As teorias do determinismo geográfico que se difundiram entre os séculos XIX e XX procuravam afirmar que o desenvolvimento das nações e as características genéticas das diferentes culturas eram determinados por padrões geográficos. Na época, o principal argumento utilizado para basear as leis gerais do determinismo geográfico era a condição climática dos lugares. No entanto, outros elementos da geografia física ganharam status científico, tais como a posição e localização da rede hidrográfica, o desenho dos litorais, a qualidade do solo e a morfologia do relevo, sendo usados para esboçar algumas teorias nesse período.
Na relação entre determinismo geográfico e desenvolvimento dos Estados deve-se considerar a questão da divisão territorial do trabalho. De acordo com Antonio Carlos Robert de Moraes, professor de geografia da Universidade de São Paulo (USP), existe uma lógica que ainda não se quebrou, que começa com a concentração dos principais países capitalistas no Hemisfério Norte. Citando Formação do Brasil contemporâneo, de Caio Prado Junior, Moraes lembra que a idéia da colônia de exploração se assenta num meio tropical que é o meio complementar ao meio europeu. Em função disso, criam-se certos mecanismos e sociabilidades que serão determinantes de posições que até hoje persistem. “Acontece que hoje, o próprio controle das técnicas e das matrizes tecnológicas segue essa divisão territorial do trabalho. Se buscarmos saber onde é a pátria de uma multinacional, antes de tudo, é onde estão os seus laboratórios. A área de produção pode se espalhar pelo mundo, mas os centros de inovação definem bem a nacionalidade das empresas”.
A história do desenvolvimento das civilizações mostra que não é correto afirmar que antes da chegada dos homens “civilizados”, das latitudes mais altas, os povos dos trópicos eram “subdesenvolvidos ou pobres”. Afinal, que argumentos sustentariam a veracidade dessa afirmação ? Muitos estudos mostram que as técnicas desenvolvidas pelas culturas dos trópicos eram bastante desenvolvidas para a época, muitas delas superiores às dos povos de clima temperado. Os ideais europeus tornaram-se o modelo de desenvolvimento para o mundo e subjugaram os demais. A partir disso, difundiu-se a idéia da indolência entre os povos localizados na faixa da linha do equador, e usaram-se argumentos pseudocientíficos como localização e incidência dos raios solares na superfície da terra para justificar a dominação.
“Não há fatores climáticos que determinam o fato de um país ser rico ou pobre”, afirma a professora de climatologia da Universidade Estadual de Campinas, Luci Hidalgo Nunes. Para ela, as relações de poder são estabelecidas no âmbito político e não climático, com base, entre outros fatores, no domínio de recursos naturais, mutáveis historicamente. “O recurso energético, de enorme relevância, ilustra bem isso: historicamente as nações de maior poderio dominavam, também, os recursos energéticos. O carvão, por exemplo, foi fundamental para a ascensão do Império Britânico, cujo declínio coincide com uma série de circunstâncias, entre as quais a substituição da matriz energética pelos combustíveis fósseis, e a conseqüente substitutição do poderio britânico pelo norte-americano”, afirma a geógrafa.
Paulo César da Costa Gomes, professor de geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), defende que não há uma relação direta entre as condições geográficas e o tipo de desenvolvimento de uma nação. “Não há um padrão, nenhuma regularidade, quanto mais uma determinação”. Em seu livro Geografia e Modernidade, ele explica que o determinismo na geografia não se define apenas como uma metodologia que conduz à verdade, mas também como um instrumento de previsão. “Ao antecipar os resultados, o determinismo permite uma ação no mundo. Assim, sob esta forma, a ciência deixa de ser expectadora da realidade para se tornar o meio fundamental de intervenção”, diz ele.
O professor da UFRJ levanta uma questão complexa evolvendo a ciência e o determinismo. Em seu livro, citando Lewthwaite, afirma que "a formulação de leis e padrões implica inevitavelmente uma aceitação do determinismo". Nesse sentido, é possível questionar se a geografia (e a ciência em geral) ainda estaria vestindo a camisa do determinismo.
Gomes afirma que não. Uma coisa é criar padrões regulares, a outra é ficar esperando que esses padrões regulares ofereçam sempre as mesmas respostas. “É verdade que a ciência procura essa possibilidade de formalizar problemas, mas não obrigatoriamente que esses problemas sejam encarados na forma de causa e efeito de determinação”, explica. Segundo ele, a palavra determinismo já está muito estigmatizada no meio cientifico. Raramente as pessoas usam o verbo determinar em suas pesquisas, preferindo outro: influenciar. Assim, as características geográficas não “determinariam” o desenvolvimento de um povo, mas sim, o “influenciaria”.
Mesmo assim, revela Gomes, “está se provando a determinação, pois sempre que houver uma determinada causa esta terá um efeito. No final, somos muito mais positivistas do que gostaríamos. Está todo mundo perseguindo um modelo com essa objetividade e com esse poder de previsibilidade, esperando que isso possa estabelecer uma ciência normativa, capaz de gerar leis em que a gente possa antecipar o resultado. O sonho ainda é um sonho positivista, infelizmente”, completa.
Atualidades do determinismo geográfico
Atualmente, grande parte dos pesquisadores nega a validade das teses do determinismo geográfico, seja no estudo sobre o desenvolvimento de um território, seja no comportamento das culturas.
Para Antonio Robert de Moraes, da USP, os argumentos do determinismo geográfico não ajudam a explicar a complexa interação entre os elementos que formam o espaço geográfico. “Hoje não existe mais uma corrente unicamente determinista, mas a questão da posição e da situação ainda permanece no pensamento geopolítico quando se fala em vantagens competitivas. De alguma maneira, está se aceitando que há fatores, não determinantes, mas que ajudam do ponto de vista comercial, os tipos de produção. Hoje em dia esse tipo de posição é bastante atenuada”.
Luci Nunes explica que o determinismo climático que caracterizou a escola do pensamento geográfico no final do século XIX não foi elaborado por climatologistas, mas sim por geopolíticos, como o geógrafo alemão Friedrich Ratzel (1844 – 1904). Diferentemente daquela época, “hoje, a climatologia geográfica preocupa-se com o entendimento dos processos atmosféricos (tempo e clima) e seus impactos, avaliando tendências quanto à variabilidade espaço-temporal”, explica ela. “Trata-se de questões efetivamente científicas, aplicáveis e prementes, cujos resultados têm contribuído para a construção de um conhecimento atrelado às verdadeiras necessidades de um mundo em profunda transformação e desestruturação sócio-ambiental”, conclui a professora.
As idéias do determinismo geográfico, ainda segundo Luci Nunes, utilizavam o argumento de que “as mudanças na pressão atmosférica – mais rápidas e comuns nos climas temperados – favoreceriam um raciocínio também mais rápido e claro”. Um argumento totalmente desprovido de base científica, usado para um propósito expansionista das nações européias, como explica a professora da Unicamp. Mesmo assim as idéias do determinismo geográfico e a influência do clima tomaram corpo no século XX, influenciando outras áreas da ciência, como a medicina, por exemplo.
No artigo “Determinismo geográfico”, Fernando G. Sampaio, professor da Organização de Estudos Científicos da Escola Superior de Geopolítica e Estratégia, ao citar o estudo intitulado “Climatologia médica” de Adalberto Serra 1 mostra como se deu a disseminação das teses do determinismo geográfico nas outras ciências. No artigo ele afirma que “Claro está que à maior produção de energia na zona fria corresponderá maior cota de trabalho útil, pois a eficiência do motor humano é mais ou menos fixa (25%). Haverá, desse modo, nas faixas temperadas maior atividade e mais alta civilização pelo menos no aspecto de riqueza e produtividade. Segundo as pesquisas, a temperatura média deve ser inferior a 18° e superior a 3° para um bom índice de civilização”.
Expoentes do determinismo geográfico
O determinismo geográfico ganhou grande impulso com as idéias de Ratzel, que foram empregadas para a reunificação alemã e também para justificar o processo neocolonialista na África. O geógrafo alemão desenvolveu o conceito de espaço vital, utilizado pelos alemães na tentativa de expandir seu território. “De fato, Ratzel não foi um representante típico do determinismo. Ele nunca afirmou isso de uma forma mecânica em seus tempos de universidade”, explica Gomes da UFRJ. A associação que Ratzel procurou fazer foi entre a nação e uma determinada quantidade de superfície com recursos necessários para a manutenção ou para o desenvolvimento daquela cultura. “Ratzel utilizava muito mais a metáfora do organismo vivo, essa idéia organicista, ou seja, o povo e seu solo formam um todo. Então o povo não pode sobreviver sem uma determinada quantidade de solo”, completa Gomes.
Para Moraes Ratzel não é o cara chave do determinismo geográfico, apesar de muito associado a isso. “O cara chave se chama Carl Ritter (1779 – 1859). Ele sim foi um determinista por excelência”. De acordo com o professor da USP, Ritter fez uma lei das costas dos litorais onde ele relacionava o desenvolvimento dos países com a existência de litorais recortados. “Os lugares onde tivessem litorais muito retilíneos, não seriam pendentes ao desenvolvimento”, explica.
1 Boletim Geográfico, IBGE. N° 240, maio de 1974. p. 89 a 107.
Para saber mais
RITTER, Carl. “A organização do espaço na superfície do globo e sua função na evolução histórica”. http://ivairr.sites.uol.com.br/ritter.htm GOMES, Paulo César da Costa. “Geografia e Modernidade”. RJ. Bertrand 2000
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