No mês de junho de 2008 mais de 400 pessoas reuniram-se na cidade de Toronto, no Canadá, com uma única finalidade: discutir a atuação dos centros e museus de ciência no presente e no futuro. Pensando nessas instituições como agentes de mudança social, representantes de museus de mais de 55 países diferentes puderam, no 5º Congresso Mundial de Centros de Ciências, trocar experiências e vislumbrar possibilidades para uma atuação cada vez mais efetiva na divulgação e popularização da ciência e na realização de ações educativas que estimulem a criatividade, a capacidade inovadora e transformadora de seus cidadãos. Foi uma semana intensa, com palestras, debates, workshops, apresentações e reuniões, culminando com a divulgação da Declaração de Toronto1, que estabelece considerações e traça parâmetros e objetivos conjuntos para a atuação dos centros e museus de ciência nos próximos anos.
A Estação Ciência, representada no evento, é certamente uma das instituições que tem muito a contribuir nesse contexto em nosso país. A primeira razão para isso é o seu pioneirismo e seus 21 anos de trajetória com inúmeras exposições e atividades educativas. Inaugurada em 1987, sob a coordenação do CNPq, a Estação Ciência é fruto da conjunção de muitas lutas e esforços, individuais e coletivos, principalmente em duas frentes. A primeira, pela necessidade de o Brasil contar com um centro de ciências, tal como já vinham surgindo em diversos países. E a segunda, mais local, pela preservação dos galpões localizados na região da Lapa (em São Paulo), os quais abrigam desde então a Estação Ciência, com a proposta de um uso cultural do espaço. Três anos depois da inauguração, a Universidade de São Paulo (USP) assumiu a administração da Estação Ciência como um dos órgãos de sua Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária. Dessa época inicial até hoje, muitos desafios vêm sendo enfrentados e muitas lições aprendidas, cabendo aqui compartilhar essa experiência.
Exposições: interatividade e temáticas Certamente, um dos grandes focos da equipe da Estação Ciência sempre foi a concepção de seu espaço expositivo. Ainda que durante todos esses anos tenha se mantido o pilar das exposições interativas, percebe-se que o conceito de interatividade é amplo e precisa ser melhor discutido e compreendido em cada momento específico.
Hoje discute-se, por exemplo, o “boom” que houve no final dos anos 1990 com a instalação de computadores nos espaços expositivos de diversos centros de ciências ao redor do mundo, jogando boa parte da interatividade para simples cliques nos mouses e navegação em softwares interativos, em detrimento dos clássicos experimentos e objetos manipuláveis fisicamente, com funcionamento mecânico e elétrico. O que na época pareceu uma grande modernização desses espaços, hoje em dia parece já não fazer tanto sentido, uma vez que com o crescente aumento do acesso a computadores e à própria internet, o público já não tem a necessidade de se deslocar até um museu para utilizar um software interativo, a menos que este esteja devidamente contextualizado, complementando atividades e exposições com equipamentos e experimentos que permitam manipulação e observação do mundo real.
Outro exemplo, corresponde aos temas abordados, com um aumento no espaço dedicado a novas temáticas (ecologia, aquecimento global, genética) que ganham espaço equiparável às “clássicas” (física ou matemática), e a exposições e atividades que proporcionem a mistura de temáticas, uma vez que nós e o mundo em que vivemos correspondem a um verdadeiro emaranhado de assuntos que interagem entre si.
Essa mescla, com a introdução de temas do dia-a-dia nas exposições interativas, favorece possibilidades de ampliação dos espaços expositivos (e atividades associadas a eles) por meio de patrocínios privados, em que empresas possam, por exemplo, divulgar processos de fabricação de seus produtos ou fenômenos físico-químicos envolvidos. No entanto, há que se tomar muito cuidado: o que parece ser a grande solução para um problema quase crônico – a escassez de recursos para divulgação científica – pode ser uma armadilha. Abundam empresas que buscam alterar a percepção de fatos ou detalhes negativos de suas atuações, por meio da associação de suas marcas com a credibilidade de um centro de ciências, especialmente quando associada à “marca” de uma universidade de renome. Por isso, parcerias com entidades privadas são importantes, mas requerem avaliação profunda e criteriosa, caso a caso, a fim de garantir total rigor científico e imparcialidade nas informações apresentadas.
Público: linguagem e atendimento Fazendo o elo entre a concepção de exposições e o entendimento de interatividade, chega-se ao questionamento sobre quem é exatamente o público de um centro de ciências como a Estação Ciência, e também sobre quem não o é ainda, mas que é desejável que seja. Todo o tipo de público é desejado, mas a ênfase deve ser dada a crianças e jovens a fim de despertar neles a curiosidade e o prazer da descoberta científica e do desenvolvimento tecnológico.
O tipo de atuação do público, hoje em dia, é bastante diferente de uma realidade encontrada anos atrás. Os novos apetrechos tecnológicos, como celulares, internet (especialmente ambientes como Orkut, Youtube, MSN messenger, blogs, flogs e Twiter) vêm modificando a visão dos mais jovens, e consequentemente sua relação com ambientes museológicos, não apenas em termos de interatividade, mas também de linguagem: tamanho e estilo dos textos devem ser adaptados para conversar melhor com este público, que já não está disposto a passar um dia inteiro lendo textos longos e muito formais em painéis impressos. Espera-se algo mais provocador, sensorial, multimídia e objetivo e que não necessariamente explique tudo ao visitante – ao contrário, que provoque dúvidas, desperte a curiosidade e a vontade de observar mais e buscar estratégias para encontrar respostas.
O atendimento por meio de monitores aos visitantes é outro elemento que tem papel de destaque nessa situação de reinvenção dos centros de ciência. Fundamental no trabalho educativo dessas instituições, a equipe que cuida do atendimento aos visitantes e de como mediar sua relação com as exposições, encontra-se constantemente numa encruzilhada. Se por um lado a proposta é a de estimular a curiosidade dos visitantes e deixar que explorem o espaço e as exposições de acordo com seus interesses, por outro lado, também é importante para a maioria do público proporcionar a mediação com o espaço expositivo por meio de monitores que instiguem, estimulem, ou mesmo que forneçam suporte para aqueles que têm dúvidas ou dificuldades na exploração, experimentação e reflexão. A presença de um número elevado de visitantes simultaneamente é outra situação importante que requer desenvoltura e habilidade dos monitores para conduzir os grupos pelo espaço físico, de forma a minimizar conflitos e maximizar a exploração das possibilidades de interação com os diferentes espaços expositivos.
Quando se trata de linguagem e atendimento ao público, é fundamental destacar a questão da comunicação em geral, e a necessidade de uma adequada interlocução com a imprensa para a divulgação de temas científicos. O centro de ciência pode e deve prover a imprensa com o suporte necessário, em termos de linguagem e em muitos casos em termos visuais, para divulgar e esclarecer temas pautados no cotidiano, tais como terremotos, umidade do ar e aquecimento global.
Ações e disseminação de boas práticas educativas Além das exposições e visitação acompanhadas por monitores, a fim de exercer seu papel de centro irradiador de boas práticas para educação em ciências, a Estação Ciência disponibiliza diversos materiais de apoio e desenvolve uma série de ações e projetos educativos.
A Experimentoteca, iniciada por meio de parceria com o Centro de Divulgação Científica e Cultural (CDCC) da USP, corresponde a um acervo de kits para realização de experimentos que podem ser emprestados para os professores. A meta é tanto o apoio à atividades de formação dos professores da educação básica, quanto às possibilidades de aplicação desses kits em sala de aula. O acervo inicial foi ampliado por meio de desenvolvimento conjunto com diversos colaboradores da USP e da Unesp, com o apoio do CNPq, Fapesp, Finep.
O laboratório virtual2, que conta atualmente com apoio da Fapesp, corresponde a um arranjo de animações e simulações interativas de situações e experimentos científicos disponibilizados no ambiente expositivo e também na internet.
O projeto Clicar, fruto da parceria com a ONG Cepeca e atualmente com o apoio da Petrobrás e Intel, atende crianças e adolescentes em situação de risco, proporcionando inclusão social por meio da inclusão digital. Este projeto inclui também atividades voltadas à iniciação ao mundo digital específicas para a terceira idade.
O projeto Mão na Massa, em parceria com a Academia Brasileira de Ciências, a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo e a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, é uma ação de formação de professores do ensino fundamental para uma nova concepção em ensino de ciências com ênfase na experimentação.
Além disso, a Estação Ciência realiza em parceria com diversas entidades, palestras, seminários, eventos, mostras e espetáculos teatrais em temáticas científicas e/ou tecnológicas.
Todas essas ações e projetos, ainda que já realizadas inúmeras vezes por equipes experientes, carecem de constante aprimoramento e atualização por meio da interação com equipes de outros centros e museus de ciências para que possam sempre responder aos novos anseios e necessidades educativas e sociais. Daí, a grande importância da Declaração de Toronto, para que os centros e museus de ciências possam não só trocar experiências, mas intensificar o desenvolvimento de atividades e ações conjuntas a fim de aprofundar, aperfeiçoar, ampliar, e intensificar suas atuações.
Michel Sitnik é assessor de comunicação da Estação Ciência e docente no curso de comunicação social das Faculdades Montessori. É graduado em comunicação social, e especialista em gestão da comunicação.
Roseli de Deus Lopes é diretora da Estação Ciência desde fevereiro de 2008, foi vice-diretora na gestão anterior (2006-2008). Também é docente da Escola Politécnica da USP e coordenadora geral da Febrace (Feira Brasileira de Ciências e Engenharia).
Notas
1 A Declaração de Toronto, assinada pelos participantes do 5 o Congresso Mundial de Centros de Ciências, está disponível na internet para consulta, comentários e novas assinaturas virtuais: www.5scwc.org. 2 O Laboratório Virtual da Estação Ciência pode ser acessado através do site www.eciencia.usp.br
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