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Um país se faz com homens e livros, já dizia Monteiro Lobato. Mas o que acontece quando mais da metade da população de um país não gosta de ler? De acordo com a pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, de 2012, menos da metade da população brasileira tem o hábito de ler livros. E, mesmo entre essas pessoas, a média de leitura é de apenas dois livros por ano. Dados da última edição do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) mostram que o Brasil está no 55º lugar no ranking de leitura, abaixo de países como Chile, Uruguai, Romênia e Tailândia, ficando à frente de apenas 10 países.
Portanto, incentivar nas crianças e nos adolescentes o gosto pela leitura e pela escrita é um verdadeiro desafio. E é neste cenário que as Olimpíadas de Língua Portuguesa surgem como um instrumento diferenciado para buscar estimular nos alunos do ensino fundamental e médio o amor pelas letras.
“Atualmente, a maioria dos alunos não se sente atraído pela palavra escrita, estão desestimulados e desinteressados. O maior desafio, então, é ensinar a gostar de ler e escrever. E todas as iniciativas nesse sentido são muito bem-vindas”, aponta a pedagoga Silvia Gasparian Colello, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e autora dos livros Alfabetização em questão (Paz e Terra, 2004) e A escola que (não) ensina a escrever (Summus, 2012).
Escrevendo o futuro
A Olimpíada de Língua Portuguesa – Escrevendo o Futuro, uma iniciativa do Ministério da Educação (MEC) e da Fundação Itaú Social, com coordenação técnica do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec), tem como objetivo estimular o gosto pela leitura e pela escrita. O evento é realizado a cada dois anos e envolve professores e alunos desde o 5º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio, que podem participar em quatro categorias: poema, memórias, crônica e artigo de opinião. A seleção dos trabalhos elaborados pelos estudantes começa na escola, passa pelo município, estado e região, e chega ao âmbito nacional.
O concurso de produção de textos, que premia as melhores produções de alunos de escolas públicas de todo o país, vai muito além de uma competição: ele quer estimular o gosto pela escrita e pela leitura, mobilizar professores e melhorar a forma como a língua portuguesa é ensinada nas escolas. “Não queremos identificar talentos, mas mobilizar os professores para experimentar uma metodologia de ensino que melhore o aprendizado de língua portuguesa”, apontou a coordenadora da olimpíada, Sonia Madi, durante a abertura da quarta edição do evento.
A competição é sempre realizada em anos pares. Nos anos ímpares, a olimpíada desenvolve ações de formação de professores, presenciais e à distância, além de estudos e pesquisas, elaboração e produção de recursos e materiais educativos. O vídeo Escrevendo na sala de aula, a revista Na ponta do lápis, a comunidade virtual Escrevendo o futuro, o jogo Q.P. Brasil e o material didático Cadernos do professor são algumas das ações realizadas pela olimpíada, que também inclui seminários, áudios e vídeos, entre outros. Todos esses materiais e ações são feitos para dar suporte aos professores, para que eles consigam trabalhar a língua portuguesa dentro da sala de aula de modo diferenciado, que cative e estimule os alunos. “Muito do que fazemos se integra aos programas de formação já realizados pelas secretarias (de educação), já que seguimos os princípios das políticas públicas para a área de língua portuguesa. As ações de formação do programa, nessas parcerias, acabam por se agregar aos conteúdos que as secretarias já oferecem aos educadores de suas redes”, diz Madi.
Uma aula de diálogo, comunicação e expressão
As taxas de leitura dos brasileiros são baixíssimas e vêm caindo cada vez mais. Dados da última edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” mostram que os brasileiros estão cada vez mais trocando o hábito de ler jornais, revistas, livros e textos na internet por atividades como ver televisão, assistir a filmes em DVD e navegar na internet por diversão. A pesquisa revelou uma queda de 9,1% no número de leitores.
“A escola carrega a tradição da língua como um instrumental: é preciso ler e escrever para acertar o exercício e tirar uma nota boa na prova, é preciso ler e escrever para passar no vestibular etc. A língua é vista como um código, como um conjunto de regras que o aluno precisa decorar. Isso torna o ensino mecanicista e massacrante, que acaba repelindo as crianças e adolescentes”, afirma Colello. “O resultado é que o aluno aprende a ler, mas acaba odiando a língua, não conseguindo ver a leitura e a escrita como algo prazeroso”.
Mas esse não é um único problema. Se a taxa de leitura é baixa, a taxa de compreensão do texto lido é ainda menor. Quase metade (49%) dos alunos brasileiros não são capazes de deduzir informações do texto, de estabelecer relações entre diferentes partes do texto ou de compreender nuances da linguagem, segundo dados da última edição do Pisa. E isso acontece não apenas entre os alunos de escolas públicas, mas entre aqueles que frequentam escolas particulares também. Além disso, a taxa brasileira de analfabetismo entre jovens e adultos é de 8,7%, número que pula para 18,3% quando se trata de analfabetos funcionais (ou seja, que não conseguem compreender textos simples).
Para mudar esse quadro, é preciso mudar a visão da língua e do ensino da língua, que ainda está muito arraigada nas escolas. “A aula de língua portuguesa tem que ser uma aula de diálogo, de intercâmbio de ideias, em que o aluno possa se expressar. O aluno tem que poder compreender que ele não está aprendendo português para acertar o exercício, mas para usar a língua, para se comunicar, se expressar. E o professor precisa investir nas diferentes práticas da língua e na magia da leitura”, ressalta Colello.
Jogos linguísticos
Outra competição ligada à língua é a Olimpíada Internacional de Linguística (IOL), uma das 13 olimpíadas internacionais de ciências para alunos do ensino médio. O evento é realizado anualmente desde 2003, cada ano em uma localidade diferente, e sua sigla é propositadamente fora de ordem para não corresponder ao nome da organização em nenhum idioma em particular.
A configuração da IOL difere da de outras olimpíadas de ciência, pois seu programa contém competições individuais e de equipe, que ocorrem simultaneamente. A competição individual consiste de cinco problemas, cobrindo as principais áreas da linguística teórica, matemática e aplicada: fonética, morfologia, semântica etc. Já a competição por grupos consiste de um único – e complexo – problema. Para solucioná-lo, não é necessário nenhum conhecimento prévio de linguística ou de idiomas, apenas habilidade lógica e pensamento analítico e dedutivo.
O Brasil está entre os 40 países que participam da competição. Desde 2011, é realizada anualmente a Olimpíada Brasileira de Linguística (OBL), que segue os mesmos moldes da IOL e seleciona alunos para participar da competição internacional. A última edição do evento reuniu mais de 800 estudantes de escolas particulares e públicas, federais e estaduais. Em cinco anos, 19 competidores brasileiros em cinco equipes passaram pela IOL e conquistaram três medalhas (uma de ouro, uma de prata e uma de bronze), além de dois prêmios pela melhor solução e quatro menções honrosas.
“Diferente das outras olimpíadas, os problemas de linguística não esperam dos estudantes domínio sobre teorias sofisticadas e conhecimento acumulado. Em vez disso, eles introduzem problemas novos, não familiares, que podem ser desvendados por um falante que use suas próprias intuições linguísticas e uma boa dose de raciocínio e investigação”, explica Abel de Santana Filho, membro da comissão organizadora da OBL na página do evento.
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