O que é um drone?
A presença dos drones na vida das pessoas é uma realidade cada vez mais concreta. Crianças têm brinquedos que representam drones, embora prefiram pilotar elas mesmas. Mas é necessário adaptação, conta a história humana: o conceito de conduzir algo a distância, sem ver o objeto que está sendo controlado, ao que parece, as crianças adquirem mais tarde. De qualquer modo, tente não estranhar muito se você estiver na casa de um amigo e a pizza chegar voando!
O termo drone é o que acabou ficando gravado na mente das pessoas, indicando um conceito que ainda está sendo trabalhado pela mídia. O adulto, dependendo da sua cultura, parece que já entende que um objeto pode ser controlado a distância, mesmo que os olhos do controlador não consiga vê-lo. Quem puder assistir ao filme Intereslelar (2014), dirigido por Christopher Nolan, poderá encontrar um bom exemplo de drone1 em operação, além de se preocupar mais com o futuro do planeta, é claro!
A nomenclatura, como toda aquela associada a eventos sociais e ambientais que chegam em grande velocidade, apresenta variações. Veículo aéreo não tripulado é um termo genérico que se divide em aeronave remotamente pilotada e aeronave programada para voar sem a intervenção de uma pessoa. Assim, até hoje, o conceito que mais se liga a drones é veículo aéreo não tripulado. Com o passar do tempo, o conceito generalizado acaba enquadrando os objetos com seus respectivos eventos; ao que parece, drone será mesmo um veículo aéreo não tripulado, independente de possuir hélices que produzem um zumbido, do tipo de carga que transporta, se é destinado à recreação ou não. Nos filmes e para as pessoas, serão drones.
A legislação terá a difícil missão de definir juridicamente esses aparelhos que voam sem pilotos, até mesmo porque muitas demandas judiciais surgirão com o aumento da presença deles no ambiente urbano ou rural. Convém que tudo isso seja feito logo, inclusive com o estabelecimento das respectivas responsabilidades e direitos.
Existem diversos usos para os drones e em cada um deles podem ser encontrados direitos que podem ser violados, direitos de usos e responsabilidades. Neste artigo serão analisados alguns desses usos, considerando que não se pretende esgotar o assunto.
Uso militar de drones
O uso militar é o mais permissivo de todos, ou seja, é o menos regulado internamente nos países. O teórico início do uso desses veículos em missões militares data de 1953, quando os Estados Unidos buscaram espionar outros países. Onde foram usados, ainda é uma incógnita, é um segrego militar. Para refletir, comparando 1953 a 2016, observa-se a seguinte manchete que tem circulado nos dias atuais pelo mundo: “Obama confirma morte de líder talibã em ataque de drones”.
Também é um segredo militar o que os drones conseguem executar militarmente, como o tempo de permanência no ar sem a necessidade de manutenção ou carregamento, o potencial bélico e o poder de captação de imagens e sons. Essa permissibilidade é essencialmente jurídica: no âmbito interno a um país, trata-se da aplicação do princípio da segurança nacional, e no plano internacional do direito de defesa da soberania das nações, que toda nação possui.
A aplicação do princípio da segurança nacional, quando se trata de interferência externa, é bem aceita pelas pessoas, pois todos querem viver em um país seguro. Esse princípio é, também, um apelo a uma das mais atuais necessidades humanas, qual seja a segurança. Uma provável violação de direitos em relação à interferência de um país em outro empregando drones seria uma ação militar que violasse direitos humanos. Muitas discussões surgiram disso nos últimos tempos, e as cortes internacionais foram acionadas para tentar solucionar esses impasses. O maior vilão nesses casos, se é que pode assim ser considerado, são os Estados Unidos, talvez por dispor de melhor tecnologia para os drones. A intervenção militar americana na Líbia sob o regime de Muammar Kadafi, além dos ataques na Somália e no Paquistão, são alguns exemplos recentes.
Em 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) discutiu questões sociológicas e éticas relacionadas ao uso de armas autônomas, ou, como estão sendo chamados, “robôs assassinos”. A questão básica é até que ponto um sistema autônomo poderia tomar a decisão de matar. A Convenção de Genebra, de 1980, conhecida como Convenção sobre Certas Armas Convencionais, ao que parece, está precisando ser atualizada. O referido tratado se assenta sobre o emprego de certas armas convencionais, que podem ser consideradas como excessivamente lesivas ou geradoras de efeitos indiscriminados, o que por si só já resulta em uma gama diversa de dúvidas e discussões.
No âmbito interno, o uso militar de drones sob os auspícios da segurança nacional também é quase ilimitado, talvez um pouco mais controlado juridicamente pela proximidade da proteção constitucional e de normas infraconstitucionais. Nesse diapasão, ao mesmo tempo em que permanecem os direitos individuais, difusos e coletivos, o direito de proteger a nação Brasil se sobrepõe, liberando os drones para agirem. Não que essa permissividade no uso dos drones esteja absolutamente errada, mas o que está sendo dito é que isso deveria ser bem avaliado juridicamente. Se os drones forem usados no combate à corrupção, parece que está tudo bem. É possível perceber que um direito maior e emergencial se sobrepõe aos direitos individuais? Uma das origens desse direito maior é o consenso entre as pessoas. Que venham os drones!
Assim, o futuro do uso militar dos drones é uma incógnita no plano internacional e no âmbito brasileiro. Os discursos jurídicos que avocarão o uso militar dos drones terá a consistência da defesa de um bem maior que os bens individuais das pessoas, ou seja, a defesa de um ente nacional. Por outro lado, os discursos jurídicos que se alinharão ao controle do uso de drones na esfera militar terão como uma das suas principais bandeiras o argumento da liberdade. De tudo isso, algo pode ser inferido: quanto mais a população aumentar, mais controle terá que ser realizado, quer no âmbito interno ou externo de um país, pois os conflitos aumentam em proporção ao aumento populacional. Talvez se possa tentar formular uma breve equação: mais gente = mais necessidade de controle = mais drones.
Uso civil de drones
Enquanto o uso militar de drones está amparado pelo princípio da segurança nacional e pelo direito de defesa da soberania das nações, no plano civil, quem dita as normas é, essencialmente, a defesa da vida, a preservação ambiental, a proteção da propriedade e a economia. Esses são os principais argumentos sociais e jurídicos usados para permitir o uso de drones na sociedade civil. Dizem que Santos Dumont (1873–1932) ficou muito deprimido ao saber que sua principal invenção, o avião, poderia ser usada para fins destrutivos e mortais; talvez aconteça o mesmo com o idealizador do drone.
A defesa da vida
Os drones podem ser usados para monitorar o trânsito, aumentando a segurança e o conforto dos motoristas e dos passageiros, mas também pode servir para orientar ambulâncias e viaturas policiais na soltura de um refém. Por outro lado, essas mesmas aeronaves podem servir para guiar ações de criminosos na escolha de rotas de fuga.
Com o aumento das doenças urbanas modernas, dengue e zika vírus, por exemplo, os drones podem ser empregados para monitorar e mapear focos dos mosquitos transmissores dessas doenças. É um bom uso, e ninguém discute isso, mas será que essa “moeda” não tem outro lado? Facilmente pode ser imaginada uma família no quintal de sua casa curtindo o sol de domingo, com sua merecida intimidade sendo violada.
A proteção ambiental
Na atualidade, a questão ambiental tem fortes argumentos para autorizar o uso de drones. Eles podem ser usados na prevenção de incêndios florestais, na vigilância de desmatamentos e no controle de desastres, como o recente caso de Mariana, em Minas Gerais. A ausência de pessoas por perto, ou seja, a menor possibilidade de violar direitos individuais faz com que o uso de drones seja mais aceito. Mas a outra “face da moeda” também está aqui presente: o que impediria o desmatador criminoso de usar essas aeronaves para saber da chegada das autoridades?
A proteção da propriedade
Os drones podem ser usados para proteger a propriedade rural ou urbana. No caso da primeira, poucos direitos poderiam ser ameaçados, em uma análise inicial, mas nas cidades, direitos colidirão facilmente. Provavelmente, uma pessoa não gostaria de ser filmada na intimidade da sua casa, até mesmo através de uma janela.
A economia e o consumo
Em 1997, chegou às telas o filme O quinto elemento, uma produção francesa dirigida por Luc Besson. Esse diretor já tinha visualizado um futuro onde a entrega de comida seria através de uma aeronave, somente não tinha previsto que isso aconteceria sem a presença de um piloto a bordo. Hoje, tão pouco tempo depois, os drones são “cotados” como empregadores de pizzas e demais comidas que possam carregar. A “briga”, no caso das relações de consumo e entre consumidores, ao que parece, se dará entre o direito de “receber a comida voando” ou por uma via convencional, esta última com menores riscos de violar direitos.
Responsabilidades
O emprego de drones é uma realidade, porém é necessário estabelecer claramente as responsabilidades dos envolvidos, ou seja, dos fabricantes, dos comerciantes e dos usuários. Os fabricantes sofrerão a pressão do Código de Defesa do Consumidor (CDC), além de normas específicas de segurança dos órgãos reguladores de cada país. Aos comerciantes, caberá também a ação do CDC e, talvez, a responsabilidade de vender certos tipos de drones a pessoas legalmente habilitadas. Aos usuários, caberá o uso consciente, inclusive em relação às crianças; um carro é mais ou menos perigoso que um drone nas mãos de uma criança?
Direitos
Em qualquer dos casos analisados acima como exemplos norteadores dessa discussão, estão envolvidos direitos. Assim, observa-se que estão presentes direitos que poderiam limitar o uso de drones, como os individuais (por exemplo, direito à privacidade ou dignidade humana), coletivos (por exemplo, direito a atividades religiosas) e soberania nacional. A violação desses direitos pode resultar em danos morais e materiais, dependendo de cada caso; também será considerado se o ato do agente será doloso ou culposo, muito a semelhança do que ocorre nas questões de trânsito.
Por outro lado, existem direitos que autorizariam o uso dessas aeronaves, representados por aqueles que visem garantir a vida humana, um meio ambiente saudável, a propriedade, a segurança ou o direito de consumo e comércio.
Considerações finais
Com certeza esse assunto será motivo de muita discussão social, técnica e jurídica, e este breve texto se apresenta, apenas, como uma contribuição em linguagem acessível. As mudanças tecnológicas têm se mostrado rápidas e cabe às normas legais acompanhar tudo isso; por outro lado, cabe aos magistrados se atualizarem frente a essa tecnologia, assim como aos políticos e educadores prepararem os membros da sociedade para esses eventos.
Se for possível visualizar as mudanças sociais, tecnológicas e jurídicas, com um olhar nos drones, poderia ser dito que os direitos individuais estão, cada vez mais, dando lugar aos direitos coletivos e individuais indisponíveis. Com base nessa visão, os drones ganharão espaço, diminuindo certos direitos humanos. O quanto esses direitos serão diminuídos? O que essa diminuição representa para o ser humano?
Anselmo José Spadotto é advogado, professor de direito ambiental, direitos difusos e coletivos na Uninove, e professor no curso de engenharia ambiental da Unesp. Tem pós-doutorado em linha de pesquisa com interface jurídico-ambiental. Email: anselmospadotto@gmail.com.
Para saber mais:
Spadotto, A. J. “Análise jurídica e ambiental do uso de drones em área urbana no Brasil”. Revista de Direito da Cidade, v. 08, n. 2, p. 611-630, 2016. Disponível em: <file:///C:/Users/Anselmo/Downloads/21809-73206-1-PB%20(1).pdf>. Acesso em: 20 maio 2016. DOI: 10.12957/rdc.2016.21809.
1 Aqui o termo drone está sendo aplicado em sentido geral.
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