10/06/2015
O viajante não é apenas um observador inócuo do mundo, provoca o documentário Gringo Trails, que aborda o impacto do turismo global na cultura, no meio ambiente e na economia, enfatizando, particularmente, a viagem de mochilão feita em busca de roteiros inusitados. Em exibição nos Estados Unidos e outros lugares do mundo (sem previsão para o Brasil), vale a pena ser visto já que os principais pontos abordados trazem uma reflexão sobre meios mais sustentáveis para o turismo.
Lançado em 2014, o documentário de 79 minutos é dirigido pela antropóloga Pegi Vail, da New York University. A visão sobre a cultura do mochilão, que também foi tema de sua dissertação, tem sido desenvolvida a partir de suas experiências como pesquisadora nos últimos 20 anos.
Passando por trilhas “gringas” na América do Sul, Ásia e África, o filme reúne imagens de arquivos pessoais e depoimentos de mochileiros, guias turísticos, além de jornalistas, autores de livros e blogs.
O primeiro caso mostrado teve como cenário a Amazônia boliviana, em 1981, quando o israelense Yossi Ghinsberg se perdeu pela floresta, sendo resgatado por moradores locais um mês mais tarde. Narrada também em livro, a experiência instigou jovens de todo o mundo a conhecer o local nos anos seguintes. A comunidade e a aventura selvagem se tornaram caricaturas de si mesmas, já que o local tem mais de 40 hotéis, milhares de turistas todos os anos e guias ávidos por clientes que até carregam suas mochilas.
Outros lugares com histórias parecidas são retratados, como a Isla Incahuasi, também na Bolívia, e a região de Tombuctu, no Mali. As imagens da praia de Haad Rin, na ilha tailandesa de Ko Pha Ngan, são impactantes. Costas Christ, hoje editor da revista National Geografic, conta que chegou por acaso a essa ilha, praticamente deserta em 1979. Ano após ano, o lugar foi se tornando popular entre mochileiros, e em 2010 havia 50 mil pessoas comemorando o réveillon na praia. As imagens mostram, tristemente, a areia tomada por lixo e turistas bêbados na manhã seguinte. A população local lamenta a falta de respeito dos visitantes e deseja outros atrativos além das festas.
Gringo Trails problematiza ainda os significados em torno desse tipo de turismo. O mochileiro busca o roteiro insólito, orgulha-se de gastar pouco e de ter histórias para contar. Mas, hoje, com os meios de transporte e de comunicação acessíveis, essa tornou-se uma subespecialidade do turismo clássico, e as trilhas “gringas” também viraram um clichê – e muitas vezes em lugares despreparados para receber o visitante. Passeios aparentemente inofensivos podem, com o passar dos anos, causar danos irreversíveis, como espantar espécies de animais, alterar a paisagem natural e as práticas de um povo. As opções baratas dos mochileiros podem custar a destruição justamente daquilo que eles compram: a natureza e as culturas.
Em relação a possíveis soluções para o problema, o filme destaca experiências de turismo comunitário. Na Bolívia, o albergue ecológico Chalalan faz parte de um projeto em que a população local controla o turismo, estabelecendo uma lista de regras para proteger o lugar. A movimentação econômica permite qualificar profissionais para receber os visitantes e dar maior qualidade de vida para a população. Outro caso interessante é o do Butão, país que restringe o acesso para preservar o ambiente e a cultura local.
É uma pena que Gringo Trails traga poucos dados sobre o impacto do turismo, e não aborde a relação do problema com políticas públicas, o que vai além das escolhas dos mochileiros e das comunidades. Mesmo assim, é um trabalho rico para reflexão e debate. Na revista Visual Anthropology Review, Luis A. Vivanco recomenda que o documentário seja apresentado a estudantes, mochileiros atuais e futuros. O vídeo contribui, em sua avaliação, para divulgar e provocar a conscientização crítica sobre uma urgente dinâmica transnacional que afeta lugares vulneráveis no mundo.
Em um post posterior ao documentário, publicado no The New York Times, a diretora Vail complementa a reflexão sobre o papel do viajante. Antes de iniciar a jornada, é importante se informar sobre o local de destino, normas culturais, situação econômica e analisar criticamente a informação disponível nos guias de viagem, recomenda. Ela defende que é importante privilegiar iniciativas turísticas controladas por comunidades locais e, assim, aprender o que a população gostaria de transmitir aos visitantes.
Em relação ao Brasil, apesar de alguns locais já terem sido comprometidos com o turismo irresponsável, há tempo para se evitar outros desastres das viagens em massa, com planejamento, formação profissional adequada e, sobretudo, estimulando viajantes a incluírem uma visão crítica na bagagem, como propõe Gringo Trails.
Gringo Trails
Direção: Pegi Vail
Ano: 2014
Trailer oficial: https://vimeo.com/71764610
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