09/06/2010
As invasões bárbaras (2003) é um filme sobre a morte, sobre a vida, a amizade e o amor. Dirigido e com roteiro do canadense Denys Arcand, de O declínio do império americano , a trama, que se passa em Quebec, Canadá, toma forma e se destaca pela emoção que desperta em quem assiste, mesmo passando longe das emoções fáceis.
Rémy (Rémy Girard) é um professor universitário, com mais de 50 anos, que sempre teve uma vida em parte tranquila, apesar das várias aventuras amorosas. Casado, pai de dois filhos, amantes e diversos amigos, ele descobre estar com uma doença terminal. O filho, Sébastien (Stéphane Rousseau), a pedido da mãe e contando com a companhia da namorada, parte de Londres ao encontro do pai para compartilhar os momentos que lhes restam. A relação de pai e filho, sempre conturbada e fria –, porque Sébastien não aceita o estilo de vida de Rémy, e vice-versa – transforma-se na medida em que as dores de Rémy se intensificam, modificando até mesmo, sua convivência com os outros três pacientes que dividem o mesmo quarto no hospital público.
Um dos destaques do filme são os enquadramentos e jogos de cenas utilizados. Logo de início, o primeiro plano-sequência mostra uma freira levando a hóstia aos pacientes do hospital. A câmera a acompanha em sua caminhada repleta de obstáculos pelo corredor superlotado, com diversos doentes em suas camas, sacos de roupa suja, policiais que, assim como a freira, desviam de fiações soltas que descem dos tetos mal acabados e abertos. Uma verdadeira crítica social à rede de saúde e à Quebec que, como muitas cidades da América Latina, é católica e contemplada por estatização, sindicatos corruptos, religiosidade e polícia despreparada.
O filho então, diante da inevitabilidade da morte de seu pai, quer amenizar o sofrimento de Rémy, lutando contra esses tantos obstáculos mesmo que, para isso, ultrapasse regras e leis, coloque em risco sua reputação, arrisque-se a sofrer multas ou prisão, para garantir uma qualidade de vida ao pai até o seu último suspiro. Ele suborna tanto a direção como o sindicato do hospital para melhorar a sua estadia e, recomendado por um amigo médico, consegue comprar heroína, com o consentimento da polícia. Além disso, estabelece uma maneira de Rémy se comunicar com a filha, sua irmã, que está distante, paga para alunos que o esnobaram em sua saída da universidade o visitarem, e convoca os velhos amigos para estarem ao seu lado.
A relação entre Sébastien e Rémy é um dos pontos altos do filme. mostra, ainda, um confronto não só de gerações, mas de ideologias entre o filho, que é rico e trabalha em uma financiadora em Londres, e o pai, um intelectual que se engajou em quase todos os ideais terminados em “ismo”, passando pelo marxismo, maoísmo, entre outros.
Uma segunda relação que merece destaque é a que acontece entre Rémy e Nathalie, uma melancólica viciada em heroína que o ajuda no consumo da droga para o alívio da dor. Nessas cenas, os personagens estão sempre sozinhos, em diálogos diretos compostos pelo constante questionamento vindo de Nathalie sobre a razão das atitudes de Rémy ao longo de sua vida. Ele reclama, não quer morrer, desabafa sobre a falta de tudo que viveu e viu. Ela conclui “não é a vida de hoje que você quer largar, é a do passado que não volta mais”.
O cenário se alterna basicamente entre o quarto “luxuoso” conseguido no hospital, a ambulância que o leva periodicamente para exames externos e a casa do lago de um dos amigos, garantindo uma centralização quase que total na morte iminente enriquecida pelos diálogos constantes e riquíssimos que dão vida às cenas. O grupo de amigos, composto pela ex-esposa, duas amantes, um casal gay e um amigo professor da universidade são pessoas cultas e politizadas que demonstram, em conversas regadas a humor e longas risadas, a vivacidade adquirida na época em que lutaram por seus ideais e filosofias de vida. Tudo isso acompanhado por bons vinhos, queijos e boa culinária.
Ao mesmo tempo, Sébastien, sua namorada e Nathalie, que são os personagens mais jovens, se mostram como o oposto da turma de Rémy: o milionário frio que tudo pode comprar, a esposa triste e a drogada melancólica. Um quadro que parece apontar para a morte de uma geração que arduamente lutou por ideologias, revividas em sonhos por Rémy, substituída pelos melancólicos e pragmáticos capitalistas jovens.
Além disso, o filme mostra a tragédia de 11 de setembro, com o ataque às torres gêmeas em Nova Iorque, remetendo o espectador a questionamentos sobre as “invasões bárbaras” que poderiam ser também a invasão do capitalismo e do individualismo sobre um mundo que, antes, era social e cultural.
As invasões bárbaras questiona também a globalização, a eutanásia e a ilegalidade das drogas e ganhou os prêmios de melhor atriz (Marie-Josée Croze) e melhor argumento no Festival de Cannes. Na categoria de melhor filme estrangeiro, foi contemplado com o Oscar, o grande Prêmio Cinema Brasil e prêmio no European Film Awards.
As invasões bárbaras Direção: Denys Arcand Ano: 2003
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