A
presença do filme Divertidamente na
lista de indicados ao Oscar de melhor roteiro original de 2016 pode até
surpreender quem não acompanha de perto o cinema de animação. Entretanto, não é
de hoje que a categoria tem recebido mais espaço na maior premiação do cinema
mundial. O formato, que conta com uma categoria própria desde 2002, tem
resultados estéticos e comerciais significativos.
Nas
últimas décadas, o desenvolvimento tecnológico fez com que diretores pudessem
explorar efeitos estéticos e maravilhar audiências cada vez maiores nas salas
de cinema. Talvez o maior beneficiado pelo poder dos novos softwares e
hardwares seja o cinema de animação. Os resultados desse estilo são
expressivos: há sete animações (Frozen,
Minions, Toy story 3, Encontrando Dory,
Zootopia, Meu malvado favorito 2 e O rei
leão) na lista de 30 maiores bilheterias da história.
Única
animação em 2D da lista, O rei leão
se destaca por outros motivos: lançado em 1994, é o único longa animado
anterior a 2013, não tem seus personagens desenhados em 3D e tem um orçamento até
três vezes menor, se comparado com as produções mais atuais da Disney.
Mesmo
com números de gente grande, os desenhos animados ainda são considerados
conteúdo infantil, comenta a mestranda em comunicação e pesquisadora de
processos e linguagens midiáticas da Universidade Federal da Paraíba (UFPB),
Miriam Barros.
“Por
mais que tenhamos contato com obras que dialogam com problemáticas que permeiam
a vivência tanto de crianças como de adultos, o fato de ser animação gera, para
muitos, a ideia de que aquele conteúdo é infantilizado”, comenta Miriam. No
Brasil, essa visão é ainda reforçada pela grande oferta de conteúdos animados
dublados, ressalta a pesquisadora.
Filmes
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Bilheteria
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Ano
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Frozen
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US$1,28
bilhões
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2013
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Minions
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US$1,15
bilhões
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2015
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Toy story 3
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US$1,06
bilhão
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2010
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Encontrando Dory
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US$1,02
bilhão
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2016
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Zootopia
|
US$1,02
bilhão
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2016
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Meu malvado favorito 2
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US$970
milhões
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2013
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O rei leão
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US$968
milhões
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1994
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Relevância estética
Para o
doutor em multimeios pela Unicamp e pesquisador em animação, Alberto Lucena
Barbosa Jr, as produções animadas ainda sofrem com o preconceito por parte da
crítica, que nem sempre reúne as habilidades necessárias para avaliar esse tipo
de obra. “De fato, há preconceito, dúvida e medo em relação à animação por
parte daqueles que fazem a indústria do cinema – o grande mainstream do espetáculo”, explica o pesquisador e autor do livro Arte da animação: técnica estética através da história.
Barbosa
Jr argumenta que ainda é cedo para acreditar que as animações já tenham a
relevância estética que merecem. “Ainda não ganhamos relevância estética nem
contamos com crítica digna desse nome na animação, mas estamos bem em qualidade
artística. O que realmente fez diferença foi a novidade técnica”, comenta.
O
sucesso comercial de estúdios como Walt Disney Animation Studios e Pixar está
virando esse jogo. Os dois nomes são os mais poderosos desse cenário e
pertencentes ao segundo maior conglomerado de mídia a entretenimento do
planeta, The Walt Disney Company. Até outubro de 2016, o site Box Office Mojo
estimava que a Pixar teria faturado US$10,8 bilhões em todo o mundo.
Por
outro lado, a produção de obras baseadas exclusivamente em computação gráfica
ainda é cara e necessita de tecnologia de ponta. Um exemplo simples: para finalizar
um frame de uma animação da Pixar, os computadores usados pelo estúdio demoram
cerca de 24 horas. Cada segundo de cinema tem 24 frames. Ou seja, se apenas uma
dessas máquinas superpoderosas fosse usada para tarefa, um curta de 1 minuto
demoraria quase quatro anos para ser lançado.
“O
dinheiro está virando o jogo a favor da animação. A animação sempre teve
reconhecida qualidade artística, porém era pequena como negócio. Agora a
situação está mudando e, por causa do dinheiro, a animação começa a ganhar
respeito, ser levada à sério por todos – inclusive como arte”, explica Barbosa
Jr.
Cinema autoral
Na
contramão do sucesso comercial e, até certo ponto, tecnológico, de Disney e
Pixar, há estúdios ganhando reconhecimento com base em formatos considerados
tradicionais. A companhia Laika, por exemplo, trabalha com a técnica de stop-motion. O estúdio pertence ao
cofundador da Nike, Phil Knight, e teve três de seus longas – ParaNorman, Coraline e BoxTrolls –
indicados ao Oscar de melhor animação.
Do
outro lado do globo, no Japão, o Studio Ghibli se consolidou por sua escolha
por uma estética de animação tradicional, feita à mão. Os filmes do estúdio têm
pouca ou nenhuma influência de efeitos criados no computador e seus desenhos
são, em maioria, feitos usando técnicas de pintura de aquarela.
Se
destacam também os assuntos abordados pelos filmes dos dois principais
diretores do estúdio, Hayao Miyazaki e Isao Takahata: meio ambiente, pacifismo
e tradição japonesa. Doutoranda em literatura pela PUC-Rio
e pesquisadora da literatura midiática japonesa, Janete Oliveira explica que o
que torna o Studio Ghibli distinto são as fortes posições políticas da dupla.
“Os
dois tiveram um ativismo político muito forte, atuaram em sindicatos de
animadores e foi quando firmaram a amizade. Depois conheceram o Toshio Suzuki e
fundaram o estúdio, exatamente porque queriam um veículo no qual eles pudessem
expressar melhor as suas ideias”, conta Oliveira. A produção mais conhecida dos
japoneses no mercado ocidental é A viagem
de Chihiro, filme vencedor do Oscar de animação de 2013 e obra-prima de
Miyazaki.
Se
diferem nas técnicas, as animações atuais convergem ao abordar temas mais
complexos e subjetivos. Wall-E, por
exemplo, questiona a negligência da sociedade atual perante os recursos
naturais – tema também recorrente ao estúdio japonês. Divertidamente ilustra de forma didática o processo de crescimento
de uma criança e seus conflitos internos durante essa metamorfose.
Essas
novas abordagens, com temas bem desenvolvidos e ricos em críticas, acabam por
modificar a visão do público em geral de que aquele tipo de produto dialoga
apenas com crianças.
“Ao
modificarmos essa forma de pensar, percebemos que as animações chegam cada vez
mais perto de terem seu valor equiparado ao de filmes live-action, que, por muitas vezes, possuem abordagens rasas, mas
que ganham credibilidade apenas por trazerem imagens e personagens ditos
reais”, argumenta Barros.
Ao
unir escolhas técnicas que os diferenciam e temas mais maduros, as animações
ganham em qualidade cinematográfica – e atingem êxito financeiro. “Chegou a
hora da animação, a arte que vai liderar a expressão artística visual no século
XXI. Para isso, precisamos contar com críticos competentes para colaborar nessa
escalada qualitativa”, comenta Barbosa Jr.
Cenário brasileiro
Em
2016, o Brasil surpreendeu o mundo todo ao ter indicado ao Oscar de melhor
animação o longa O menino e o mundo,
dirigido por Alê Abreu. Lançado em mais de 80 países, o desenho da Filme de Papel
teve um orçamento de R$ 2 milhões, dos quais R$ 750 mil vieram de um fundo do
BNDES para cinema.
Para o
diretor e presidente da Associação Brasileira de Cinema de Animação (ABCA),
Cesar Cabral, o setor audiovisual brasileiro vive um momento produtivo e se
destaca por seus projetos autorais.
“Há
uns 15 anos, o mercado era fomentado pela publicidade, era o lugar que a gente
tinha para trabalhar. E, em paralelo, fazíamos projetos pessoais. Isso
possibilitou criar uma geração pequena, mas autoral. Essa geração chegou madura
nesse momento do audiovisual”, conta Cabral. O animador é sócio da Coala
Filmes, que produziu os curtas Dossiê Rê
Bordosa, Tempestade e a série Angeli the killer. No momento, a Coala
produz seu primeiro longa, com previsão de estreia para 2018, em parceria com o
quadrinista Angeli.
Para
Cabral, o próximo passo é não perder essa identidade criada por essa geração de
animadores. Com a criação de uma indústria, capaz de produzir longas e séries,
o presidente da ABCA teme que os curtas sejam deixados de lado – o que seria
uma perda para a formação de novos autores.
“O
curta é, por si só, um formato perfeito para a animação. Ele consegue lidar com
uma equipe pequena, com orçamento menor, possibilita experimentar. Isso foi um
pouco esquecido nessa visão de investimento atual na indústria”, argumenta o
animador.
Presente
no festival Anima Mundi 2016, o desenhista Gabriel Bá acredita que o sucesso em
formatos visuais como histórias em quadrinhos e animações está ligado à
criatividade de contar boas histórias. Em 2016, o artista venceu pela segunda
vez o prêmio Eisner – o “Oscar dos quadrinhos" – ao lado do irmão gêmeo e
parceiro artístico Fabio Moon.
"É
bom ter gente fazendo trabalhos interessantes, várias linhas estéticas, o
importante é a história e a criatividade visual que os artistas vão ter. Pixar,
Ghibli, Laika são ótimos exemplos que inspiram as pessoas que querem fazer a
animação a acreditar que dá para ir por qualquer uma delas e contar boas histórias”,
explica Bá.
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