O vencedor deste ano do Prêmio Abril de Jornalismo na categoria “Ciência” não foi um jornalista. A reportagem “A invenção do Brasil”, que levou o primeiro lugar, foi escrita pelo engenheiro agrícola Evaristo de Miranda para a edição de maio de 2007 da revista National Geographic. Ele é chefe do Centro Nacional de Pesquisa de Monitoramento por Satélite da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e conquistou o prêmio ao contar a história da biodiversidade brasileira. O troféu de Miranda é um sintoma de quanto tem crescido no Brasil a divulgação da ciência feita por aqueles que produzem o conhecimento. Desde o início da década de 1990, muitos cientistas e instituições de pesquisa brasileiros têm se empenhado em chamar os holofotes da mídia para os seus trabalhos. Os motivos para isso são vários.
Uma das razões para a ciência começar a mostrar a cara à sociedade foi uma necessidade básica, a sobrevivência. Em um paralelo à teoria de Darwin, a divulgação pode ter sido a resposta adaptativa que algumas instituições encontraram para não desaparecer. Esse foi o caso da empresa em que Miranda trabalha, a Embrapa. Fundada em 1973, a instituição permaneceu até 1990 atuando estritamente no meio rural e voltando a sua comunicação basicamente para o agricultor ou pecuarista. No início da década de 1990, porém, o Governo Collor extinguiu a Empresa Brasileira de Pesquisa e Extensão Rural (Embrater). “Foi natural pensar que a Embrapa pudesse ter o mesmo destino”, conta Edilson Fragalle, chefe da Assessoria de Comunicação da Embrapa em Brasília (DF). Outra ameaça presente naquela época era a privatização “que trazia à Embrapa o dilema de não cumprir a sua função social por falta de recursos ou de subordinar-se apenas aos interesses do capital”, escreveu Fragalle e Wilson Corrêa da Fonseca Jr. com mais outros dois colegas, todos jornalistas da Embrapa, em um paper que conta essa história, A comunicação na Embrapa: do difusionismo à comunicação como inteligência organizacional.
Comunicar para sobreviver
A resposta da estatal foi radical. Primeiro, ela ampliou a sua área de atuação. Se antes ela se restringia às atividades chamadas de dentro da porteira (produção de animais e lavouras, extração vegetal etc), a partir de então ela se dedicaria a todo o processo agroindustrial o que incluiria as atividades antes da porteira (produção de insumos, como adubos, rações e sementes) e as atividades depois da porteira (processamento agroindustrial, consumo final etc). Com a missão, ampliou-se também o público, o qual deveria ser conquistado através de um novo modelo de comunicação. Antes, a relação era apenas entre o cientista e o produtor rural; a partir de então, a divulgação seria feita por profissionais de comunicação e para um público maior e mais diversificado. Em 1996, a Embrapa adotou oficialmente a sua política de comunicação fundamentada em teorias de comunicação rural e empresarial.
Através de um pesado investimento na Assessoria de Comunicação Social (ACS), a Embrapa montou uma equipe que fortaleceu a sua imagem institucional e padronizou processos nas suas 41 unidades espalhadas pelo país. Em 2007, a estatal tinha 135 profissionais de comunicação em seu quadro, sendo 91 jornalistas, 35 relações públicas e nove profissionais de publicidade e propaganda. Atualmente, várias unidades mantêm cursos de media training (treinamento para falar à imprensa) para os seus pesquisadores que também contam com um manual de relacionamento com a mídia, uma publicação elaborada na própria Embrapa. Na página eletrônica da estatal há um guia de fontes organizado por nome ou área de atuação do pesquisador. Todos esses investimentos trouxeram frutos graúdos à empresa de pesquisa agropecuária. Em 2006, ela contabilizou 19.680 matérias jornalísticas que a citavam nominalmente.
Outro investimento considerável da Embrapa é no aperfeiçoamento de seu quadro de comunicadores. O profissional que tiver um projeto de estudo aprovado pela empresa é dispensado para dedicar-se integralmente à pós-graduação e recebe auxílio financeiro para a aquisição de material didático. Ao se diplomar, ele terá um acréscimo de 7,5% em seus rendimentos no caso de uma especialização; 15%, se for um mestrado e 30%, se concluir um doutorado. Os incentivos têm feito crescer o número de pós-graduados na assessoria de comunicação, 39 atualmente.
Pesquisa Fapesp
Quando a jornalista Mariluce de Souza Moura foi contratada para a assessoria de comunicação da Fapesp, em 1995, seu expediente era de apenas 10 horas semanais. Nessa época, estava em elaboração um boletim de notícias que seria lançado em agosto daquele ano. Moura alertou que o trabalho não estava profissional o que poderia até prejudicar a imagem da agência de fomento. O projeto foi passado então para as suas mãos e naquele ano nasceria o informativo Notícias Fapesp. Em novembro, a assessoria de comunicação começaria a trabalhar em horário integral e até 1998 mais três profissionais de comunicação seriam contratados. Estavam criados o embrião e o ambiente para o surgimento do que viria a ser um dos mais importantes veículos de divulgação científica do país, a revista Pesquisa Fapesp nascida em outubro de 1999.
Com uma tiragem de 35.800 exemplares e periodicidade mensal, a revista é distribuída gratuitamente a 22 mil pesquisadores, jornalistas e gestores de políticas de ciência e tecnologia. Desde 2002, a Pesquisa Fapesp começou a vender assinaturas e a ser encontrada nas bancas das principais cidades brasileiras. A Fapesp conseguiu criar um veículo que goza de grande prestígio no meio científico e entre os demais órgãos de comunicação fornecendo pautas para outras publicações científicas. O segredo desse sucesso não está só na “grife” que o nome da Fapesp representa, mas num casamento harmonioso entre o trabalho jornalístico e o científico. As pesquisas abordadas são transformadas em reportagens escritas por jornalistas. Depois, os dados são rigorosamente conferidos por técnicos e cientistas do quadro da fundação. O resultado é uma informação saída diretamente do campo de pesquisa ou do laboratório, escrita em linguagem jornalística acessível ao público leigo e com a chancela de qualidade do quadro técnico da Fapesp. “Muitos dos pesquisadores entrevistados citam a matéria em seu currículo. Eles vêem a reportagem na revista como um aval público de seu trabalho emitido pela Fapesp”, orgulha-se Mariluce Moura.
Comunicação multimídia
Hoje, a revista recebe apenas 20% de seus recursos das vendas e de outras fontes, a própria Fapesp custeia os 80% restantes. Os investimentos em comunicação não ficam só na revista. A fundação mantém uma agência própria de notícias para divulgar os trabalhos que ela financia. A revista ainda tem uma versão eletrônica na internet com textos da edição impressa complementados com recursos multimídia. Desde 2004, a Fapesp produz o programa radiofônico Pesquisa Brasil que vai ao ar aos sábados às 11h da manhã pela Rádio Eldorado de São Paulo e é pautado pelas matérias da revista. A presença na mídia não só mudou a imagem da Fapesp como a fez ser conhecida pelo público, bem diferente da época em que Moura entrou para a agência de fomento em 1995, “quando eu telefonava para um jornal, era comum as pessoas confundirem o nome da Fapesp com o da Sabesp”, brinca, lembrando os tempos em que era tomada por funcionária da companhia de saneamento de São Paulo.
Mariluce Moura também analisou a relação mídia-ciência durante a elaboração de sua tese de doutorado. Foi a partir da década de 1980, segundo ela, que a comunidade científica nacional passou a entender que a explicação de seu trabalho faz parte de suas obrigações. Os órgãos de imprensa brasileiros, por sua vez, de uma maneira geral, começariam a atentar para as pautas científicas somente a partir do ano 2000, de acordo com suas observações. “O grande divisor de águas para a mídia nacional foi o projeto do genoma da Xylella Fastidiosa ”, acredita Moura. O mapeamento genético dessa bactéria, que ataca as laranjeiras, acabou colocando o Brasil no noticiário internacional. Veículos mundialmente famosos, como o britânico The Economist e o norte-americano The New York Times, deram destaque a esse trabalho brasileiro. “De repente, muitos jornais daqui, especialmente os da TV, descobriram que se fazia pesquisa de primeiro mundo no Brasil”, conta a jornalista.
Informar para formar
Alguns projetos científicos, por sua vez, começaram a encontrar na auto-divulgação outras finalidades bastante úteis. É o caso do Biota, financiado pela Fapesp e focado no estudo da biodiversidade do estado de São Paulo. “Um dos objetivos de divulgar esse trabalho é que os conhecimentos sobre sustentabilidade nele gerados sejam transformados em políticas públicas”, analisa o biólogo Antonio Carlos Amorim e professor da Faculdade de Educação da Unicamp. Outra função importante da divulgação científica levantada por Amorim é a pedagógica. “Toda ação de comunicação é também uma ação educativa”. Nesse sentido, a divulgação educa desde estudantes até os gestores públicos sobre os pontos importantes levantados pelo trabalho científico. Essa função pedagógica da comunicação é mais acentuada nos projetos de divulgação voltados para o público escolar. Exemplo disso é a exposição Cores e Sombras produzida pelo Biota e analisada no grupo de pesquisa de Amorim. De caráter itinerante, a exposição percorreu o interior de São Paulo levando painéis com fotos, gráficos e mapas sobre a biodiversidade do Cerrado e da Mata Atlântica especialmente para os alunos da rede pública de ensino.
A educação é também um dos pilares da divulgação do programa Cooperação Interinstitucional de Apoio a Pesquisas sobre o Cérebro (CInAPCe) que reúne importantes instituições de pesquisa e de tratamento da área de neurociências. Faz parte dos planos do CInAPCe montar um portal multimídia na internet. Com isso, o programa tentará atingir desde o público especializado, com fóruns sobre as mais recentes pesquisas da área, até a população em geral com informações básicas a fim de esclarecer dúvidas e até eliminar mitos. O neurologista Li Li Min, coordenador do CInAPCe, notou que importantes informações científicas não têm chegado à população. “Informação há muita. Se você procurar na internet, encontrará mais de 100 mil artigos científicos sobre epilepsia, mas ao mesmo tempo você vai achar muita gente associando a doença à possessão demoníaca ou a um sinal de fracasso pessoal ou a outros mitos”, lamenta Li Li Min. Para o pesquisador, isso significa que boa parte dos cerca de 1,7 milhão de brasileiros que sofrem de alguma forma de epilepsia sofrerão também discriminação por causa do desconhecimento da doença.
Os esforços do CInAPCe em esclarecer a população não ficarão restritos à internet. O Departamento de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, onde Li Li Min atua, fez uma parceria com o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), também da Unicamp, para a criação do curso "Divulgação científica e saúde: neurociências". Voltada especialmente para profissionais da saúde e para jornalistas, essa pós-graduação lato sensu terá noções de neurociências, prática de jornalismo e até aulas em que os alunos poderão participar do atendimento clínico a pacientes. Tudo isso para que os divulgadores formados conheçam de perto a área e possam falar com propriedade ao público em geral, espera o neurologista. As inscrições para o curso abrem em dezembro e as aulas terão início em 2009, perfazendo três semestres.
Também no ano que vem, o CInAPCe pretende promover um curso de especialização para professores dos ensinos médio e fundamental, que terá disciplinas focadas em neurociências e epilepsia. Esse curso será realizado através de uma parceria com a Secretaria de Ensino Superior do Estado de São Paulo que pretende agregar o CInAPCE ao projeto Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). O projeto reúne os programas de ensino semi-presencial das três universidades estaduais paulistas: USP, Unesp e Unicamp. “A idéia é multiplicar ainda mais esse conhecimento aos professores que depois o repassarão aos alunos”, justifica Li Li Min.
Não basta conhecimento técnico
Se por um lado, a divulgação feita pelos próprios produtores da ciência pode ser considerada um avanço e um sinal de respeito à sociedade, de outro ela pode carregar alguns vícios, justamente por vir diretamente do cientista. Essa é a opinião do pesquisador que abriu esta reportagem, Evaristo de Miranda, que também atua como divulgador da ciência. “Há uma idolatria da ciência mantida e alimentada por muitos cientistas”, acredita Miranda, “quando esses profissionais começam a falar ao público esse endeusamento tende a contaminar a opinião pública”. Para ele, a solução seria que o cientista mantivesse um espírito autocrítico e se submetesse a conselhos formados por não-cientistas. Segundo Miranda, poucos jornalistas estão preparados para questionar o discurso do cientista e acabam reproduzindo-o sem refletir o que provoca a difusão de falsas utopias e até promoção de charlatães. “Para divulgar ciência não basta conhecimento técnico, é preciso também analisar o discurso científico e confrontá-lo com os princípios da humanidade e com os desejos da sociedade”, conclui.
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