O fenômeno da cibercultura, marca do mundo contemporâneo, caracteriza-se pelas relações socioculturais estabelecidas com o uso das tecnologias de base microeletrônicas desenvolvidas a partir dos anos 70. A origem do termo cibercultura advém de cibernética, estando ligada a um modelo conceitual baseado na ideia de conduzir, guiar ou pilotar comunicações, e sua utilização original foi para fins militares. Ciberespaço é o termo normalmente utilizado para se referir a um espaço de comunicações, utilizando a internet, que é um conglomerado de redes interligadas pelo protocolo IP, a world wide web (www). Uma rede remota internacional, que proporciona a transferência de arquivos e dados para milhares de pessoas ao redor do mundo, via computadores, mais popularmente designada como rede web.
O desenvolvimento internacional dessa rede, com sua utilização generalizada a partir da segunda metade dos anos 90, oferece aos usuários formas individualizadas de percorrer os inúmeros caminhos colocados a sua disposição, buscando encontrar os objetos de seu interesse e se conectar com seu grupo ou tribo. A arte, ao instalar-se nesse amplo e difuso conjunto de vias de informação, cria seus lugares particulares, com suas específicas relações de pertencimento. Entretanto, nem todo trabalho de arte que se encontra na internet pode ser chamados de web arte. Estes se caracterizam por serem criados especificamente com os recursos da própria rede, por existirem total e unicamente on-line e por serem realizados a partir de programas específicos de composição de páginas da internet. Um aspecto fundamental é que se trata de uma produção multimídia, que combina mídias estáticas (texto, gráficos, fotografias) com mídias dinâmicas (animação, áudio, vídeo).
Ao transitar no ciberespaço como em um mundo paralelo, os indivíduos podem se afastar dos territórios geográficos específicos, emergindo em um espaço virtual fluido, onde a obra é transportada e exposta, substituindo o espaço físico de referência. Entretanto, muitos artistas buscam, a partir da rede, estabelecer relações concretas com determinados territórios. Alguns deles usam a cartografia como possibilidade investigativa para explorar novas relações com o entorno, com as questões sociais locais e com o global planetário, revitalizando os fluxos e as transações. Projeto se propõe a mapear e abrir a público todas as zonas militares do mundo
Os mapas exerceram sobre os artistas uma grande fascinação através dos tempos. As formas codificadas de representar os espaços geográficos expressam um "ver o mundo" complexo, envolvendo domínio técnico e conhecimentos científicos, mas também aspectos simbólicos que se articulam com as formas de organização social. Os artistas, percebendo a riqueza e a complexidade desses mecanismos, inseriram os mapas em suas obras, em diferentes momentos e condições. Na contemporaneidade a ordem econômica e política internacional, apoiada em uma complexa rede de comunicações, possibilitada pelos avanços da tecnologia informatizada, conduz a uma unificação dos locais geográficos, dificultando e mesmo impossibilitando a manutenção das fronteiras tradicionais e dos territórios fechados. O alargamento dos mundos conhecidos exigiu que a cartografia passasse a incluir o mundo submarino e os espaços interplanetários. Além disso, com os recursos tecnológicos de equipamentos muito mais radicais em suas possibilidades perceptivas e descritivas, os homens puderam elaborar representações espaciais baseadas em processos preponderantemente mecânicos. Essas características das novas cartografias – amplitude, diversificação e processos mecanizados – repercutiram decisivamente no olhar e na sensibilidade do artista contemporâneo.
O uso da cartografia na web arte destaca algumas soluções criativas que envolvem o questionamento dos atuais recursos de localização espacial, como a visualização de regiões da terra por satélites, disponíveis on-line como o Google maps, os sistemas de posicionamento global (GPS) e todo tipo de mídia locativa com as quais se pode interagir na rede internet. Exemplo disso é o trabalho de Aran Bartholl "Map", no qual o artista procura os erros de localização que o sistema de mapa do Google produz e faz uma intervenção colocando um marcador igual ao do Google no espaço real do erro. Mostrando que nem sempre os sistemas de representação são equivalentes ao espaço real. Ou ainda o trabalho do coletivo Les Liens Invisible Google is not the map, que usa a ferramenta Google Maps para criar mundos e camadas de 35 conceitos como controle e amor, por exemplo, que se sobrepõem a esse mapa interativo e que suscita reflexões acerca da globalização e questiona o mapa como representação do mundo e seu significado que se dilui no seu uso desmedido na contemporaneidade, criando mapas e percursos, que discutem a pertinência do conceito de cartografia. O projeto "Map" é uma instalação em espaço público que questiona o marcador vermelho que indica a localização buscada no Google Maps
Os artistas também elaboram os mapas de seus percursos, propostas que podem ser tratadas como documentos de trabalho sobre territórios específicos, proporcionando alguns experimentos ao mesmo tempo críticos e poéticos. São cartografias pessoais que instauram no ciberespaço relações diferenciadas entre as tradições dos campos virtuais e geográficos como se pode observar nos projetos "Vopos" e "Grafica Monumental con Tecnologias Globales". Noprimeiro trabalho, o artista com o uso do telefone celular com GPS transmite, pela internet, sua localização no mapa em tempo real. O trabalho teve a duração de um ano. Agora é possível escolher um horário e uma data e ver qual era sua localização naquele ano de 2002. O segundo é um trabalho que se propõe a desenhar a superfície da Terra com o deslocamento físico do artista pelo mundo. Utilizando-se das tecnologias GPS e internet, o itinerário contínuo de movimento desse artista é demarcado em centenas de quilômetros. Os principais conceitos desses dois projetos, segundo os sites são: o movimento como traço, a natureza como superfície e o global das técnicas empregadas. Os sites possuem fotos das expedições e imagens dos desenhos criados a partir das mesmas.
O trabalho do coletivo Les Liens Invisible usa a ferramenta Google Maps para criar mundos e camadas de conceitos como controle e amor, por exemplo
Dispositivos cartográficos são utilizados pelos artistas para configurar a presença (ausente) de territórios geográficos precisos em obras que só existem no espaço virtual da rede, em projetos como "Zone Interdite" que se propõe a mapear e abrir a público todas as zonas militares do mundo.Os criadores acreditam que essa é uma proposta artística ambiciosa, que conta com o auxílio dos usuários da internet para ampliar o conhecimento das áreas militares privadas. As informações cartográficas a respeito dessas zonas estão disponibilizadas no site e podem ser enviadas pelos internautas. O trabalho "Artsatbr" é outro no qual os usuários em qualquer lugar do mundo podem enviar, em tempo real, imagens, vídeos, sons e textos sobre a situação do planeta Terra e do meio ambiente. O site destaca cinco categorias, colocadas como ícones em um menu na barra superior: queimadas, desmatamento, poluição, miséria e pastos irregulares. Estes ícones buscam facilitar ao usuário a inserção de conteúdo em uma navegação mais intuitiva. Pelo artsatbr pode-se também ver, em tempo real, imagens das principais queimadas que ocorrem no planeta, enviadas por um satélite. O desejo de dar visibilidade aos constantes fluxos que a sociedade atual impõe,estabelecendo novas relações com os territórios parece amalgamar o que esses trabalhos propõem.
Os artistas aqui apresentados elaboram poéticas em que o uso de tecnologias digitais e a atuação na rede web abordam espaços geográficos, sociológicos, afetivos e comunicacionais. Esses artistas buscam novas formas de cartografar os territórios, abrindo-se à participação coletiva, propondo a troca de posições entre artista-público e afastando-se do modelo tradicional das exposições de arte.
* Um banco de dados de sites de web arte organizado pela pesquisadora se encontra disponível em http://territorialidadeterritorialiy.blogspot.com.
Maria Amélia Bulhões édoutora em história da arte, curadora, crítica e professora do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes da UFRGS.
|