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Artigo
Lixo rural: do problema à solução
Por Moacir Roberto Darolt
10/02/2008

Quem vive no espaço urbano pode ter a falsa impressão de que no meio rural, que concentra apenas cerca de 19 % da população1, o problema do lixo é insignificante. Como veremos a seguir, os resíduos da produção vegetal e animal podem gerar uma quantidade de lixo muito significativa. Todavia, parte considerável do problema pode virar solução no dia-a-dia da propriedade.

Dados do IBGE2 mostram que o trabalho de coleta de lixo na área rural ainda é insuficiente, atingindo apenas 20% dos domicílios brasileiros. E ntre as famílias residentes nas áreas rurais, 60,6% não contam com serviços de abastecimento de água e cerca de 80% informam não dispor de serviços de coleta de lixo. No início dessa década 52,5% do lixo do meio rural era enterrado ou queimado. A realidade mostra que o lixo rural tem coleta cara e difícil o que leva os agricultores a optarem por enterrá-lo ou queimá-lo.

O que se encontra no lixo rural

O lixo pode ter composição extremamente variada, dependendo basicamente da natureza de sua fonte produtora. Além de suas origens, o lixo também varia qualitativa e quantitativamente com as estações do ano, com as condições climáticas, com os hábitos e o padrão de vida da população. Em suma, podemos dizer que “os resíduos sólidos representam o fiel retrato da sociedade que os geram”, e quando expostos nas vias públicas ou nas propriedades rurais, mostram o nível de competência das pessoas ou empresas responsáveis por sua administração. Um aspecto interessante é que nas propriedades orgânicas que recebem um selo de certificação, uma disposição inadequada do lixo pode causar a perda do credenciamento junto à entidade certificadora.

Além de todos os tipos de lixo normal, que incluem a matéria orgânica do dia-a-dia, restos de alimentos, o material reciclável (vidros, latas, papel e plásticos), entre outros mais comuns, alguns tipos não despertam cuidados e podem causar sérios danos ao ambiente da propriedade, por conter elementos químicos na forma iônica que são absorvidos e acumulados pelo organismo. São elementos presentes nas pilhas e baterias, que lança níquel e cádmio no ambiente; nas lâmpadas que possuem mercúrio, um metal pesado e tóxico que pode contaminar solos e a água; nas pastilhas e lonas de freios, que contêm amianto e se acumula nos pulmões; nos adubos químicos, que são ricos em fósforo; nas embalagens de agrotóxicos e produtos veterinários, além de dejetos de animais com especial atenção para suínos e aves.

Embalagens de agrotóxicos: recolhimento virou lei

O Brasil ainda é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo. A preocupação com o descarte inapropriado das embalagens levou o governo a criar uma lei3 que estabelece normas para recolhimento das embalagens, envolvendo não só o usuário, mas também o fabricante.

As embalagens de agrotóxicos recolhidas no programa coordenado pelo Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (Inpev) podem ter dois destinos. As que não são laváveis (como sacos plásticos e caixas de papelão) são incineradas e o restante do material coletado é reciclado. A maior parte desse lixo tóxico já está sendo reciclada e vira matéria-prima para produtos como cordas, conduítes corrugados, madeira plástica, sacos plásticos para lixo hospitalar, embalagens para óleo lubrificante, barricas e tampas para embalagens de defensivos agrícolas.

Um dos maiores entraves para os produtores cumprirem a legislação é o transporte do material até os postos de coleta, em função das distâncias, condições das estradas e falta de estrutura de armazenamento adequada nas propriedades. Informar o produtor sobre como diminuir ou eliminar o uso desses produtos é um outro grande desafio ambiental.

Dejetos de animais: problema de contaminação da água

A falta de tratamento adequada à grande quantidade de dejetos produzidos, sobretudo na suinocultura, é justamente um dos graves problemas que a intensificação da produção trouxe para o meio ambiente e à própria sociedade. Segundo dados da Empresa de Pesquisa e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri) a poluição do meio ambiente na região produtora de suínos é alta. Enquanto para o esgoto doméstico, o DBO (Demanda Bioquímica de Oxigênio) é de cerca de 200 mg/litro, o DBO dos dejetos suínos oscila entre 30 mil e 52 mil mg/litro, ou seja, um aumento em torno de 260 vezes. Além disso, um suíno produz cerca de 2,5 mais dejetos do que um ser humano.

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Dejetos de suínos ao ar livre

Um fato preocupante em nível nacional, para as próximas décadas, é a tendência de concentração de produção de carne suína em mercados de países em desenvolvimento como o Brasil. Os países desenvolvidos já não querem mais arcar com o ônus da poluição ambiental. Preferem instalar suas empresas em países com uma legislação ambiental pouco fiscalizada e importar o produto acabado. Para se ter uma idéia, o estado do Mato Grosso deve chegar a um rebanho suíno de 3 milhões4 de cabeças em 2010. Da mesma forma como o tratamento de esgoto humano é urgente no meio urbano, o tratamento de dejetos de suínos deve receber o máximo de atenção no meio rural, em função do volume produzido e potencial poluente.

A energia e criatividade que vem do lixo

O lixo rural também pode ser fonte de energia elétrica (leia reportagem nesta edição da ComCiência), tornando o produtor auto-suficiente. Com o biodigestor, o produtor rural pode transformar os dejetos de suínos, de aves e de bovinos em alternativa energética (gás metano), além de obter um excelente adubo orgânico (biofertilizante).

A matéria-prima mais utilizada no biodigestor, o esterco animal, pode ser reciclado dentro da propriedade. Outros tipos de compostos orgânicos também podem ser utilizados, tais como: restos de cultura, capins, lixos residenciais e de agroindústrias.

O uso do biodigestor permite dar novo destino ao esterco recolhido, que muitas vezes é lançado nos rios ou armazenado em locais não apropriados. Desta forma, além de produzir energia e biofertilizante, o produtor melhora o saneamento da propriedade, erradicando o mau cheiro, a proliferação de moscas e diminuindo a poluição dos recursos hídricos.

Para se ter uma idéia uma produção diária de 50 kg de esterco pode gerar cerca de 91 m 3 /mês de gás, equivalente a 2,8 botijões de GLP por mês ou 33 botijões/ano5. Caso a produção de biogás fosse convertida em eletricidade (5,5 kWh/m3 biogás), resultaria em 505 kWh/mês, correspondente a um valor de R$ 267,00/mês.

Vale lembrar que a construção do biodigestor é simples e tem mostrado bons resultados em substituição ao gás derivado do petróleo. O entrave maior está na necessidade de investimentos iniciais elevados para a distribuição do gás, visto que a maioria das residências rurais ainda não possui instalações internas para o gás canalizado.

Vários tipos de rejeitos ou subprodutos agroindustriais, quer sejam sólidos, líquidos ou gasosos, também podem ser utilizados como combustível. Até o momento, tem-se relato da utilização de subprodutos de laticínios, como o lodo anaeróbio, o soro, a gordura, e uma massa pastosa (quase idêntica ao iogurte). Além disso, a agroindústria da cana no interior de São Paulo já vem queimando subproduto de bagaço de cana para suprir a demanda energética das indústrias.

Outra alternativa é o aproveitamento dos restos de culturas para agregar valor, como é o caso, por exemplo, da fibra da bananeira e da cana utilizadas como matéria-prima na fabricação de papel. No artesanato, entre diversas opções, a palha da bananeira tem se destacado na fabricação de sacolas, abajures e jogos para mesa. Na horticultura, a fibra reciclada do fruto do coco tem se mostrado como um substituto altamente satisfatório para o xaxim, espécie ameaçada de extinção, no cultivo de mudas de hortaliças, flores e plantas ornamentais.

Coleta seletiva, reciclagem e consumo consciente: solução inteligente

O melhor meio para o tratamento do lixo ainda é a coleta seletiva, por meio da separação, nas propriedades, em categorias como vidro, papel, metais e lixo orgânico. Ao material orgânico pode ser aplicado o processo de compostagem (decomposição da matéria orgânica) ou a vermicompostagem (uso de minhocas na decomposição e produção de húmus) em que o produto final pode ser aproveitado como adubo orgânico.

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Alfaces plantadas no mesmo dia com húmus de minhoca.
Esquerda (sem húmus) e direita (com húmus)

Algumas ações pioneiras mostram que o ideal é orientar os agricultores, por meio de um trabalho de educação ambiental, para reciclar a matéria orgânica na sua propriedade. Além disso, postos de reciclagem para a destinação e controle das embalagens de agrotóxicos e produtos veterinários, devem ser viabilizados para facilitar a coleta.

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Vermicompostagem: Uso de minhocas na reciclagem de lixo orgânico

As novas estratégias para gestão de resíduos sólidos implicam numa mudança radical nos processos de coleta e disposição de resíduos. Os novos sistemas de tratamento de lixo devem ter como prioridade a montagem de um sistema circular, onde a quantidade de resíduos a serem reaproveitados dentro do sistema produtivo seja cada vez maior e a quantidade a ser disposta no ambiente cada vez menor, bem como uma diminuição dos resíduos produzidos nas fontes geradoras.

Para finalizar, é preciso que o consumidor consciente esteja cada vez mais atento ao que acontece no ambiente rural, conhecendo e obtendo informações sobre o alimento desde a sua produção até o momento de chegar a sua mesa. Uma das maneiras é verificar se o produto tem algum “selo de certificação”, como os orgânicos, por exemplo. Ser um consumidor cidadão é escolher um produto de menor impacto ambiental, ajudando na solução do problema do lixo.

Moacir Roberto Darolt é doutor em meio ambiente pela Universidade Federal do Paraná e Universidade de Paris 7. Atua como agrônomo e pesquisador no Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR). Contato: darolt@iapar.br


Notas de rodapé

1 IBGE. Censo Demográfico de 2000. Disponível em www.ibge.gov.br
2 IBGE. Pesquisa de Orçamentos Familiares (2002-2003). Disponível em www.ibge.gov.br
3 Lei n.9.974/00
4 Estimativa do Instituto de Defesa Agropecuária do Estado do Mato Grosso (INDEA-MT).
5 Estudo realizado na Estação Experimental da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola - Jaguarari (BA). Quadros, D.G.; Valladares, R.; Regis, U. Aproveitamento dos dejetos de caprinos e ovinos na geração de energia renovável e preservação o meio ambiente. UNEB/EDBA, 2007. Disponível em
http://www.capritec.com.br/pdf/ProfDanilo_UNEB.pdf