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Reportagem
Profissão: astrônomo – formação, pesquisa e mercado de trabalho
Por Cristiane Paião e Maria Clara Rabelo
10/10/2009

A forma de olhar para o céu pode ser a diferença entre um cidadão comum e um astrônomo. O desejo de desvendar os mistérios do universo é o que parece motivar muitos jovens a optarem pela profissão. A curiosidade despertada ainda na infância, e que segue na adolescência, acompanha esses desbravadores numa jornada difícil e repleta de obstáculos a serem superados. Para aqueles que pretendem fazer essa escolha, ou que já iniciaram esse caminho, é necessário muito preparo, pois a graduação em astronomia não garante atuação na área: para ser considerado um “astrônomo profissional”, é preciso, no mínimo, ter a titulação de doutor.

São poucos os cursos de graduação em astronomia oferecidos no Brasil. Entre eles, estão o do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP) e o do Observatório do Valongo (OV) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A graduação na área dura em média quatro anos e engloba disciplinas de astronomia, física, matemática e computação. Mas, também é possível ingressar na carreira através de outros cursos superiores como física, matemática, ou até mesmo engenharia, desde que a pós-graduação esteja voltada para a formação do astrônomo.

Em relação aos cursos de pós-graduação, o número de opções é maior. Segundo avaliação realizada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), os melhores são os oferecidos pelo I AG/USP, pelo Observatório Nacional (ON) e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Essas duas última instituições são vinculadas ao Ministério da Ciência e da Tecnologia (MCT). (veja lista da Capes).

Aqueles que já se estabeleceram na profissão são unânimes ao afirmar que as opções de atuação no mercado de trabalho para os graduados em astronomia são bastante restritas e, na maioria das vezes, eles acabam ministrando aulas de física para o ensino médio ou atuando em planetários e museus de ciência. No entanto, é durante a graduação que os futuros astrônomos têm a possibilidade de se iniciar na pesquisa, através de projetos científicos, ou de atuar em projetos de extensão em escolas.

Anualmente, o curso do Valongo recebe 20 novos alunos, dos quais aproximadamente 50% são mulheres. O dado preocupante é que, desses ingressantes, apenas oito recebem seus diplomas. Para o professor Alexandre Lyra, coordenador de graduação do Valongo, isso ocorre por uma idealização frustrada do curso. “Muitos desistem devido aos estudos de física, matemática etc, pois ao ingressarem, alguns têm uma visão contemplativa da astronomia, e não que é uma ciência físico-matemática-observacional”, afirma. Já a graduação oferecida pela USP, aberta recentemente, apresenta uma procura bastante significativa por parte dos vestibulandos, com cerca de dez candidatos por vaga. Mas ainda não é possível falar em números relativos à conclusão do curso, pois a primeira turma teve início em 2009.

Para atuar nessa área, é preciso um sólido conhecimento em física e matemática, além de dominar as técnicas observacionais e computacionais. Quem deseja se estabelecer como astrônomo precisa buscar uma formação consistente, um percurso que somente é possível através da especialização. E esse percurso passa pelo mestrado e pelo doutorado e por envolvimento permanente com a pesquisa.

Não há diferença significativa entre os cursos de pós-graduação em astronomia brasileiros e os internacionais. Porém, o professor Jacques Lépine, do IAG/USP, ressalta que parte dos doutores buscam ampliar sua experiência no exterior, seja através de “bolsas-sanduíche” ou das publicações internacionais. Entre os graduados, são poucos os que vão completar sua formação em outros países. Lyra, do Valongo, esclarece que, em geral, os que fazem essa opção retornam ao Brasil ao concluírem suas especializações, o que, segundo ele, melhora o mercado de trabalho nas universidades e nos institutos de pesquisa brasileiros.

As oportunidades de trabalho para os pós-graduados no Brasil têm se ampliado bastante. Os doutores possuem muitas possibilidades profissionais junto às universidades públicas e aos centros de pesquisas, além das universidades privadas, as quais vêm demonstrando crescente interesse na formação de departamentos de pesquisa nas áreas de física e astrofísica.

A atuação no ramo empresarial é menor. “A única empresa que contrata astrônomos é a Embratel, para realizar controle de satélites de comunicação”, diz Fernando Roig, responsável pela pós do ON. No exterior, a situação não é diferente, apesar da significativa participação da iniciativa privada no desenvolvimento de pesquisas básicas. Um exemplo de profissionais que se agregam a empresas de tecnologia, apontado por Roig, é o caso do Southwest Research Institute – uma das mais importantes instituições de pesquisa em ciências planetárias dos Estados Unidos.

Em relação às atividades de pesquisa astronômica, as brasileiras também não diferem daquelas que são realizadas em outros países. “Temos acesso, via internet, a uma enorme quantidade de dados obtidos por satélites e telescópios no solo, e estamos em contato frequente com pesquisadores do exterior. Temos acesso a grandes telescópios, nos quais o Brasil tem participação, como Soar e Gemini, mas também a instrumentos para os quais o Brasil não contribui financeiramente”, explica Lépine. “Um bom projeto sempre consegue ser aprovado. Os astrônomos teóricos não dependem desses instrumentos e estão em boa situação”, completa.

A partir de uma análise dos últimos vinte anos, Roig faz um balanço positivo. “A astronomia brasileira só tem crescido, tanto em número de profissionais como na quantidade e qualidade das pesquisas desenvolvidas”, afirma. Isso é comprovado pela publicação de resultados de pesquisa em revistas reconhecidas internacionalmente e também com a participação dos brasileiros no corpo editorial desses periódicos. Um exemplo disso é o professor Sylvio Ferraz-Mello, do IAG/USP, que tornou-se o editor-chefe da Celestial Mechanics and Dynammical Astronomy, uma revista científica holandesa que figura entre as mais conceituadas do mundo na área.

Pode-se dizer que o pesquisador brasileiro em astronomia vive de forma semelhante ao norte-americano, a partir de uma análise da relação entre seus salários e custos de vida. Outra boa notícia está relacionada ao investimento na ciência: segundo Roig, o Brasil é líder na América Latina e o seu engajamento em projetos astronômicos de grandes telescópios será determinante para o desenvolvimento da pesquisa nacional em astronomia.

Em recente levantamento sobre a situação da pesquisa astronômica brasileira, João Steiner, professor do IAG/USP, constatou que o número de artigos publicados em revistas indexadas cresceu mais aceleradamente a partir dos anos 1990. Em seu artigo "Recenseamento da astronomia brasileira em 30/04/2009", ele aponta 8 artigos brasileiros indexados em 1970; em 1990, foram 74; em 1995, saltaram para 111; e em 2008, alcançaram a marca de 219. O trabalho de Steiner, que também lista todas as instituições brasileiras na área, com as respectivas notas de suas pós graduações na avaliação da Coodenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), procurou retratar a realidade da astronomia no país em um momento oportuno: o Ano Internacional da Astronomia, no qual o Rio de Janeiro sediou, em agosto, a Assembleia Geral da União Astronômica Internacional.