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Entrevistas
Anderson C. Fauth
A primeira detecção direta das ondas gravitacionais, anunciada no início deste ano, foi um marco na história da ciência. O que muda a partir dessa descoberta? Teremos melhores instrumentos de detecção? E qual foi a participação do Brasil neste processo? Conversamos sobre essas questões com o professor Anderson Fauth, do Departamento de Raios Cósmicos e Cronologia do Instituto de Física “Gleb Wataghin” da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Fauth realizou pós-doutoramentos junto ao Instituto de Cosmo-Geofísica, de Turim, e ao Instituto Nacional de Física Nuclear, de Frascati, ambos na Itália. Ele é responsável pelo sistema de veto de raios cósmicos do detector de ondas gravitacionais Mario Schenberg.
Sarah Schmidt
10/07/2016

O senhor poderia explicar, de forma breve, o que são ondas gravitacionais?

Albert Einstein em 1916, utilizando a sua então recente Teoria da Relatividade Geral, previu a possibilidade da existência de ondas gravitacionais. Essas ondas seriam geradas pela aceleração de grandes objetos e viajariam com a velocidade da luz, gerando uma deformação no espaço-tempo, que ao se propagar e passar por um determinado ponto, deformaria os objetos. De acordo com a Relatividade, o espaço tridimensional e o tempo não são absolutos e juntos formam um espaço contínuo quadridimensional, o espaço-tempo. Entretanto, essas deformações no espaço-tempo são muito pequenas, da ordem de 1/10.000 o tamanho do próton, requerendo um enorme esforço científico e tecnológico para detectá-las.

Para a astrofísica, o que muda a partir dessa descoberta?

Passados 100 anos da sua previsão, o anúncio da primeira detecção direta de ondas gravitacionais foi realizado pela Colaboração Científica Ligo (Laser Interferometer Gravitational Wave Observatory), nos Estados Unidos, em 11 de fevereiro de 2016. E em 15 de junho de 2016, uma segunda detecção foi anunciada. Essas ondas passaram pela Terra em 14/09/2015 e 26/12/2016. Uma forte evidência experimental da existência das ondas gravitacionais já tinha sido realizada em 1974, através do estudo do decréscimo do período de um sistema binário de estrelas, que concordou muito bem com a previsão feita utilizando a Relatividade Geral. Entretanto, a detecção direta das ondas gravitacionais por diversos detectores espalhados pela Terra permitirá uma boa identificação da origem dessas ondas, trazendo uma enorme informação para a astrofísica e a cosmologia. O fato dessas ondas interagirem muito fracamente com a matéria dificulta muito a sua detecção, mas por outro lado permite obter informações experimentais de regiões do Universo inacessíveis com as ondas eletromagnéticas. As ondas gravitacionais recentemente detectadas foram geradas a uma distância de um bilhão de anos-luz (10.000.000.000.000.000.000 km). Além de ser a primeira detecção direta das ondas gravitacionais, o Ligo detectou a primeira fusão de um buraco negro binário.

O senhor tem acompanhado quais são as pesquisas que estão em curso depois da detecção das ondas gravitacionais? Para onde caminharemos?

Os detectores de ondas gravitacionais do Ligo são dois interferômetros a laser gigantes separados por uma distância de 3.000 km. Cada interferômetro possui dois braços de 4 km, onde o feixe do laser viaja. As ondas gravitacionais foram detectadas em ambos os detectores e são condizentes com a previsão da Relatividade Geral. Para poder identificar com precisão a origem das ondas, serão necessários alguns interferômetros equivalentes posicionados em diferentes regiões do planeta. Na Europa, o interferômetro Virgo está realizando melhorias e em breve deverá iniciar tomadas de dados conjuntas com os interferômetros do Ligo. A Índia tem um projeto conjunto com os Estados Unidos para instalar um interferômetro equivalente aos do Ligo. Nos próximos anos, esses e outros interferômetros deverão trabalhar em conjunto para formar o primeiro telescópio de ondas gravitacionais que deverão detectar várias ondas gravitacionais por ano e permitir que a humanidade enxergue o Universo através dessa nova janela de observação.

O que muda em termos de instrumentos de detecção? Teremos novos instrumentos em órbita?

Os interferômetros atuais, com braços de 4 km, possuem uma capacidade de medir ondas gravitacionais com frequências entre 30 e 7.000 Hz. As ondas detectadas possuem frequências da ordem de centena de Hz. Agora, com a detecção direta das ondas gravitacionais, o projeto eLisa (Evolved Laser Interferometer Space Antenna) da agência espacial europeia poderá ser viabilizado. Esse projeto prevê a instalação no espaço de três estações para interferometria a laser com braços de milhões de quilômetros que permitirão detectar ondas gravitacionais com frequências de 1 a 100 mHz. São previstas diversas fontes de ondas gravitacionais com diferentes características. Algumas são contínuas, outras, explosivas. No futuro, os interferômetros posicionados em solo terrestre e no espaço deverão permitir um amplo estudo de diferentes fontes de ondas gravitacionais.

Como o senhor avalia a participação do Brasil nessa descoberta?

No Brasil, existem dois grupos de pesquisa que fazem parte da colaboração Ligo. Um deles é do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São José dos Campos, e o outro do International Centre for Theoretical Physics (ICTP), na Unesp. O maior está no Inpe, liderado por Odylio Aguiar, e trabalha no aperfeiçoamento da instrumentação de isolamento vibracional e na caracterização dos detectores. No ICTP/Unesp, Riccardo Sturani trabalha na modelagem e análise de dados de sinais de sistemas binários coalescentes. Esses grupos brasileiros são os únicos da América Latina que participam da colaboração Ligo.

O que senhor destacaria de pesquisa a esse respeito aqui no Brasil?

O grupo do Inpe é o mais ativo nessa área. Além de participar ativamente da colaboração Ligo, ele coordena a construção da antena gravitacional Schenberg, detector brasileiro de ondas gravitacionais, que utiliza a técnica de massa ressonante para detectar as ondas gravitacionais.

Na sua opinião, o assunto da descoberta tem sido bem divulgado? Como o senhor avalia a cobertura feita pela imprensa?

A notícia da descoberta teve uma boa divulgação no início, pois se trata de um momento histórico da humanidade, amplamente divulgado na imprensa mundial. Entretanto, num segundo momento, faltam reportagens de divulgação científica com mais informação e conteúdo que possa instigar a curiosidade e o interesse de jovens pela atividade científica. Essas reportagens também devem mostrar o papel da pesquisa fundamental numa sociedade moderna e a sua simbiose com o desenvolvimento tecnológico do país.