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Artigo
Educação básica: as políticas educacionais no período de 2003-2010
Por Marcelo Soares Pereira da Silva
10/02/2012

Este artigo situa as principais políticas para educação básica desenvolvidas nos últimos 10 anos, com destaque para os períodos de governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007-2010). Pretende-se apreender algumas das principais políticas educacionais desenvolvidas nesse período para se captar as permanências e mudanças que nelas se fazem presentes.

Em 2003, chegou à presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva, dando início a um ciclo de governo que se encerrou em 2010, após a conclusão de seu segundo mandato à frente do executivo federal. A vitória do candidato de oposição Luiz Inácio Lula Silva no pleito de 2002 trazia consigo a expectativa de diferentes setores da sociedade brasileira, inclusive no campo educacional, de que importantes mudanças ocorreriam no âmbito das políticas públicas e da atuação e papel do estado frente a estas políticas.

No campo das políticas educacionais para educação básica novas ações foram sendo implementadas, ao lado de um processo de consolidação e redefinição de algumas políticas que estavam em andamento.

No primeiro mandato do governo Lula, estiveram à frente do Ministério da Educação três ministros: Cristovan Buarque (2003); Tarso Genro (2004-2005) e Fernando Haddad (2005-2007), sendo que este último continuou à frente do MEC durante todo o segundo mandato do presidente Lula (2007-2010).

No primeiro período de governo mudanças foram anunciadas e algumas delas começaram a ser implementadas. Ainda em 2003, o governo lançou o documento "Toda criança aprendendo" que, segundo o então ministro Cristovan Buarque, pretendia reunir todos os programas e ações formulados na perspectiva de se produzir um impacto duradouro no cenário educacional brasileiro. Todavia, foi no ano de 2004, que importantes ações começaram a ser implementadas de modo mais efetivo, dentre elas o processo de discussão sobre a ampliação do ensino fundamental para nove anos de duração. Esse processo culminou na aprovação da Lei nº. 11.274/2006, que alterou a LDB ampliando a duração do ensino fundamental para nove anos e a consequente inclusão da criança de 6 anos nessa etapa da escolarização.

A formulação da nova lei do Fundeb (Fundo Nacional para a Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação) constitui outro marco importante desse primeiro período uma vez que, ao longo dos últimos três anos do primeiro mandato do governo Lula, essa nova lei implicou um amplo processo de negociação e articulação com diferentes setores do campo educacional. Esse processo culminou na aprovação da Lei No. 11.494, de 20 de junho de 2007, que regulamentou o Fundeb, em substituição ao antigo Fundef (Fundo Nacional para a Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Profissional do Magistério). Em entrevista à revista Retratos da Escola Romualdo Portela (Vol.3 n.4, jan/jun. 2009) sintetiza uma adequada análise dos impactos do Fundef e do Fundeb:

O Fundef foi uma contribuição importante para resolver dois problemas crônicos. Colocou alguma racionalização no debate sobre gasto, uma vez que estabeleceu oficialmente parâmetro do gasto por aluno (...). A segunda contribuição foi tornar equitativo o gasto entre estados e municípios no interior do mesmo Estado (...). O Fundeb corrige uma das principais deficiências do Fundef, a de concentrar recursos e, portanto, garantir melhor financiamento apenas para o ensino fundamental. Essa abrangência foi resultado de lutas de parte da sociedade civil organizada, especialmente no que concerne à educação infantil. O aspecto do Fundeb, claramente pior que o Fundef, é a complementação da União, pois no caso do Fundef a previsão era que a complementação da União elevaria o per capita de todos os estados com valores abaixo da média nacional. O inconveniente, no caso do Fundef, era que a União não cumpria com essa responsabilidade. No caso do Fundeb, depois de estar funcionando completo, a partir deste ano, a complementação estará limitada a 10% do Fundo, conseguindo elevar todos à média nacional ou não. Ambos não dão conta de dois problemas cruciais. O primeiro é combater a desigualdade inter-estados. Isto leva ao absurdo de termos estados com per capita médio quatro vezes maior do que o de outros (...). A segunda e mais importante limitação é que em nenhum dos dois se conseguiu um aumento decisivo do gasto em educação básica no País (Portela, 2009, p.13).

Todas essas ações tiveram continuidade no segundo mandato do governo Lula (2007-2010), porém, no âmbito da educação básica, um marco fundamental na definição e condução das políticas educacionais capitaneadas pelo governo federal foi a formulação do chamado Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE).

O PDE foi apresentado como esforço de articulação de um conjunto de ações e programas, que abrangem as diferentes e distintas etapas, níveis e modalidades de ensino, na perspectiva de se construir uma ação governamental cada vez mais integrada e articulada, a partir de uma visão sistêmica e de longo prazo da educação. Ao preconizar o princípio desse tipo de visão para o enfrentamento e tratamento das questões do campo educacional, o MEC sinalizava para uma ruptura com aquelas visões fragmentadas que tendem a pensar a educação a partir do que é por ele definido como “falsas oposições”, como, qualidade X quantidade; diversidade X unidade; educação básica X educação superior; formação humana X formação profissional, dentre outras. Eis como essa visão sistêmica é sintetizada pelo MEC no documento intitulado “Razões e princípios do plano de desenvolvimento da educação” (p.9-10)

O PDE procura superar essas falsas oposições por meio de uma visão sistêmica da educação. Com isso, pretende-se destacar que a educação, como processo de socialização e individuação voltado para a autonomia, não pode ser artificialmente segmentada, de acordo com a conveniência administrativa ou fiscal. Ao contrário, tem de ser tratada com unidade, da creche à pós-graduação, ampliando o horizonte educacional de todos e de cada um, independentemente do estágio em que se encontre no ciclo educacional. A visão sistêmica da educação, dessa forma, aparece como corolário da autonomia do indivíduo. Só ela garante a todos e a cada um o direito a novos passos e itinerários formativos. Tal concepção implica, adicionalmente, não apenas compreender o ciclo educacional de modo integral, mas, sobretudo, promover a articulação entre as políticas especificamente orientadas a cada nível, etapa ou modalidade e também a coordenação entre os instrumentos de política pública disponíveis. Visão sistêmica implica, portanto, reconhecer as conexões intrínsecas entre educação básica, educação superior, educação tecnológica e alfabetização e, a partir dessas conexões, potencializar as políticas de educação de forma a que se reforcem reciprocamente.

Assim, orientados pelos princípios e diretrizes definidos no âmbito do PDE, os vários programas e ações que estavam em andamento foram reafirmados como elementos estruturantes desse plano, ao mesmo tempo em que outras ações e políticas foram introduzidas e implementadas a partir do PDE. Nesse sentido, no âmbito da educação básica, é preciso situar o Decreto 6.094, de 24 de abril de 2007, que regulamentou o que foi denominado “Plano de metas todos pela educação”.

O Decreto 6.094/2007 trouxe para o centro das políticas para educação básica quatro elementos que passariam a orientar grande parte das ações do governo em sua articulação com os governos municipais, estaduais e do Distrito Federal. Esses elementos foram: a definição de diretrizes que deveriam ser perseguidas por todos aqueles que aderissem ao Plano de Metas; a criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que passou a ser o balizador para a avaliação da qualidade da educação básica e referência fundamental nos processos de controle e acompanhamento das metas educacionais definidas pelos gestores da educação; a criação do Plano de Ações Articuladas (PAR) como ferramenta de adesão dos estados, municípios e Distrito Federal ao PDE, com vista à realização de convênios e cooperação técnica e financeira com o governo federal; e, ainda, a definição de quatro eixos de ação como orientadores das políticas educacionais: gestão educacional; formação de professores e profissionais de serviços e apoio escolar; recursos pedagógicos; e infraestrutura física.

A criação do Ideb fortaleceu ainda mais o Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, criado em 1988 com a aplicação das primeiras provas ocorrendo em 1990, porém foi no governo de FHC que ele assumiu o papel de monitoramento do ensino fundamental e de orientador para algumas políticas educacionais), porém agora estruturado sob a lógica de um novo instrumento de avaliação, a chamada Prova Brasil, e com esse novo índice o governo federal estabeleceu metas a serem alcançadas até o ano de 2022. A tabela abaixo nos informa sobre essas metas e os resultados alcançados até o momento, considerando a média nacional:

Ideb - Resultados e metas
Ideb 2005, 2007, 2009 e projeções para o Brasil


Fonte: Idep (http://ideb.inep.gov.br/resultado/.

Ao lado dessas ações outra iniciativa implementada no governo Lula e que tem impactado profundamente a educação básica refere-se à redefinição dos objetivos do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio, implantado em 1998 com o objetivo principal de avaliar as competências adquiridas por aqueles que chegavam ao final da segunda etapa da educação básica), que a partir de 2009 passou a ser utilizado como instrumento de seleção para aquelas instituições públicas de ensino superior que aderiram ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu) (1).

Estas novas atribuições do Enem têm, por um lado, contribuído para uma crescente participação dos estudantes do ensino médio na realização das provas do Enem e, por outro, exigido uma capacidade de organização e implementação de um certame nacional no qual, nestes três anos iniciais da experiência, foi marcado por tentativas de fraude e limitações técnicas na logística de realização das provas, o que gerou, e tem gerado, muitos questionamentos quanto à viabilidade e pertinência dessas atribuições. O quadro que se segue mostra a evolução das inscrições no Enem no período de 2002 a 2011:

Evolução das inscrições no Enem no período de 2002 a 2011


Fonte: autor

Como se observa, na medida em que o Enem se consolidou como parâmetro e critério de seleção em programas como o Prouni (Programa Universidade para Todos, programa que concede bolsas de estudo integrais e parciais em instituições privadas de educação superior) e o Sisu, o número de inscritos sofreu um salto quantitativo substantivo, como pode ser observado nos anos de 2005 e 2011.

À guisa de conclusão

Os elementos destacados ao longo deste trabalho elucidam dimensões e aspectos importantes da trajetória e contornos das políticas educacionais no período de 2003 a 2010. Foi possível observar que, se por um lado, rupturas e novos programas e ações foram formulados e implementados, por outro lado, existem fortes elementos de continuidades e permanências. Isso é possível de ser observado tanto nas políticas de avaliação quanto nas políticas de financiamento aqui destacadas.

De outra parte, por meio do PDE e do Plano de Metas, a União redefiniu sua relação com os estados, municípios e Distrito Federal, especialmente no que se refere ao lugar do planejamento das políticas educacionais e dos parâmetros de definição de prioridades para essas políticas.

Por fim, a criação do Ideb e o redimensionamento do Enem fizeram consolidar ainda mais, nas políticas e na cultura educacional brasileira, a lógica da avaliação na medida em que seus resultados se constituíram, cada vez mais, não em mecanismos de monitoramento e controle, mas principalmente em estratégias fundamentais para implementação de programas e ações governamentais.

Marcelo Soares Pereira da Silva é doutor em educação, professor na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU)


Nota de rodapé

1. O Sisu é um sistema informatizado por meio do qual instituições públicas de ensino superior disponibilizam vagas para candidatos que participariam de um processo seletivo em que o resultado alcançado no Enem seria o principal ou único critério de ingresso, a depender da decisão de cada instituição. Além disso, a partir de 2005 os resultados alcançados no Enem passou ser um dos requisitos exigidos aos interessados em ter acesso a uma das bolsas do Prouni.