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Reportagem
Novos pais: eles estão mais participativos na criação dos filhos
Por Patrícia Santos
10/05/2015

Dar banho, alimentar, levar ao médico, ir à reunião da escola, brincar. Tarefas como essas estão sendo cada vez mais compartilhadas, e a paternidade participativa está deixando para trás a função do homem na família tradicionalmente associada apenas à figura de autoridade e de provedor.

“Temos identificado dois extremos: de um lado, diversos pais estão mais envolvidos não apenas com a educação de suas crianças, mas também com seus cuidados de higiene e alimentação. Além disso, estão manifestando mais sua afetividade e participando de brincadeiras e passeios”, comenta a professora Lúcia Vaz de Campos Moreira, da Pós-Graduação em Família na Sociedade Contemporânea da Universidade Católica do Salvador (UCSAL). Por outro lado, ela ressalta que, no contexto brasileiro, ainda é grande o número de pais que não participam do cotidiano de seus filhos, destacando o alto número dos que não têm a paternidade reconhecida na certidão de nascimento – 5,5 milhões de estudantes menores de 18 anos, segundo o último Censo Escolar.

Os aspectos que interferem no envolvimento do pai com o filho, segundo Moreira, podem ser o relacionamento conjugal com a mãe da criança; separação dos pais; características do pai como ou quanto se sente motivado ou competente para lidar com o filho; papel da mãe (que pode tanto incentivar quanto desqualificar a participação do pai); idade e sexo dos filhos e trabalho do pai. A questão do trabalho inclui realização profissional, estresse e carga horária, que pode ser muito elevada, entre outras situações.

Na experiência de Mariana Azevedo, coordenadora do Instituto Papai, de Pernambuco, o novo pai se apresenta de acordo com o recorte social. “Os homens que participam mais são profissionais liberais, que têm alguma flexibilidade no trabalho. Não que essa mudança seja algo restrito a eles, mas há um perfil predominante, e não acontece do dia para a noite, é uma mudança cultural, simbólica, vai levar anos”, comenta.

De olho nesse fenômeno, as pesquisas sobre paternidade vêm aumentando, principalmente a partir dos anos 2000, no mundo, e no Brasil desde 2005, como verificou uma revisão sistemática do tema, publicada em 2014. Quem investiga o assunto reitera que há diversas lacunas a serem exploradas, como as diferenças entre classes sociais, gerações, as mudanças para o homem, a paternidade em diferentes etapas da vida dos filhos, pais do mesmo sexo, abordagens quantitativa e qualitativa e estudos longitudinais.

O que se pode concluir até agora é que há características sobre o que se espera desse novo pai, segundo Mauro Luís Vieira, professor do Departamento de Psicologia na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Desenvolvimento Infantil (NEPeDI). A principal delas é a responsividade, que significa estar sensível às necessidades da criança, muitas vezes não verbalizadas. Além disso, espera-se a interação com o filho, a responsabilidade de prover materialmente, e que o pai esteja acessível, presente fisicamente ou de outras formas.

Desafios culturais

Os pesquisadores e profissionais da área concordam que o papel do pai está em redefinição, ainda que de forma lenta. No novo modelo econômico industrial, desde os anos 1970, as mulheres entraram no mercado de trabalho e, com ambos fora de casa, reforçou-se a demanda pela participação paterna no cotidiano doméstico e na criação dos filhos.

Porém, a crença de que eles são menos aptos para cuidar dos filhos persiste. Muitas vezes são excluídos das tarefas, ou não se reconhece seu engajamento. Estudo com 20 homens casados, entrevistados antes e depois do nascimento do primeiro filho, evidenciou o distanciamento dos pais quando houve pouco incentivo ou desaprovação da mãe às atividades que realizavam. O trabalho dos pesquisadores Adriane Diehl Krob, Cesar Augusto Piccinini e Milena da Rosa Silva foi publicado na revista Psicologia USP.

O contexto social também interfere na situação, e é notório como o homem não costuma ter experiências que o prepare o para o papel de pai. “Em termos fisiológicos, a mulher tem um caminho um pouco mais pré-preparado para interagir com a criança, uma modulação neurofisiológica e hormonal que ajuda na vinculação”, explica Mauro Vieira. “Geralmente quem cuida de crianças menores é a menina. O menino não sabe cuidar, não é treinado, não tem a preparação biológica para isso, também. Quando for pai, não saberá o que fazer”, diz. Uma alternativa, aos meninos, é realizar trabalhos voluntários ou outras atividades em que tenham a experiência de cuidar, segundo o professor.

Essa divisão cultural e histórica dos papéis de gênero não só prejudica o direito do homem de cuidar, como traz prejuízos para as crianças e para a sociedade, como confirma a pesquisa “Por ser menina no Brasil: crescendo entre direitos e violências”, realizada em 2013. O estudo da organização Internacional Plan envolveu 1.771 meninas entre seis e 14 anos, nas cinco regiões do país. Os pesquisadores perguntaram quem cuida delas no dia a dia, e 76,3% responderam que é a mãe; 26,8% responderam que é o pai e 15,6% a avó. Entre as entrevistadas, 81,4% disseram que arrumam a própria cama, tarefa que só é feita por 11,6% dos irmãos meninos. Entre elas, 76,8% lavam a louça e 65,6% limpam a casa, contra, respectivamente, apenas 12,5% e 11,4% dos irmãos que fazem essas tarefas.

Os autores analisam que a distribuição de tarefas entre crianças e adolescentes “revela uma gritante desigualdade de gênero no espaço doméstico”. E, entre as recomendações, propõem a sensibilização sobre a divisão mais equilibrada entre meninas e meninos, homens e mulheres.

Ainda sobre aspectos culturais, da mesma forma como a mulher é pressionada no mundo profissional para exercer determinado papel, o homem também enfrenta barreiras na esfera doméstica, porque estaria 'deixando de ser homem', um sinal de que, muitas vezes, o discurso é diferente da prática, como afirmam Ana Cristina Staudt e Adriana Wagner em artigo na revista Psicologia: teoria e prática. “O homem enfrenta um preconceito em relação à sua masculinidade mais intenso do que as mulheres em relação à sua feminilidade." Nesse sentido, ele sofreria mais discriminação ao exercer papéis originalmente femininos do que o contrário, e isso vai além de comprovar a capacidade e competência, como no caso das mulheres.

De fato, existe a ideia de feminilidade no cuidado com as crianças, especialmente quando se refere ao bebê, como acrescenta a psicóloga e pesquisadora Carine Valéria Mendes dos Santos, que estuda paternidade no período gestacional e no início do puerpério. “O discurso atual é muito em torno de uma onipotência do materno, o pai pode se colocar de outras maneiras, sem que tenha que ‘virar mãe’, sem deixar de ser masculino”, diz. Essa nova forma de o homem se relacionar em família poderá contribuir para construir novos referenciais de paternidade para novas gerações, segundo Mendes.

Para dar visibilidade a novas referências de paternidade, notícias, programas de entretenimento, filmes e literatura têm um papel importante, como reforça o professor Mauro Vieira. “Imagens de pai cuidando de criança pequena geram empatia, identificação. Essa consistência das informações já existe quando a mãe é mostrada cuidando da criança”, declara.

Faltam políticas públicas

Além da mídia, é preciso que as estruturas governamentais sejam alteradas para melhorar o atual cenário. A necessidade de políticas e programas que ajudem no envolvimento e na consolidação da responsabilidade paterna é um dos destaques do trabalho de revisão de pesquisas sobre o tema, feito por Carmen Lúcia Carvalho de Souza e Silvia Pereira da Cruz Benetti.

De acordo com as autoras, essas medidas podem se refletir em programas de saúde voltados para dar assistência às famílias de baixa renda, aos pais solteiros e presidiários, com o intuito de criar condições para o exercício saudável da paternidade.

A criação da licença parental, com períodos iguais de afastamento para pais e mães, seria a proposta ideal, na perspectiva do Instituto Papai, conforme aponta Mariana Azevedo. Hoje, a licença paternidade no Brasil é de cinco dias, e a licença maternidade de 120 dias. A lei atual “não promove a ideia de que essas tarefas devem ser de responsabilidade dos homens e mulheres, igualmente. Acabamos reproduzindo e reafirmando a ideia de que as mulheres são as principais, e quase exclusivas, cuidadoras das crianças. O homem fica com um papel muito secundário”, diz Azevedo, acrescentando que se deve considerar também as necessidades de diferentes configurações familiares – pais solteiros ou dois pais, por exemplo.

Em outra frente de atuação, a campanha "Pai não é visita", do instituto, difunde o direito de ter um acompanhante no parto, que deve ser o pai, se for de desejo da parturiente. Apesar da Lei do Acompanhante completar 10 anos em 2015, as maternidades continuam colocando empecilhos, especialmente para os pais, alegando a falta de espaço físico nas salas de pré-parto e pós-parto que, no caso do SUS, são leitos coletivos, e que a presença de homens tiraria a privacidade das mulheres. Outro argumento usado é que o pai acompanhante pode atrapalhar, desmaiar ou não estar preparado, ou porque é um parto de alto risco.

“O parto é um momento-chave para a família na criação de vínculos da mãe com o recém-nascido e também do pai com o bebê. A participação efetiva do homem nesse momento, além de trazer segurança para a mulher, se ele for escolhido por ela, melhora inclusive os indicadores de saúde da parturiente”, aponta Azevedo.

A coordenadora enfatiza que as mudanças deverão acontecer no nível macroestrutural, das políticas públicas, que impacta no nível do simbólico, cultural e dos valores, no entendimento sobre o tema.  “Obviamente não é a lei que vai garantir que os pais participem, mas ela é fundamental para que se comece até a cobrar dos homens. É uma mudança ampla nos valores e símbolos que carregamos há muito tempo”, afirma.

O afeto do pai, sabe-se, tem impacto positivo na fase de amamentação, no desenvolvimento infantil e na educação. Pode proporcionar também uma relação mais comunicativa com a criança e com a família, sendo, por isso, fundamental que seja repensado.