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Reportagem
Janelas de tempo: a eficácia do atendimento de emergência
Por Caio Moreira
e Felipe Modenese
10/06/2009

Joana Darque Cardoso Santos, 36 anos, professora da Escola Municipal de Ensino Fundamental Parque Pinheiros, em Hortolância, SP, passou por um acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico leve, mas sobreviveu, sem sequelas, graças à sua chegada rápida a um hospital capacitado para o atendimento. A professora escapou das estatísticas do AVC, a doença que, de acordo com Rubens Gagliardi, médico neurologista e ex- presidente da Sociedade Brasileira de Doenças Cerebrovasculares, é a primeira causa de morte em adultos no Brasil. São registrados 220 mil novos casos por ano no país, e, como consequência, 10% dos óbitos brasileiros são provocados por essa doença.

“Naquela cadeira em frente à manicure, senti como se um líquido fervente corresse pela minha cabeça. Fiquei fraca e com vontade de me deitar”, conta a professora. Reconhecendo a importância e a necessidade de um atendimento médico, a manicure buscou socorro e, em 15 minutos, seguiram em um carro particular para um hospital da rede privada na cidade de Campinas. Graças ao reconhecimento da gravidade da situação, à rapidez do transporte e ao atendimento hospitalar, que fez o controle do fluxo sanguíneo cerebral, os danos neuronais foram pequenos. Joana Santos saiu do hospital com mínimas dificuldades para andar. A coordenação e o tônus do braço direito, da fala e da mastigação foram restabelecidos com fisioterapia e fonoterapia.  

Muitas pessoas, entretanto, não recebem um atendimento rápido e adequado, que possa impedir a evolução do quadro de AVC isquêmico. Este representa cerca de 80% dos casos e ocorre quando um vaso sanguíneo cerebral é obstruído por um trombo (coágulo) e uma área do cérebro deixa de ser irrigada pelo sangue. Atualmente, graças a novos medicamentos, é possível reverter ou minimizar os déficits provocados. Ou seja, existe uma janela de tempo terapêutica para a maioria dos casos de AVC. A grande questão hoje para o país é construir e possibilitar o acesso a essa janela de esperança.

Emergência

O AVC hiperagudo é o nome dado pelos médicos para os casos que podem ser tratados com remédio. Hoje, o intervalo de tempo para tal tratamento é de até 4h e 30min, desde o início dos sintomas. Somente nesse período o tratamento com o trombolítico rTPA, que permite a normalização da circulação sanguínea cerebral, é eficiente.

Até recentemente, a melhor maneira de lidar com o AVC isquêmico era a prevenção. Hoje, o rTPA está disponível em alguns centros públicos e privados do Brasil. Entretanto, apesar de ter sido utilizado pela primeira vez no Brasil em 2002, são poucos os centros hospitalares públicos com protocolos bem definidos para a utilização do medicamento.

A possibilidade de se usufruir desse tratamento pressupõe que se reconheçam os sintomas do AVC. Infelizmente, a maioria dos pacientes procura muito tarde o atendimento médico por desconhecimento da doença.

A professora de Hortolândia, por exemplo, por não saber identificar os sintomas, não se preocupou inicialmente. Achou que as fortes dores de cabeça que sentiu durante aquela semana faziam parte dos aborrecimentos do dia-a-dia das salas de aula. Provavelmente, um monitoramento de sua pressão arterial teria sido revelador.

Segundo o médico neurologista Octávio Marques Pontes Neto, do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, a desinformação sobre a doença é tão ampla que, em muitos casos, “pessoas que tiveram AVC saem do hospital sem saber o que é a doença”.

Pontes Neto e colegas realizaram uma pesquisa a respeito da percepção pública sobre o AVC. A proposta do estudo era descobrir o que oitocentas pessoas de quatro cidades brasileiras (São Paulo, Fortaleza, Salvador e Ribeirão Preto) fariam se um familiar apresentasse os sintomas de AVC, como modificação facial, fraqueza nos braços e pernas e dificuldade de falar. Os resultados foram preocupantes: apenas metade das pessoas ligaria para a emergência, um terço acertaria o número – 192 – do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e 22% não reconheceria os sinais da doença.

O neurologista defende que não basta conscientizar a população dos passos necessários para um atendimento rápido. Antes disso, é necessário que os setores do atendimento emergencial do AVC hiperagudo estejam funcionando de maneira coordenada: o Samu recebendo os chamados e encaminhando os pacientes rapidamente aos hospitais, já em condições para de aplicar o trombolítico; e os hospitais apresentando protocolos bem definidos e equipes bem treinadas (conhecidas como times de AVC) em unidades especializadas para o tratamento da doença (as unidades de AVC).  

Samu

O Samu tem sido fundamental para a concretização de uma rede para o atendimento público do AVC no Brasil. De acordo com o médico de emergência José Roberto Hansen, coordenador do Samu 192 de Campinas, a principal função do serviço é a regulação médica do atendimento. Isso inclui a classificação de risco da situação do chamado, a avaliação dos recursos e do hospital adequados para receber o paciente e a comunicação com esse hospital, para aumentar a velocidade dos procedimentos iniciais. Além de ampliar a qualidade de atendimento nos casos de AVC, a regulação médica é fundamental para evitar o desperdício de recursos.

“O Samu realiza uma melhor distribuição do fluxo de pacientes, o que permitiu que pessoas que antes faleciam na rua pudessem chegar ao hospital”, conta o coordenador do serviço que realiza cerca de sete mil atendimentos mensais. O AVC está entre uma das causas mais comuns de atendimento pelo Samu.

Hansen confirma que o uso de medicamentos para a reversão do quadro de AVC isquêmico agudo promoveu uma mudança substancial na visão dos profissionais do atendimento de emergência. “Certo niilismo e falta de esperança vem dando lugar a outra postura. Sempre houve menosprezo ao paciente que apresentava AVC. Hoje, podemos dar uma resposta mais confiante. Além disso, as novas alternativas de tratamento aumentaram a responsabilidade da equipe de atendimento”, avalia.

O quadro agudo do AVC não necessita de uma intervenção médica mais rigorosa no local de resgate do paciente. Normalmente, os atendimentos são feitos pelo Suporte Básico de Vida, um veículo com motorista e enfermeiro. Para situações mais graves, de acordo com a classificação da regulação, é enviado o Suporte Avançado de Vida ou UTI, um veículo com motorista, enfermeiro e médico.

De acordo com Hansen, apenas exames específicos, como a tomografia computadorizada, podem distinguir o quadro de AVC que pode usufruir da janela de tempo. Por isso, o Samu procura atender prontamente todos os casos da doença de forma que o diagnóstico possa ser feito quanto antes.

Times e unidades de AVC

De nada adianta as pessoas com AVC hiperagudo chegarem rapidamente ao hospital, se este não dispõe de profissionais capacitados e de estrutura que permita o atendimento eficiente do paciente. Por esse motivo, médicos e enfermeiros, principalmente das regiões Sul e Sudeste do Brasil, têm viajado a diversos estados oferecendo treinamento especializado tanto para o Samu quanto para os hospitais.

Lissandro Luis Pinto da Silva é enfermeiro assistencial do Samu e da emergência do Hospital das Clínicas da Unicamp. Dessa forma, lida com os pacientes de AVC tanto no encaminhamento aos centros de emergência quanto durante os procedimentos dentro do Hospital.

Ele participou da primeira aplicação do rTPA na Unicamp. Conta que o quadro de AVC isquêmico foi avaliado e diagnosticado, e que o procedimento de aplicação do remédio foi simples uma vez que toda a equipe estava treinada: “depois de um tempo, a paciente começou a melhorar. Chegou paralisada e saiu sem sequelas. Foi um avanço expressivo. Hoje é possível reverter o quadro. Foi um marco, você participa da história”.

Segundo Pontes Neto, os times de AVC devem contar necessariamente com um neurologista para diagnosticar o tipo de AVC e definir o procedimento médico correto para cada caso. Infelizmente, esses profissionais não estão disponíveis de forma ampla e integral em todas as regiões do Brasil. Além de neurologistas, as unidades devem contar com outros profissionais, como fisioterapeutas e nutricionistas, trabalhando de maneira interdisciplinar para diminuir as complicações geradas pelos sintomas da doença. Para ele, embora a criação das unidades de AVC seja dispendiosa, hospitais públicos e privados estão cada vez mais dispostos a sua implantação devido à possibilidade de redução de 25% a 30% dos custos com um paciente que é tratado da forma correta.

Atualmente, os hospitais brasileiros que aplicam o trombolítico utilizam verba própria. O Ministério da Saúde, no entanto, está cadastrando hospitais de todo o Brasil para fornecer o medicamento. Esse programa visa reverter o quadro de utilização do rTPA em apenas 1% dos casos de AVC. Em países desenvolvidos, o número chega a 20%, e ainda precisa crescer.

Em tempo

Para Hansen, o AVC não é uma doença, e sim uma situação comparável a uma sequela. Ele entende como doença o conjunto de fatores de risco do AVC: hipertensão arterial, tabagismo, bebidas alcoólicas em excesso, sedentarismo e má-alimentação. Logo, tão importante quanto o atendimento emergencial, o combate ao AVC envolve a realização de campanhas de prevenção adequadas.

Um segundo momento, que começa acontecer no Brasil, é a implementação do serviço integrado de atendimento ao AVC para que a população possa ter acesso à janela de tempo para o tratamento. Para tanto, é preciso que as pessoas reconheçam a gravidade da situação e estejam informadas sobre os sintomas da doença e sobre os procedimentos a serem tomados para o atendimento rápido.

Nos Estados Unidos, o governo tem investido amplamente em propagandas que informam a importância de telefonar rapidamente para a emergência. Eles criaram a sigla Fast (ou rápido em português) para o procedimento completo que alguém deve tomar ao perceber outra pessoa com sintomas que indicam o AVC. Segundo a propaganda, ao reconhecer um dos três sinais – modificação facial (Face), fraqueza nos braços (Arm) e pernas, e dificuldade de falar (Speech) – o tempo (Time) torna-se um fator crítico, e é preciso ligar para a emergência (no Brasil: 192). A propaganda finaliza com o slogan: “Tempo perdido é cérebro perdido”.