O que são direitos? Os direitos podem ser examinados sob o ponto de vista legal ou sob o ponto de vista ético. Nós podemos falar em direitos legais, direitos naturais e direitos morais.
O elo. De Milton Ximenes Lima
Sob o aspecto legal direito é um conjunto de normais sociais obrigatórias criadas para regular as relações sociais, estabelecendo uma ordem jurídica. Essas regras são criadas pelo Estado, portanto, por aqueles que estão no poder. No Brasil, a Constituição adotou a democracia direta e indireta, portanto, o povo tem a faculdade de opinar na elaboração das leis. Nesse sentido o direito é consuetudinário, legislativo e caracteriza a fonte das regras de uma sociedade. Aqui, o direito de um corresponde à obrigação de outro. Tem como princípios a coercibilidade, a sociabilidade e a reciprocidade. Existe um sujeito de direito e um titular de uma obrigação.
A expressão “direito natural” pode indicar a fonte ou o fundamento do direito. Nasceu com a doutrina jusnaturalista, e muitos a julgam ultrapassada. O direito moral é aquele que se preocupa com o que é justo ou injusto, certo ou errado. Podemos dizer que o direito é o ideal do justo, aqui entendido como justiça social e planetária. A obrigação de uma reta conduta foi herdada das tradições religiosas de Buda, Moisés e Jesus. Para outros a noção de direito já está em nós, e é deduzida pela razão. O conceito de direito ultrapassa o âmbito da ciência jurídica para ser discutido sob o ponto de vista filosófico.
Declaração de direitos
Em 1948, a Organização das Nações Unidas aprovou a “Declaração Universal dos Direitos dos Homens”, adotada por diversos países, que em seu artigo primeiro diz que “todos homens nascem livres e iguais em dignidade e direito”. E em seu artigo terceiro reza que “todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.
A idéia de direitos se ampliou e a idéia de igualdade vem progredindo. Foram reconhecidos os direitos das mulheres à igualdade e desenvolvimento (1993); os direitos dos refugiados (1951); eliminação de discriminação racial (1965), discriminação contra a mulher (1970), e outros direitos para os vulneráveis.
O reconhecimento pela ciência da inter-relação do homem com todo o universo e tudo que vive resultou na promulgação, na sede da Unesco Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, da “Declaração Universal dos Direitos do Animal”, em 1978. Em seu artigo segundo, ela reconhece que o direito à vida é extensivo aos animais, quando afirma: “todos os animais nascem iguais diante da vida e tem o mesmo direito à existência”. E em seu artigo quarto, ela reconhece que “ cada animal pertencente à espécie selvagem tem o direito de viver livre no seu meio natural terrestre, aéreo ou aquático e tem o direito de reproduzir-se”.
No direito internacional o direito à vida e à liberdade são igualmente reconhecidos ao homem e aos outros animais. O direito à vida é hoje universalmente consagrado como um direito básico fundamental. O direito à liberdade, a não discriminação e respeito são corolários do direito à vida. Se considerarmos o homem não apenas como um ser moral, mas como um ser vivo, temos que admitir que os direitos reconhecidos à humanidade enquanto espécie devem encontrar os seus limites nos direitos das outras espécies.
Isonomia jurídica
A igualdade é um valor que só pode ser estabelecido mediante comparação entre outros valores, situações ou pessoas. E se pensarmos que igualdade implica na gestão da diversidade temos que aceitar a idéia de que a individualidade de cada ser humano está ligada ao princípio da não discriminação e do reconhecimento do direito de ser diferente.
Infelizmente, são as leis impostas pela sociedade que determinam, muitas vezes injustamente, quais desigualdades serão aceitas. Um dos parâmetros da justiça é a relação de igualdade. A igualdade qualitativa atribui a cada um segundo suas características ou segundo as suas necessidades. Esta visão de igualdade se aplica tanto aos homens quanto aos outros animais.
É a biologia que nos demonstra a unidade entre o homem e o animal. As mesmas necessidades fundamentais são encontradas no homem e no animal, principalmente a de se alimentar, a de se reproduzir, a de ter um habitat e de ser livre. A cada necessidade fundamental corresponde um direito fundamental ao conjunto de seres vivos.
A primeira vez a que se mencionou a expressão “direitos dos animais” foi no livro Animals rights, de Henry Salt. Hoje a discussão mudou seu enfoque, conectando os deveres dos homens para com os direitos dos animais. Neste enfoque, os Estados tem a obrigação de proteger a vida de todos os seres. Idi Amim, gorila aprisionado no zôo de Belo Horizonte (MG). De Geraldo Magela da Silva
Para reconhecer os direitos dos animais, ao criarmos normas jurídicas a respeito dos animais, devemos levar em conta sua natureza morfológica, seus instintos sociais e sua sensibilidade.
Igualdade além da humanidade
Para os cientistas Jane Goodall, Francine Patterson, Richard Dawkins, Jared Diamond, Douglas Adams, Tom Regan, Peter Singer, Roger e Deborah Fouts, e demais cientistas que trabalharam no Great Ape Project (Projeto dos Grandes Primatas), criado pela Universidade de Princeton em 1993, nós humanos somos grandes macacos. Nós possuímos um status moral que nos coloca na esfera da igualdade sem maiores polêmicas sobre o conceito de igualdade. E isto vem dando aos seres humanos o direito a uma maior proteção legal. O ser humano goza de direitos que são negados às outras espécies. Entretanto, as qualidades que nos elevam a seres morais nós as partilhamos com os grandes macacos: gorilas, orangotangos, bonobos e chimpanzés, como sensibilidade, inteligência e linguagem própria.
Os cientistas integrantes do Projeto dos Grandes Primatas redigiram a “Declaração sobre os grandes macacos”, onde reivindicam para esses animais alguns direitos já codificados para os homens como o direito à vida, o direito à liberdade individual e direito de não ser torturado. Para eles, a igualdade pertence à comunidade moral, e seus princípios devem se transformar em leis.
Direitos dos animais no Brasil
O Brasil é signatário da “Declaração Universal dos Direitos dos Animais”, o que o comprometeu perante os demais países signatários, como pessoa jurídica de direito público, a proteger os animais em seu território. Entretanto, para internalizar as normas, já que toda nação é soberana e, segundo nosso Código Civil, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa a não ser em virtude lei, leis de proteção ao animal foram editadas. Infelizmente, nenhuma delas concede aos animais a plenitude de seus direitos fundamentais e muito menos igualdade relativa com os seres humanos.
Sob o ponto de vista legal, os animais em suas diversas categorias – silvestre, nativo, exótico ou domesticado –, sem qualquer discriminação em categoria, estão inseridos no capítulo do Meio Ambiente da Constituição Federal, cujos preceitos asseguram sua total proteção pelo poder público e a comunidade. Estão ainda amparados pela Lei de Crimes Ambientais. Os animais são representados em juízo pelo Ministério Público, que também é representante da sociedade civil.
Entretanto, a política adotada no país se preocupa de forma mais imediata apenas com os crimes ecológicos, ou seja, quando o ecossistema é ameaçado colocando em risco a qualidade de vida do ser humano. O direito brasileiro não tem nenhum compromisso com a dignidade do animal. Os grandes entraves são a insensibilidade generalizada e o falso conceito de que existem vidas que valem mais que as outras. Não existe um tratamento legal privilegiado para os primatas.
O direito à vida dos animais está garantido por lei, desde que não interesse ao ser humano para consumo, experimento e outros interesses. Quando o sofrimento do animal interessa ao homem há sempre uma brecha na lei para práticas abusivas. Também o direito à liberdade dos animais silvestres vive ameaçado pela falta de fiscalização e pelas leis vigentes, que permitem criadouros comerciais de animais silvestres, e até mesmo sua comercialização para serem utilizados como pet animal de estimação.
A tortura de primatas em laboratórios
Os grandes primatas e macacos são muito utilizados em experimentos laboratoriais. Os experimentos em animais estão autorizados pela legislação brasileira. A Lei 6.638, de 8 de maio de 1979, que veio estabelecer normas para a prática da vivissecção, nunca foi regulamentada e tem poucos artigos auto-aplicáveis. Tramita no Congresso Nacional projeto de lei sobre o tema, que nem de longe salvará os primatas e outros animais do sofrimento. A Lei de Crimes Ambientais, Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, considera a vivissecção crime, mas condiciona a tipificação do mesmo à existência ou não de métodos alternativos.
Conclusão
Os primatas deveriam ser inseridos no mesmo sistema de proteção legal concedido ao ser humano. A proteção dos animais e de nossos irmãos, os primatas, faz parte da dignidade humana, que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.
Se cotejarmos os direitos de uma pessoa humana com os direitos do animal como indivíduo ou espécie constatamos que ambos têm direito à defesa de seus direitos essenciais, tais como o direito à vida, ao livre desenvolvimento de sua espécie, da integridade de seu corpo, bem como o direito ao não sofrimento e à liberdade. Basta a compreensão da igualdade de interesses para se defender o princípio da igualdade de direitos entre homens, primatas e outros animais. Se quisermos comparar o valor de uma vida com outra teremos que começar por discutir o valor da vida em geral. Conforme reza a já citada “ Declaração dos direitos dos animais”, o homem tem o dever de colocar sua consciência a serviço dos outros animais. Edna Cardozo Dias é doutora em direito pela UFMG,
professora de direito ambiental, presidente da Liga de Prevenção da
Crueldade contra o Animal.
Referências bibliográficas
Bobbio, Norberto. "Locke e o direito natural." Brasília: UnB: 1995.
Cavalieri, Paola e Singer, Peter. "The great ape project." St. Martin´s Press, New York, 1993.
Dias, Edna Cardozo. "A tutela jurídica dos animais". Mandamentos. Belo Horizonte: 2000.
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). "Declaração Universal dos Direitos dos Animais", 1978
Organização das Nações Unidas. "Declaração universal dos direitos do homem", 1948.
Singer, Peter. "Liberation animal". Editora Cuzamil S. México, 1985.
_____________ "Ética prática". Martins Fontes. São Paulo: 2002.
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