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Entrevistas
Peter May
Peter May, economista ecológico fala do papel de liderança do Brasil na Rio+20 e sobre a necessidade de mudança de paradigma na economia mundial
Germana Barata
10/03/2012

A economia verde é um dos conceitos chave da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, que terá início em 20 de junho no Rio de Janeiro. Embora ele pareça novo, já estava embutido no conceito de desenvolvimento sustentável, que ganhou o mundo, sobretudo, a partir da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável em Joanesburgo, em 2002, na qual os países reafirmaram os compromissos com o meio ambiente firmados durante a Rio 92. Nesta entrevista à ComCiência, Peter May levanta algumas questões e interesses por trás desse conceito.

Especialista norte-americano em economia dos recursos naturais, May veio para o Brasil em 1983 para um doutorado sanduíche e acabou trocando a então maior economia do mundo, pela maior biodiversidade mundial. Naturalizou-se brasileiro e foi um dos fundadores da economia ecológica no Brasil, marcada pela fundação da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, em 1993, e hoje atua como professor associado do curso de pós-graduação em ciências sociais em desenvolvimento, agricultura e sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Ao longo dessa entrevista, May fala do papel que o Brasil deve desempenhar na Rio+20 e aborda a necessidade de uma mudança de paradigma na economia mundial. "Desenvolvimento não é a mesma coisa que crescimento", enfatiza. Nesse novo cenário, que se delineia a partir do debate entre as lideranças mundiais, ele defende a necessidade de se criar políticas que garantam o acesso à tecnologias verdes: "os direitos de propriedade intelectual sobre elas devem ser completamente livres".

ComCiência: Qual será o papel do Brasil na Rio+20?

Peter May: Não tenho visto uma articulação clara por parte do governo brasileiro. Espero que o Brasil possa mostrar uma identidade marcada por opções que tenham sido desenvolvidas para o país, para melhor uso do solo, desenvolvimento de biocombustíveis e outros tipos de energia. Cidades sustentáveis nem tanto – mas há experiências positivas, exemplos muito avançados. Temos coisas para avançar (o debate). Ao mesmo tempo, deveria haver algum tipo de demonstração sobre essa série de mudanças de paradigma, se há algo sendo proposto efetivamente. Como anfitrião, o país tem que ser líder desse processo, ter algum tipo de coordenação e promoção de uma linguagem adequada para os documentos do Rio +20. Em suma, deve haver uma coordenação que marque o evento e seus resultados com a perspectiva oriunda do Brasil. Preocupo-me com a imagem do país perante o mundo, pois muitos têm dito que para as perspectivas internacionais tem sido muito mal visto. Um exemplo é a forma como o Congresso tem discutido e colocado em cena o Código Florestal. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Associação Brasileira de Ciências novamente escreveram uma carta ao Congresso explicitando suas preocupações, pois o Brasil conseguiu reduzir seu desmatamento, mas abriu a possibilidade, com o código, de qualquer exploração dos ecossistemas.

ComCiência: O congresso bienal da Sociedade Internacional de Economia Ecológica (ISEE 2012) ocorrerá simultaneamente à Rio+20. Qual sua expectativa, como um dos organizadores do evento, sobre a articulação com o governo para a preparação de um documento base?

May: Os organizadores do ISEE 2012 sempre tiverem em mente influenciar um melhor resultado da Rio+20, por isso o título do nosso congresso é "Contribuições e desafios para uma economia verde". Quando fomos solicitados, contribuímos notadamente para os resultados do painel sobre o tema do green economy, durante a VIII EcoEco, em Brasília, em outubro passado. Nossa meta agora é que o resultado do congresso seja encaminhado para ministros de meio ambiente, que serão convocados para um painel ao final do congresso. Faremos isso com o intuito de dar sugestões aos delegados da Rio+20, mas compreendemos que o diálogo com a sociedade e com a ciência sobre esses temas não se esgotará na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (UNCSD)., Precisaremos nos manter ativos e continuar a promover esse tipo de contribuições ao longo dos anos vindouros. Essa será nossa meta.

ComCiência: Como o senhor vê a evolução, na prática, da economia ecológica nos vinte anos.

Peter May: A economia ecológica veio para ser o paradigma de análise e de apoio à tomada de decisão dessa área de economia do meio ambiente. Essa é uma área mais ampla que a economia ecológica: é uma visão mais instrumental da política ambiental associada com valoração econômica e incorporação de valores para a tomada de decisão, que se utiliza de instrumentos de política ambiental, muito mais do que de política econômica. Acredito que a economia ecológica teve uma oportunidade – por causa do nosso envolvimento precoce – de trazer esses conceitos para o pensamento acadêmico. Depois foi sedimentado mais amplamente na sociedade, nas ONGs e no governo. As pessoas sabem falar sobre economia e questões ambientais, sabem o que é economia ecológica, e também sobre a diferença entre voltar-se para os limites ao crescimento - como um fator importante a ser considerado na definição de políticas públicas -, e os problemas de incorporar esses aspectos da valoração monetária. Está mais claro que a economia ecológica não é tão aberta a essa perspectiva de colocar um preço acima de qualquer coisa ou de basear-se apenas no comportamento dos atores econômicos. A economia ecológica tem outras formas de expressar a importância da natureza e do comportamento dos indivíduos. Ela o faz de forma diferente da economia simples, bruta, tem capacidade de expressar. É uma perspectiva diferenciada que acredito ter ressonância na sociedade brasileira e é por isso que tivemos sucesso em criar uma sociedade que hoje em dia reúne especialistas no país inteiro (a EcoEco, fundada em 1993).

ComCiência: Em termos de políticas públicas voltadas para a economia ecológica no Brasil, o que mais marcou o cenário nacional nos últimos tempos?

May: A coisa mais importante que ocorreu no país foi o surgimento do preceito de compensação, ou pagamento para serviços ecossistêmicos, que é um conceito originário da economia ecológica. É a utilização da noção de capital natural e sua aplicação na definição de instrumentos econômicos que possam esclarecer para a sociedade sobre a importância desses recursos naturais, a permanência da vida, a estabilidade, a sobrevivência desses fatores.

ComCiência: Como podemos pensar o conceito de economia ecológica em um cenário marcado pela caracterização do Brasil como país emergente e pela priorização de incetivos como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)?

May: O Brasil não deve, necessariamente, obedecer a mesma corrente dos Estados Unidos e dos países mais desenvolvidos para utilização de recursos naturais com vistas a alcançar metas de crescimento. O modelo desenvolvimentista, que é obedecido pelos governos do Brasil, não é uma novidade. Acho que o PT é particularmente assíduo da política de desenvolvimento voltada a expandir as fronteiras, a utilizar os recursos naturais o mais rápido possível para acelerar o crescimento. E a economia ecológica tem uma postura de maior precaução. Ela segue os preceitos da Carta da declaração da Rio 92, cujo princípio de precaução deve ser obedecido, mesmo quando não se tem certeza sobre os fatos, (quando não foram) cientificamente comprovados ou quando os danos são superiores aos benefícios. Além disso, desenvolvimento não é a mesma coisa que crescimento, existe aí uma confusão.

ComCiência: Como lidar com a questão da economia verde diante da descoberta das reservas de pré-sal no país, com as maiores reservas de gás e petróleo, que são combustíveis fósseis e poluentes?

May: O Brasil tem visto esses novos recursos como uma forma para fortalecer esse caminho de desenvolvimento acelerado e os incorpora, politicamente, como uma forma de desculpa para que todos sejam beneficiados. São formas de direcionar essa oportunidade e de fundir o desenvolvimento com o crescimento – há confusão sobre os termos (como dito anteriormente). Isso é politicamente muito inteligente porque desconsidera a preocupação com os aspectos ambientais, relegando-os a soluções técnicas futuras. Mas não se sabe, realmente, se os problemas futuros serão superáveis com a continuidade do uso de combustíveis fosseis. É particamente consensual que em algum momento devemos fazer uma transição para outras formas de energia. E o próprio Brasil tem ideias para fazer isso, melhor do que a grande maioria dos países. Não podemos deixar isso de lado em prol desse movimento momentâneo.

ComCiência: O conceito de desenvolvimento sustentável já está bastante difundido na sociedade. A reunião da Rio+20 se concentra no debate em torno do conceito de economia verde. O que este novo conceito agrega ao debate ambiental e que não era contemplado pelo conceito do desenvolvimento sustentável?

May: Acho que a sustentabilidade é um conceito que realmente ficou muito bem sedimentado, embora ele ainda continue com essa noção vaga sobre obrigações práticas de cada um, dos governantes e dos empresários etc. A "responsabilidade para a sustentabilidade" está em um nível de elaboração do conceito muito superior, algo que nem poderíamos imaginar na época do Brundtland Report (relatório escrito em 1987 pela Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, no qual o termo "desenvolvimento sustentável" foi cunhado). Se a economia verde vai superar essa noção vaga, é algo questionável. De fato, não é novidade nenhuma, pois é um dos pés do tripé para a incorporação dos fatores negativos dentro da economia. É reconhecer os custos e os benefícios dentro da contabilidade nacional, global, e eliminar subsídios nocivos, uma série de coisas que já estão bem presentes em tudo que já foi feito até então. Agora se o novo conceito vai ser forte o suficiente para levantar uma nova bandeira, é isso que temos que ver. Esse conceito está sendo muito palatável para as empresas. Certamente, os movimentos socioambientais não estão nem aí com esse conceito.

ComCiência: Não é também uma forma de marketing das empresas detentoras das tecnologias verdes e que querem ampliar seus mercados para países em desenvolvimento ou emergentes, como o Brasil, como no caso das tecnologias para produção de energias alternativas?

May: Com relação a energia eólica, o Brasil já tem seu próprio parque industrial e está em vias até de exportar. Em termos de produção da base tecnológica, o país já avançou bastante. Por outro lado, obviamente existem muitas dessas tecnologias que são licenciadas e dominadas fora do país, aliás, essa é uma das acusações dos que contradizem o conceito de economia verde dizendo que isso é mais uma forma de dominação. Se houver a necessidade de comprar tecnologias desenvolvidas no Norte vamos nos sujeitar, cada vez mais, a esse controle externo.

Eu, pessoalmente, tenho a perspectiva dos pensadores da economia ecológica de que os direitos de propriedade intelectual sobre essas tecnologias devem ser completamente livres. É um tiro no pé licenciar, controlar e dominar. Há uma tendência de liberar essas tecnologias de alguma forma. Deve haver determinação dos advogados da economia verde, pois é algo que deve ser investigado com mais cuidado.

ComCiência: Precisa haver uma quebra do paradigma do modelo de economia atual para termos uma economia verde atuando de modo ideal?

May: Não com o atual conceito de economia verde. Economia verde é uma maquiagem. É uma distinção do que se tem agora, ou seja, de querer eliminar efeitos da economia que causam distorções. Ainda se acredita no conceito da economia pura e de mercado como o instrumento mais eficiente que vai resolver os problemas. E nós, os economistas ecológicos, não temos essa perspectiva. Devem existir formas de intervenção, um controle mais eficaz do que o instrumento econômico, que tenta mexer com o mercado.

ComCiência: Qual seria hoje a nação que pratica uma economia mais próxima a uma economia verde ideal?

May: Acabo de receber um email do meu colega Joshua Farley que foi para Butão com o Robert Constanza, eles estão fazendo assessoria ao primeiro ministro de Butão, que é o país que adotou o conceito de Felicidade Interna Bruta de sua sociedade como um indicador. É interessante. Eles estão tentando aprofundar isso sobre toda a economia, que é uma economia pequena, muito subdesenvolvida, mas que, ao invés de se preocupar puramente com o crescimento, está se preocupando com outros valores. Não diria que o Butão deveria ser o nosso modelo, mas é interessante absorvermos essas lições. É um pouco difícil imaginarmos que a China ou o Brasil vão emular esse modelo.