10/07/2016
O senhor poderia explicar, de forma breve, o que
são ondas gravitacionais?
Albert Einstein em 1916, utilizando a sua então
recente Teoria da Relatividade Geral, previu a possibilidade da existência de
ondas gravitacionais. Essas ondas seriam geradas pela aceleração de grandes
objetos e viajariam com a velocidade da luz, gerando uma deformação no
espaço-tempo, que ao se propagar e passar por um determinado ponto, deformaria
os objetos. De acordo com a Relatividade, o espaço tridimensional e o tempo não
são absolutos e juntos formam um espaço contínuo quadridimensional, o
espaço-tempo. Entretanto, essas deformações no espaço-tempo são muito pequenas,
da ordem de 1/10.000 o tamanho do próton, requerendo um enorme esforço
científico e tecnológico para detectá-las.
Para a astrofísica, o que muda a partir dessa
descoberta?
Passados 100 anos da sua previsão, o anúncio da
primeira detecção direta de ondas gravitacionais foi realizado pela Colaboração
Científica Ligo (Laser Interferometer Gravitational Wave Observatory), nos Estados
Unidos, em 11 de fevereiro de 2016. E em 15 de junho de 2016, uma segunda
detecção foi anunciada. Essas ondas passaram pela Terra em 14/09/2015 e
26/12/2016. Uma forte evidência experimental da existência das ondas
gravitacionais já tinha sido realizada em 1974, através do estudo do decréscimo
do período de um sistema binário de estrelas, que concordou muito bem com a
previsão feita utilizando a Relatividade Geral. Entretanto, a detecção direta
das ondas gravitacionais por diversos detectores espalhados pela Terra
permitirá uma boa identificação da origem dessas ondas, trazendo uma enorme
informação para a astrofísica e a cosmologia. O fato dessas ondas interagirem
muito fracamente com a matéria dificulta muito a sua detecção, mas por outro lado
permite obter informações experimentais de regiões do Universo inacessíveis com
as ondas eletromagnéticas. As ondas gravitacionais recentemente detectadas
foram geradas a uma distância de um bilhão de anos-luz
(10.000.000.000.000.000.000 km). Além de ser a primeira detecção direta das
ondas gravitacionais, o Ligo detectou a primeira fusão de um buraco negro
binário.
O senhor tem acompanhado quais são as pesquisas
que estão em curso depois da detecção das ondas gravitacionais? Para onde
caminharemos?
Os detectores de ondas gravitacionais do Ligo são
dois interferômetros a laser gigantes separados por uma distância de 3.000 km.
Cada interferômetro possui dois braços de 4 km, onde o feixe do laser viaja. As
ondas gravitacionais foram detectadas em ambos os detectores e são condizentes
com a previsão da Relatividade Geral. Para poder identificar com precisão a
origem das ondas, serão necessários alguns interferômetros equivalentes
posicionados em diferentes regiões do planeta. Na Europa, o interferômetro Virgo
está realizando melhorias e em breve deverá iniciar tomadas de dados conjuntas
com os interferômetros do Ligo. A Índia tem um projeto conjunto com os Estados Unidos
para instalar um interferômetro equivalente aos do Ligo. Nos próximos anos,
esses e outros interferômetros deverão trabalhar em conjunto para formar o
primeiro telescópio de ondas gravitacionais que deverão detectar várias ondas
gravitacionais por ano e permitir que a humanidade enxergue o Universo através
dessa nova janela de observação.
O que muda em termos de instrumentos de detecção?
Teremos novos instrumentos em órbita?
Os interferômetros atuais, com braços de 4 km,
possuem uma capacidade de medir ondas gravitacionais com frequências entre 30 e
7.000 Hz. As ondas detectadas possuem frequências da ordem de centena de Hz.
Agora, com a detecção direta das ondas gravitacionais, o projeto eLisa (Evolved
Laser Interferometer Space Antenna) da agência espacial europeia poderá ser
viabilizado. Esse projeto prevê a instalação no espaço de três estações para
interferometria a laser com braços de milhões de
quilômetros que permitirão detectar ondas gravitacionais com frequências de 1 a
100 mHz. São previstas diversas fontes de ondas gravitacionais com diferentes
características. Algumas são contínuas, outras, explosivas. No futuro, os
interferômetros posicionados em solo terrestre e no espaço deverão permitir um
amplo estudo de diferentes fontes de ondas gravitacionais.
Como o senhor avalia a participação do Brasil nessa
descoberta?
No Brasil, existem dois grupos de pesquisa que
fazem parte da colaboração Ligo. Um deles é do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe), em São José dos Campos, e o outro do International Centre for
Theoretical Physics (ICTP), na Unesp. O maior está no Inpe, liderado por Odylio
Aguiar, e trabalha no aperfeiçoamento da instrumentação de isolamento
vibracional e na caracterização dos detectores. No ICTP/Unesp, Riccardo Sturani
trabalha na modelagem e análise de dados de sinais de sistemas binários
coalescentes. Esses grupos brasileiros são os únicos da América Latina que
participam da colaboração Ligo.
O que senhor destacaria de pesquisa a esse
respeito aqui no Brasil?
O grupo do Inpe é o mais ativo nessa área. Além de
participar ativamente da colaboração Ligo, ele coordena a construção da antena
gravitacional Schenberg, detector brasileiro de ondas gravitacionais, que
utiliza a técnica de massa ressonante para detectar as ondas gravitacionais.
Na sua opinião, o assunto da descoberta tem sido
bem divulgado? Como o senhor avalia a cobertura feita pela imprensa?
A notícia da descoberta teve uma boa divulgação no
início, pois se trata de um momento histórico da humanidade, amplamente
divulgado na imprensa mundial. Entretanto, num segundo momento, faltam
reportagens de divulgação científica com mais informação e conteúdo que possa
instigar a curiosidade e o interesse de jovens pela atividade científica. Essas
reportagens também devem mostrar o papel da pesquisa fundamental numa sociedade
moderna e a sua simbiose com o desenvolvimento tecnológico do país.
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