REVISTA ELETRÔNICA DE JORNALISMO CIENTÍFICO
Dossiê Anteriores Notícias Reportagens Especiais HumorComCiência Quem Somos
Dossiê
Editorial
Rio Grande - Carlos Vogt
Reportagens
O papel da crítica de cinema permanece importante em meio às mudanças sociais e culturais
Patrícia Santos
O documentário brasileiro: as várias faces de um precioso inventário da cultura e da sociedade
Fátima Gigliotti
Animações crescem em número no cinema, mas ainda buscam relevância estética
Tiago Alcantara
Uma geografia das premiações dos festivais internacionais de cinema
Fátima Gigliotti e Simone Caixeta
Realista, político e autoral, cinema latino-americano dos anos 1960 buscou identidade própria
Tamires Salazar
Artigos
Cinema brasileiro feito por mulheres – um campo de pesquisa
Karla Holanda
O cinema e a nova avalanche da linguagem audiovisual na ciência
Bernardo Oliveira
Garotas finais: novos diálogos em filmes de horror brasileiros
Lucas Procópio Caetano
No escurinho do cinema: (des)entrelaçando vidas além das telas e a constituição de (inter)subjetividades
Adriane Roso, Luiza Elesbão Sbrissa e Daiana Schneider Vieira
Dois caminhos férteis para o encontro do cinema com a ciência
Denise Tavares
O que é filosofar cinematograficamente? Sobre o encontro entre filosofia e cinema
Cassiano Terra Rodrigues
Resenha
Cinematographos
Gustavo Almeida
Entrevista
Fernão Pessoa Ramos
Entrevistado por Erik Nardini Medina
Poema
Pipoca
Carlos Vogt
Humor
HumorComCiencia
João Garcia
    Versão para impressão       Enviar por email       Compartilhar no Twitter       Compartilhar no Facebook
Reportagem
Animações crescem em número no cinema, mas ainda buscam relevância estética
Por Tiago Alcantara
10/11/2016

A presença do filme Divertidamente na lista de indicados ao Oscar de melhor roteiro original de 2016 pode até surpreender quem não acompanha de perto o cinema de animação. Entretanto, não é de hoje que a categoria tem recebido mais espaço na maior premiação do cinema mundial. O formato, que conta com uma categoria própria desde 2002, tem resultados estéticos e comerciais significativos.

Nas últimas décadas, o desenvolvimento tecnológico fez com que diretores pudessem explorar efeitos estéticos e maravilhar audiências cada vez maiores nas salas de cinema. Talvez o maior beneficiado pelo poder dos novos softwares e hardwares seja o cinema de animação. Os resultados desse estilo são expressivos: há sete animações (Frozen, Minions, Toy story 3, Encontrando Dory, Zootopia, Meu malvado favorito 2 e O rei leão) na lista de 30 maiores bilheterias da história.

Única animação em 2D da lista, O rei leão se destaca por outros motivos: lançado em 1994, é o único longa animado anterior a 2013, não tem seus personagens desenhados em 3D e tem um orçamento até três vezes menor, se comparado com as produções mais atuais da Disney.

Mesmo com números de gente grande, os desenhos animados ainda são considerados conteúdo infantil, comenta a mestranda em comunicação e pesquisadora de processos e linguagens midiáticas da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Miriam Barros.

“Por mais que tenhamos contato com obras que dialogam com problemáticas que permeiam a vivência tanto de crianças como de adultos, o fato de ser animação gera, para muitos, a ideia de que aquele conteúdo é infantilizado”, comenta Miriam. No Brasil, essa visão é ainda reforçada pela grande oferta de conteúdos animados dublados, ressalta a pesquisadora.

 

Filmes

Bilheteria

Ano

Frozen

US$1,28 bilhões

2013

Minions

US$1,15 bilhões

2015

Toy story 3

US$1,06 bilhão

2010

Encontrando Dory

US$1,02 bilhão

2016

Zootopia

US$1,02 bilhão

2016

Meu malvado favorito 2

US$970 milhões

2013

O rei leão

US$968 milhões

1994

 

Relevância estética

Para o doutor em multimeios pela Unicamp e pesquisador em animação, Alberto Lucena Barbosa Jr, as produções animadas ainda sofrem com o preconceito por parte da crítica, que nem sempre reúne as habilidades necessárias para avaliar esse tipo de obra. “De fato, há preconceito, dúvida e medo em relação à animação por parte daqueles que fazem a indústria do cinema – o grande mainstream do espetáculo”, explica o pesquisador e autor do livro Arte da animação: técnica estética através da história.

Barbosa Jr argumenta que ainda é cedo para acreditar que as animações já tenham a relevância estética que merecem. “Ainda não ganhamos relevância estética nem contamos com crítica digna desse nome na animação, mas estamos bem em qualidade artística. O que realmente fez diferença foi a novidade técnica”, comenta.

O sucesso comercial de estúdios como Walt Disney Animation Studios e Pixar está virando esse jogo. Os dois nomes são os mais poderosos desse cenário e pertencentes ao segundo maior conglomerado de mídia a entretenimento do planeta, The Walt Disney Company. Até outubro de 2016, o site Box Office Mojo estimava que a Pixar teria faturado US$10,8 bilhões em todo o mundo.

Por outro lado, a produção de obras baseadas exclusivamente em computação gráfica ainda é cara e necessita de tecnologia de ponta. Um exemplo simples: para finalizar um frame de uma animação da Pixar, os computadores usados pelo estúdio demoram cerca de 24 horas. Cada segundo de cinema tem 24 frames. Ou seja, se apenas uma dessas máquinas superpoderosas fosse usada para tarefa, um curta de 1 minuto demoraria quase quatro anos para ser lançado.

“O dinheiro está virando o jogo a favor da animação. A animação sempre teve reconhecida qualidade artística, porém era pequena como negócio. Agora a situação está mudando e, por causa do dinheiro, a animação começa a ganhar respeito, ser levada à sério por todos – inclusive como arte”, explica Barbosa Jr.

Cinema autoral

Na contramão do sucesso comercial e, até certo ponto, tecnológico, de Disney e Pixar, há estúdios ganhando reconhecimento com base em formatos considerados tradicionais. A companhia Laika, por exemplo, trabalha com a técnica de stop-motion. O estúdio pertence ao cofundador da Nike, Phil Knight, e teve três de seus longas – ParaNorman, Coraline e BoxTrolls – indicados ao Oscar de melhor animação.

Do outro lado do globo, no Japão, o Studio Ghibli se consolidou por sua escolha por uma estética de animação tradicional, feita à mão. Os filmes do estúdio têm pouca ou nenhuma influência de efeitos criados no computador e seus desenhos são, em maioria, feitos usando técnicas de pintura de aquarela.

Se destacam também os assuntos abordados pelos filmes dos dois principais diretores do estúdio, Hayao Miyazaki e Isao Takahata: meio ambiente, pacifismo e tradição japonesa. Doutoranda em literatura pela PUC-Rio e pesquisadora da literatura midiática japonesa, Janete Oliveira explica que o que torna o Studio Ghibli distinto são as fortes posições políticas da dupla.

“Os dois tiveram um ativismo político muito forte, atuaram em sindicatos de animadores e foi quando firmaram a amizade. Depois conheceram o Toshio Suzuki e fundaram o estúdio, exatamente porque queriam um veículo no qual eles pudessem expressar melhor as suas ideias”, conta Oliveira. A produção mais conhecida dos japoneses no mercado ocidental é A viagem de Chihiro, filme vencedor do Oscar de animação de 2013 e obra-prima de Miyazaki.

Se diferem nas técnicas, as animações atuais convergem ao abordar temas mais complexos e subjetivos. Wall-E, por exemplo, questiona a negligência da sociedade atual perante os recursos naturais – tema também recorrente ao estúdio japonês. Divertidamente ilustra de forma didática o processo de crescimento de uma criança e seus conflitos internos durante essa metamorfose.

Essas novas abordagens, com temas bem desenvolvidos e ricos em críticas, acabam por modificar a visão do público em geral de que aquele tipo de produto dialoga apenas com crianças.

“Ao modificarmos essa forma de pensar, percebemos que as animações chegam cada vez mais perto de terem seu valor equiparado ao de filmes live-action, que, por muitas vezes, possuem abordagens rasas, mas que ganham credibilidade apenas por trazerem imagens e personagens ditos reais”, argumenta Barros.

Ao unir escolhas técnicas que os diferenciam e temas mais maduros, as animações ganham em qualidade cinematográfica – e atingem êxito financeiro. “Chegou a hora da animação, a arte que vai liderar a expressão artística visual no século XXI. Para isso, precisamos contar com críticos competentes para colaborar nessa escalada qualitativa”, comenta Barbosa Jr.

Cenário brasileiro

Em 2016, o Brasil surpreendeu o mundo todo ao ter indicado ao Oscar de melhor animação o longa O menino e o mundo, dirigido por Alê Abreu. Lançado em mais de 80 países, o desenho da Filme de Papel teve um orçamento de R$ 2 milhões, dos quais R$ 750 mil vieram de um fundo do BNDES para cinema.

Para o diretor e presidente da Associação Brasileira de Cinema de Animação (ABCA), Cesar Cabral, o setor audiovisual brasileiro vive um momento produtivo e se destaca por seus projetos autorais.

“Há uns 15 anos, o mercado era fomentado pela publicidade, era o lugar que a gente tinha para trabalhar. E, em paralelo, fazíamos projetos pessoais. Isso possibilitou criar uma geração pequena, mas autoral. Essa geração chegou madura nesse momento do audiovisual”, conta Cabral. O animador é sócio da Coala Filmes, que produziu os curtas Dossiê Rê Bordosa, Tempestade e a série Angeli the killer. No momento, a Coala produz seu primeiro longa, com previsão de estreia para 2018, em parceria com o quadrinista Angeli.

Para Cabral, o próximo passo é não perder essa identidade criada por essa geração de animadores. Com a criação de uma indústria, capaz de produzir longas e séries, o presidente da ABCA teme que os curtas sejam deixados de lado – o que seria uma perda para a formação de novos autores.

“O curta é, por si só, um formato perfeito para a animação. Ele consegue lidar com uma equipe pequena, com orçamento menor, possibilita experimentar. Isso foi um pouco esquecido nessa visão de investimento atual na indústria”, argumenta o animador.

Presente no festival Anima Mundi 2016, o desenhista Gabriel Bá acredita que o sucesso em formatos visuais como histórias em quadrinhos e animações está ligado à criatividade de contar boas histórias. Em 2016, o artista venceu pela segunda vez o prêmio Eisner – o “Oscar dos quadrinhos" – ao lado do irmão gêmeo e parceiro artístico Fabio Moon.

"É bom ter gente fazendo trabalhos interessantes, várias linhas estéticas, o importante é a história e a criatividade visual que os artistas vão ter. Pixar, Ghibli, Laika são ótimos exemplos que inspiram as pessoas que querem fazer a animação a acreditar que dá para ir por qualquer uma delas e contar boas histórias”, explica Bá.