustada.

Em um estudo anterior (Pires; Tozoni-Reis, 1999), analisamos essa nova etapa da organização das relações sociais no mundo capitalista que ficou conhecida como “nova ordem mundial”. Naquele momento, já perguntávamos: que nova ordem é essa? O que é nova e qual é a ordem? Como essa nova ordem define as demandas sociais? À primeira vista, o tema sugere que nova ordem mundial significa o progresso tecnológico que modifica (mas não transforma) a base técnica da produção e traz modificações na organização do trabalho, exigindo novas diretrizes para a qualificação e a formação humana. A chamada Terceira Revolução Industrial, sociedade pós-industrial, pós-capitalista, pós-moderna, pós-histórica ou sociedade global, traz em seu interior o avanço do conhecimento, constituindo-se assim na sociedade do conhecimento (Frigotto, 1995). Nessa sociedade, a flexibilização das formas de produção, de participação, de auto-organização, de trabalho em equipe, de produtividade, de competitividade e qualidade total (Antunes, 1995; Frigotto, 1995) são características de organização social. As modificações nas relações sociais, provenientes dessa organização, são acompanhadas de um processo de internacionalização peculiar: a globalização.

Assim, a nova ordem parece ser o cenário econômico, político, social e cultural da sociedade em sua atual forma de organização. Articulado a esse processo de globalização está a expansão do neoliberalismo, que nada mais é do que a doutrina liberal reformulada como alternativa teórica e política à crise do capitalismo internacional. Ou seja, o neoliberalismo é a redefinição da doutrina liberal para que esse novo estágio do capitalismo enfrente as crises geradas por ele mesmo. Essa redefinição pode ser entendida, principalmente, pelo seu descomprometimento com as políticas públicas, pela tentativa de implantação do chamado “Estado mínimo” para o enfrentamento da crise financeira do modelo do “Estado de bem-estar social”, que significava a definição de políticas públicas de saúde, educação, transporte, moradia – além de muitas outras – que garantiam o bem-estar do conjunto da população.

A proposta política neoliberal de organização social sob o modo de produção capitalista, nessa fase mais atual, ganha espaço com a crise teórica, política e econômica do capitalismo internacional, mais diretamente a crise econômica que atingiu os países mais ricos na década de setenta do século XX, como consequência da então conhecida “crise do petróleo”. Essas crises colocaram a necessidade de reorganizar o modo de produção capitalista. O modelo neoliberal, implantado nos países capitalistas avançados, expandiu-se por toda parte, indo além dos aspectos econômicos. Sua expansão pode ser compreendida como um fenômeno internacional de enorme importância.

A doutrina político-social-econômica neoliberal tem como principal característica a busca de uma política econômica que, sem intervenção do Estado, vigore sem qualquer limitação dos mecanismos do mercado. Friedrich Hayek a formulou principalmente com o livro O caminho da servidão, publicado pela primeira vez em 1944. Hayek coloca-se veementemente contra o Estado previdenciário, de bem-estar social, argumentando que esse tipo de organização da sociedade abate a iniciativa individual que produz a riqueza, da qual toda sociedade se beneficia a médio e longo prazo. Nesse sentido, a desigualdade social é um valor positivo para gerar e manter o desenvolvimento econômico. A desigualdade, segundo os princípios dessa doutrina, é uma estratégia importante para a prosperidade, pois garante a concentração de riquezas que beneficiaria a toda sociedade. O Estado neoliberal pode ser entendido, principalmente, pelo seu descompromisso com as políticas públicas econômicas e sociais.

O agravamento da desigualdade é uma das marcas do avanço neoliberal. Essa desigualdade tem gerado a contestação das políticas internacionais neoliberais que tem se expressado em diversas manifestações em todo o mundo. A criação e consolidação do Fórum Social Mundial, em oposição aos encontros do G-8 (e a partir de 2009, do G-20), os protestos do movimento ambientalista nos últimos anos, e outros movimentos sociais que protestam contra o modelo de desenvolvimento econômico e suas consequências no agravamento das desigualdades sociais, são alguns exemplos, assim como a atual crise econômica internacional que enfrentam todos os países do mundo capitalista.

Essa nova ordem repercute também e diretamente na organização do trabalho. O avanço tecnológico e a automação dos meios de produção são elementos reestruturadores das relações de trabalho. Antunes (1995), discutindo as metamorfoses no mundo do trabalho, coloca a discussão da reestruturação como um processo mais complexo e contraditório do que o apresentado pelos defensores do neoliberalismo e da nova organização do trabalho e das sociedades.

Nesse cenário, aparece a especialização multifuncional, exigida principalmente pela automação dos processos de produção. A economia mundial, com suas enormes diferenças, tende a exigir trabalhadores qualificados, com nova base técnica e cultural. Essa exigência, somada ao desemprego estrutural que atinge diariamente a todos os países do mundo, traz para as relações de trabalho a competitividade. Temos, ainda, problemas econômicos agravando-se em diferentes dimensões em vários países do mundo, como inflação, desemprego, taxas de juros, déficit orçamentário, crise financeira, dívida externa e política econômica em geral (Santos, 1996).

No Brasil, a privatização dos serviços de saúde e educação foi iniciada nos anos 1970, durante a ditadura militar, precedida pela deterioração dos serviços públicos nessas áreas. Mas a efetiva implantação do projeto neoliberal ocorreu nos anos noventa, atingindo seu ponto alto no segundo mandato do governo Fernando Henrique Cardoso, tendo continuidade nos dois mandatos do presidente Lula e no atual mandato da presidente Dilma. Em cinco mandatos presidenciais sucessivos, a política econômica adotada, desde 1995, implantou um agressivo programa de privatização de empresas e serviços públicos: transformou os serviços de saúde em fonte de acumulação, por meio dos seguros e planos de saúde; consolidou a privatização do ensino, que não se deu pela privatização direta das instituições escolares, mas pela crise de qualidade na escola pública; privatizou os transportes direta ou indiretamente através, por exemplo, da agressiva privatização das rodovias, entre outras medidas.

Nesse contexto, como pensar a educação, a educação escolarizada e a organização curricular?

As instituições educativas (a família, a escola e outras) sempre estiveram vinculadas às relações de produção. Com a Revolução Industrial – que inaugurou a modernidade –, a escola foi se consolidando como principal instituição de formação para o trabalho, principalmente em sua dimensão política: a formação cultural ideológica dos indivíduos para o trabalho industrial, fundamentada no controle do tempo, na eficiência, na ordem e disciplina, na subserviência etc. (Enguita, 1989).

Dessa forma, o ensino convive com a contradição que historicamente existe em seu interior. De um lado, coloca-o a serviço da formação das elites dirigentes e, de outro lado, produz conhecimentos críticos para a interpretação das relações sociais contraditórias que conduzem a seu enfrentamento e transformação. Nesse espaço, a organização curricular fragmentada e desarticulada, disciplinar, reflete a cisão histórica das atividades humanas imposta pelo modelo industrial à maioria das populações (Frigotto 1995a). A rígida barreira existente entre as disciplinas, impostas pela ciência moderna às atividades de pesquisa e ensino (Almeida Filho, 1997), reflete o trabalho industrial no qual o homem moderno, concretamente, vive sua atividade básica. Pode-se dizer que o conhecimento veiculado nas escolas vem sendo organizado de forma tão estanque e fragmentada como a organização do trabalho industrial que coloca o indivíduo como objeto de ação parcial e obriga-o a constituir-se em um homem dividido, alienado, desumanizado. A realidade social e científica da modernidade é marcada por essa fragmentação (Manacorda, 1991).

Os setores mais críticos da sociedade vêm denunciando essa situação e empreendendo esforços para superá-la. A atual reorganização do modo de produção capitalista internacional que vimos neste texto traz modificações no mundo do trabalho (Antunes, 1995), e como não poderia ser diferente, na organização do ensino. As novas tecnologias presentes no trabalho industrial reorganizam as relações de trabalho e de produção. O taylorismo e o fordismo, como modelos até então estabelecidos, começam a dar lugar a novos modelos. Isso significa dizer que o controle do tempo, a produção em série e a massificação do trabalhador coletivo, que predominaram nas relações sociais de produção durante todo o século passado e que são a expressão do caráter fragmentado, alienador e desumanizador da organização do trabalho industrial, vêm sendo substituídos pela – ou pelo menos vêm convivendo com a – flexibilização das formas organizativas de trabalho, pelo estabelecimento de novos padrões de controle (gestão participativa, por exemplo) e pela busca da qualidade total, entre outras inovações. É importante considerar, também, o estrondoso crescimento do setor de serviços nas sociedades capitalistas, que é grande indicador das modificações no mundo do trabalho (Antunes, 1995).

Com as modificações no mundo do trabalho que estamos presenciando, o nível de qualificação exigido dos novos trabalhadores se altera, criando a necessidade, para o setor produtivo, de valorizar (o que significa de certo modo investir), na formação geral do conjunto da população (Frigotto, 1995b). Podemos dizer que, agora, os meios de produção querem trabalhadores mais qualificados, flexíveis, com nova base técnica e científica (constituída fundamentalmente pela informática), os chamados “trabalhadores multifuncionais”. Essa exigência de nova base técnica e científica vem produzindo modificações na organização da produção capitalista (Lojkine, 1995) que, de uma forma bastante geral, representa um certo avanço no que diz respeito ao caráter mecânico e fragmentado das formas organizativas tradicionais do trabalho moderno. Podemos considerar que as formas de trabalho parcializado e mecânico, que eram predominantes no mundo do trabalho até então, praticamente determinavam a organização de toda vida social, inclusive da escola e dos currículos escolares. As modificações – que não chegam a ser transformações profundas – na organização do trabalho também trazem determinantes para a organização da vida social, criando uma tendência de maior flexibilidade na formação dos indivíduos. Mas essa flexibilidade, essas modificações no mundo do trabalho ainda estão muito longe de superar a alienação, a fragmentação e a parcialização que lhe são características.

O desenvolvimento completo, pleno, consciente e universal do ser humano, que supera a alienação e a fragmentação de seu ser, exige muito mais do que modificações nas formas de exploração do trabalho; exige, de forma radical, a superação da própria exploração. Essa multifuncionalidade exigida do trabalhador ainda é insuficiente para superar os problemas de fragmentação e desarticulação de sua atividade vital, o trabalho. Assim como as formas tradicionais fragmentadas de organização do mundo do trabalho – o espaço mais concreto da vida social – definem a organização curricular na educação escolar, as novas formas flexíveis e multifuncionais de organização do trabalho definem a organização dos currículos escolares.

Na organização dos currículos escolares, temos ouvido falar muito nas diferenças entre disciplinaridade, multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. No entanto, essas diferenças precisam ser melhor compreendidas: é  preciso diferenciá-las conceitualmente. A ideia de integração e de totalidade que aparentemente perpassa esses conceitos tem referenciais teórico-filosóficos muito diferentes. Uma organização do ensino interdisciplinar é diferente da organização multidicisciplinar ou transdisciplinar e muito diferente da organização de ensino disciplinar. As diferenças aqui, a meu ver, não são de grau ou nível de integração, como em geral aparece nos discursos dos educadores.

Vejamos, primeiramente, a multidisciplinaridade. A meu ver, ela se esgota nas tentativas de trabalho conjunto, pelos professores, entre disciplinas em que cada uma trata de temas que são comuns a todas elas, trata-os sob sua própria ótica. Dessa forma, o trabalho multidisciplinar articula basicamente os temas estudados. Poder-se-ia dizer que na multidisciplinaridade, as disciplinas do currículo escolar colocam professores e estudantes “perto” mas não “juntos”. A ideia aqui é de justaposição de disciplinas (Almeida Filho, 1997).

A transdisciplinaridade tem sido muito estudada nos últimos tempos, muitos eventos nacionais e internacionais têm sido dedicados a esse estudo. Oliveira (2005) afirma que há muitas e diferentes formas de defini-la, e que Sommerman é um dos autores que melhor a definem como a “efetivação de uma axiomática comum a um conjunto de disciplinas”. Isso implicaria, segundo Oliveira (2005), na comunicação mais profunda entre as diferentes disciplinas. Nesse sentido, a transdisciplinaridadesignificaria “o reconhecimento da interdependência de todos os aspectos da realidade”. Assim, o conceito de transdisciplinaridade se aproxima do de interdiscipinaridade, mas o que os diferencia, segundo essa autora, é o fato de que, para a interdisciplinaridade, as disciplinas não desaparecem, isto é, coexistem no trabalho integrado de interpretação do mundo e de suas relações e, na transdisciplinaridade, elas deixam de existir como referência para essa interpretação. Sobre tudo isso, afirma:

Diante da abrangência desta perspectiva de transdisciplinaridade, desenha-se uma enorme dificuldade em superar o totalitarismo quase planetário desempenhado pela ciência clássica e pela tecnologia no mundo moderno. Frente a isso, tem-se focalizado a construção de conhecimento(s) transdisciplinar(es) a partir de intersecções menores, como aquelas entre a ciência e a tradição, ou entre ciência e arte, ou ciência e filosofia, como passos necessários para chegar a estágios mais avançados de transdisciplinaridade (Oliveira, 2005, p.337).

O problema que encontramos aqui é que, muitas vezes, com a intenção de superar a fragmentação dos currículos escolares que se encontram organizados segundo os princípios da disciplinaridade, inspirados nos princípios da transdisciplinaridade, as escolas e os professores descaracterizam o trabalho escolar de transmissão e apropriação – que deve ser ativa e não passiva – dos conteúdos escolares. A transdisciplinaridade não implica num “vale tudo” no trabalho educativo, mas tem sido referida com alguns desses propósitos no âmbito escolar.

Quanto à interdisciplinaridade, essas discussões tomaram corpo no interior das críticas à organização do ensino, do papel do conhecimento na sociedade capitalista, da ruptura entre a teoria e prática e a função social dos conteúdos escolares (Follari, 1995b). A busca de novos pressupostos levaram a propostas de modificações estruturais na organização social e, consequentemente, na organização curricular. A interdisciplinaridade apareceu, então, para promover a superação da super especialização e da desarticulação entre teoria e prática, como alternativa à disciplinaridade. Ou seja, as discussões acerca da interdisciplinaridade têm inspiração na crítica à organização social capitalista, à divisão social do trabalho e à busca da formação integral do gênero humano.

A integração entre teoria e prática de que trata a interdisciplinaridade refere-se à formação integral dos sujeitos educandos; trata-se de uma perspectiva de totalidade do processo educativo. Uma das questões aqui é o aprofundamento da compreensão sobre a relação entre teoria e prática, onde se destaca a importância da definição de qual prática pretendemos relacionar à teoria (Follari, 1995b). A relação integradora entre teoria e prática a que nos referimos implica em ações críticas e transformadoras no interior da sociedade capitalista. Isto é, a prática – social ou educativa – exige a reflexão teórica, é a superação da ação não pensada pela prática concreta, refletida, a ação concreta pensada, defendida por Saviani (1991) para a formação de professores. Assim, a interdisciplinaridade é muito mais do que a compatibilização de temas, métodos e técnicas de ensino; é, como defende Frigotto (1995a), uma necessidade e um problema relacionado à realidade concreta, histórica e cultural, constituindo-se, assim, como um problema ético-político, econômico, cultural e epistemológico:

A interdisciplinaridade se apresenta como problema pelos limites do sujeito que busca construir o conhecimento de uma determinada realidade e, de outro lado, pela complexidade desta realidade e seu caráter histórico. Todavia esta dificuldade é potencializada pela forma específica que os homens produzem a vida de forma cindida, alienada, no interior da sociedade de classes (Frigotto, 1995a, p.31).

Trazendo essas reflexões para a compreensão de nosso tema – o ensino e sua organização curricular –, a interdisciplinaridade pode ser tomada como uma possibilidade de quebrar a rigidez dos compartimentos em que se encontram isoladas as disciplinas dos currículos escolares. No entanto, ela não deve ser vista como uma superação das disciplinas, mas, como propõe Follari (1995b), uma etapa superior das disciplinas, disciplinas essas que se constituem como um recorte mais amplo do conhecimento em uma determinada área. Esse recorte tem o objetivo de possibilitar o aprofundamento de seu estudo, é uma necessidade metodológica legítima e necessária, porém insuficiente para garantir a formação integral dos indivíduos.

A etapa superior referida diz respeito à busca da integração para muito além da troca de informação sobre objetivos, conteúdos, procedimentos e compatibilização de bibliografia entre os professores, pois é uma tentativa de maior integração dos caminhos epistemológicos, da metodologia e da organização do ensino nas escolas.

Marília Freitas de Campos Tozoni-Reis é professora livre-docente do Departamento de Educação do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu

Referências bibliográficas

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Lojikine, J. A revolução informacional. São Paulo: Cortez. 1995.
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