Oceanos. Tão imensos e tão vulneráveis. Tragédias como na cidade
de Mariana em Minas Gerais – que nem mar tem – denunciam o quanto o bioma sofre
uma multiplicidade de interferências, com os rejeitos tóxicos atingindo o
litoral do Espírito Santo. Outro exemplo é a baía de Guanabara, cartão postal
do Rio de Janeiro, considerado um dos ambientes mais poluídos da costa
brasileira, que será um dos cenários das competições das Olímpiadas neste ano.
Pesca predatória, excesso de nutrientes, poluentes orgânicos
persistentes, introdução de espécies exóticas, contaminação por esgotos
domésticos (bactérias, vírus e parasitas), alterações nos fluxos de sedimento,
vazamento de óleo, entre outras interferências constantes, afetam a vida
marinha. São plásticos, fertilizantes, medicamentos, fezes, óleos, lixo de todo
o tipo, que, descartados incorretamente, chegam às águas do mar – que também
sofrem os efeitos das mudanças climáticas, como elevação da temperatura, acidificação e perda de
oxigênio.
Uma
forma de conhecer a saúde do bioma marinho é por meio do Índice de Saúde do Oceano (Ocean Health Index),
baseado em 10 variáveis: armazenamento de carbono, provisão de alimentos (pesca
artesanal e aquicultura), proteção costeira, subsistência e economias
costeiras, identidade local, produtos naturais, oportunidade de pesca
artesanal, turismo e recreação, águas limpas e biodiversidade. Cada variável
recebe uma pontuação de 0
a 100. Em 2015, o Brasil obteve uma média de 68 pontos. Valor aceitável, mas
abaixo da média mundial, de 70 pontos.
Em janeiro deste ano, a ONU publicou a primeira avaliação global integrada do
ambiente marinho, com centenas de páginas discorrendo sobre os impactos
humanos. Em 2014, a organização estabeleceu quase 210 mil áreas
protegidas, totalizando 15,4%
da superfície terrestre, e apenas 3,4% das áreas costeiras e marinhas. Até 2020 é previsto o aumento para 17% e 10% de áreas protegidas, respectivamente.
O professor
Alexander Turra, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo,
elenca os três principais fatores que dificultam a criação dessas áreas.
“Primeiro, a vontade política para que elas sejam criadas. Segundo, a
necessidade de recursos humanos e financeiros. Terceiro, há muitas lacunas de
conhecimento para a identificação dos locais e dimensões das novas unidades de
conservação”, relata.
Zonas costeiras: a
porta de entrada
Decorrente
do crescimento desordenado, destinação inadequada dos resíduos, ausência de
políticas públicas apropriadas, má qualidade da educação ambiental, as zonas
costeiras – regiões onde a população mundial tem se concentrado – são portas de
entrada para dispersão da poluição nos mares e oceanos. “A ocupação humana na
costa gera três principais tipos de resíduos: esgoto urbano, efluentes industriais
e resíduos sólidos”, diz Turra.
O
Ministério do Meio Ambiente aponta que a zona costeira brasileira representa um
dos maiores desafios para a gestão ambiental do país. Com 8.500 km, possui
grande variedade de espécies e de ecossistemas. Ao longo do litoral,
alternam-se mangues, campos de dunas e falésias, baías e estuários, recifes de corais,
praias e costões, planícies intermarés e outros ambientes. Das nove regiões
metropolitanas do país, cinco encontram-se à beira-mar: Belém, Fortaleza,
Recife, Salvador e Rio de Janeiro.
Para
administrar tamanho território, a Comissão Interministerial para os Recursos do
Mar coordena os assuntos relativos à Política Nacional para os Recursos do Mar,
como também o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, conjunto de
diretrizes para implementação de programas de desenvolvimento sustentável da
zona costeira. Porém, parece faltar eficácia para as ações nessas áreas. “Há ilhas de lixo nas zonas costeiras”, diz Mônica Wallner-Kersanach, professora responsável pelo
Laboratório de Hidroquímica do Instituto de Oceanografia da Universidade
Federal do Rio Grande (FURG).
“O
principal impacto nos oceanos atualmente são os resíduos sólidos
(lixo), tendo como maior abundância o material plástico”, informa a professora.
Eles demoram mais a degradar em água do que em terra, e são facilmente
transportados, em relação a materiais mais densos, como o vidro ou metal. Recentemente,
a família Schurmann, que veleja ao redor do mundo, chegou em West Fayu, uma
ilha deserta das Ilhas Carolinas, na Micronésia, onde encontraram diversas embalagens
plásticas.
“A degradação do
resíduo plástico, apesar de lenta, contribui da mesma forma para a contaminação
dos oceanos” ressalta Wallner-Kersanach, citando que elementos orgânicos
persistentes presentes na composição dos plásticos, ou absorvidos por eles do
ambiente é outro problema. Podem também causar a morte de organismos por
ingestão ou emaranhamento, por exemplo.
Ainda que
os plásticos sejam os mais abundantes, eles não seriam o maior problema. O
Ministério das Cidades divulgou no início do ano que 57,6% do país apresenta
atendimento de esgoto. E não é preciso dizer qual será o destino final dos mais
de 40% restantes. “Há os efluentes urbanos não tratados lançados
indiscriminadamente na área costeira no Brasil”, lembra Wallner-Kersanach.
“Embora causem impacto mais localizado, são mais preocupantes em termos de
saúde pública, do que os resíduos sólidos. A proliferação de microrganismos e
algas tóxicas afeta diretamente as pessoas no caso do uso da água para
recreação”, enfatiza.
Outros poluentes
impactantes são os metais pesados, que persistem no ambiente ao se acumular no
sedimento ou em organismos, sendo transferidos ao longo da cadeia alimentar, chegando
ao ser humano. Um exemplo é o tributilestanho, ou TBT, que contém estanho. Liberado
das tintas anti-incrustantes ainda usadas em embarcações, é uma das substâncias
químicas mais tóxicas já sintetizadas, bioacumulando em alguns organismos,
afetando expressivamente seu desenvolvimento. Entre outros problemas, causa o imposex,
distúrbio que ocasiona o desenvolvimento de caracteres masculinos em fêmeas de
diversas espécies de gastrópodes, como os moluscos, que ficam estéreis.
Segundo Gilberto
Fillmann, professor da FURG que atua na área de contaminação ambiental, embora
o TBT seja proibido, não existe fiscalização, e os estaleiros, principalmente
pequenos, seguem usando a substância por conta própria. “Eles compram o TBT,
que é livremente vendido no Brasil, e mesclam em tintas comerciais”, conta. “Há muitas marinas com valores absurdos de TBT e altos níveis de efeitos em organismos
gastrópodes”, evidencia.
Os portos também contribuem para
agravar o problema. Segundo a Agência Nacional de Transporte Aquaviário, a
atividade portuária, quando
inadequada, causa alteração da linha de costa, supressão da vegetação,
modificação no regime dos corpos d'água, agressão a ecossistemas e poluição dos
recursos naturais. Além dos efeitos de tintas tóxicas, há atracações,
dragagens, aterros, vazamentos de óleos, cargas e combustível, transferência de
agentes patogênicos, além de outros problemas.
Persistindo no meio ambiente, devido à estabilidade de suas moléculas, há ainda os poluentes orgânicos persistentes
(POP), originados, por exemplo, da queima de combustíveis fósseis, pesticidas,
agrotóxicos. Segundo o estudo “Contaminantes ambientais e os interferentes
endócrinos”, publicado em 2010 pela endocrinologista Eveline Fontenele e
colaboradores na revista Arquivos
Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia, os POPs podem causar sérios
problemas à saúde, com alterações genéticas e endócrinas.
O que os olhos não
veem...
De longe é linda. De perto é poluída. A baía de Guanabara, uma das maiores do Brasil, localizada no Rio de
Janeiro, é uma zona costeira altamente impactada
pelas atividades humanas. Abrangendo 16
municípios, tem aproximadamente 384 km2,
onde desaguam 35 rios. As principais
fontes poluidoras são o esgoto doméstico, atividades industriais
e atividades portuárias e náuticas. Em média, recebe 100 toneladas só de
resíduos sólidos por dia, segundo o Instituto Estadual do Ambiente.
Mais visíveis, devido às dimensões, durabilidade e
flutuabilidade, os resíduos sólidos, principalmente o plástico, parecem ser os
protagonistas da poluição. Mas diluídos na água há uma diversidade de poluentes.
Matéria orgânica em excesso; urina e fezes contendo patógenos; drogas e
medicamentos; pesticidas e detergentes; metais pesados; além das perturbações
com empreendimentos, operações e navegação nos 16 terminais portuários da baía.
Situada na segunda maior região metropolitana do país, a
baía está rodeada de atividades industriais. “Onde houver um maior
desenvolvimento industrial é onde encontrará mais contaminação por metais
pesados”, lembra Wallner-Kersanach, citando outras áreas críticas, além da baía
de Guanabara: Sepetiba (RJ), Todos os Santos (BA), e o sistema estuarino de
Santos (SP), junto ao polo industrial de Cubatão.
Contudo, o esgoto doméstico é o maior responsável pela
poluição do cartão postal do Rio. André Corrêa, responsável pela Secretaria
de Estado do Ambiente (SEA), afirma: "A maior dívida ambiental e
estruturante do nosso país, e não só do Rio de Janeiro, é o saneamento básico. Por
isso, a SEA mantém uma articulação constante com os municípios fluminenses para
realizar e monitorar ações como a elaboração de planos municipais, ligação de
estações de tratamento (ETEs) às redes de esgoto e educação ambiental das
comunidades”, informa o secretário.
Com projetos que preveem a ampliação da rede coletora de
esgoto e modernização de estações, a baía de Guanabara deixará de receber
milhões de litros desse tipo de resíduo. Com a modernização da ETE Alegria, por
exemplo, o secretário informa que serão 216 milhões de litros de esgoto in
natura por dia a menos, o equivalente a 90 piscinas olímpicas.
De acordo com a SEA, para a contenção de
resíduos sólidos também foram instaladas nove ecobarreiras na desembocadura dos
rios, retendo o lixo flutuante direcionado à baía, além de dez ecobarcos que
coletam os resíduos adentrados. Ações como essas são importantes, mas é preciso
também se preocupar com os resíduos “invisíveis”, tão ou mais impactantes que os
sólidos.
“É como um iceberg: os resíduos sólidos
constituem sua ponta emersa, palpável e visível ao ser humano, mas sua dimensão
e risco são muito maiores e complexos”, reflete Turra quanto aos poluentes da
baía. “Com os olhos você vê o lixo, e com o nariz você respira o esgoto, mas e o restante que contamina
a zona costeira?” questiona o professor, alertando que é preciso enxergar e
agir muito além da superfície.
Além da deriva,
poluentes “invisíveis” na baía de Guanabara. Fonte: Laboratório de Manejo, Ecologia e Conservação Marinha
do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (adaptada).
Muito
mais do que sol, praia e mar
Mesmo que more no interior, não goste de água salgada ou não coma peixe,
todas as pessoas dependem muito mais dos oceanos do que imaginam. “O nosso
planeta deveria chamar-se Oceano”, diz Fabien Cousteau, ambientalista, neto do
famoso oceanógrafo francês Jacques Cousteau. Não à toa, já que três quartos da
superfície do planeta é coberto por cerca de 1,4 quatrilhão de litros de água,
estando 97% nos oceanos.
Os principais usos diretos dos oceanos estão relacionados à produção natural de
alimentos turismo e lazer, exploração de combustíveis fósseis e transporte de cargas através dos portos, segundo Stefan Weigert, coordenador adjunto da graduação em oceanologia
da FURG. Mas seus benefícios vão muito além. Um deles á a absorção e
utilização de grande parte dos gases do efeito estufa. “Os oceanos fazem o
sequestro dos gases carbônicos (monóxidos e dióxidos) da atmosfera para a água,
sendo utilizados principalmente na fotossíntese de organismos fitoplanctônicos
e algas, tendo como destino a formação de endoesqueleto, como os ossos de um
peixe, e exoesqueletos (carapaças, conchas, corais) de animais marinhos”, cita
Weigert.
Os oceanos são os mais importantes reguladores do clima. “São
os principais distribuidores da energia térmica advinda do sol, por meio dos
grandes sistemas de correntes e circulação oceânica, transportando calor a
partir da região equatorial para os trópicos e polos, e trazendo de volta às
regiões mais quentes águas frias e ricas em nutrientes, que irão amenizar o
clima, e proporcionar e manter a diversidade de espécies”, informa Weigert. Ele
lembra do El Niño, evento que ocorre na região equatorial do Oceano Pacífico, com reflexos no clima mundial. Além de eventos climáticos extremos influenciados pelos oceanos, como tempestades, furacões, chuvas
intensas e vendavais.
Embora as florestas tenham papel fundamental na liberação de
oxigênio, mais da metade do que respiramos advém das algas marinhas. “Em troca
dos gases carbônicos os oceanos devolvem-nos oxigênio”, afirma Weigert, que menciona
ainda a geração de energia limpa pelo movimento das ondas e marés, os recursos
minerais como as reservas de combustíveis fósseis (petróleo e gás), as
substâncias para uso em fármacos, fora o muito que ainda desconhecemos desse
império.
Turra relembra a primeira estimativa do valor econômico da
biosfera como um todo, elaborada por Robert Costanza e colaboradores, em 1997. “Os
valores dos serviços ecossistêmicos ultrapassam o PIB do planeta. Os oceanos,
sem saúde, gerariam perdas de bens e serviços, e consequentemente, perdas
econômicas”.
“Infelizmente é neste grande bioma, mantenedor e regulador das condições de vida na Terra, que nos presta tantos serviços ambientais e paisagísticos, desde um simples banho de mar até o oxigênio que respiramos, que despejamos grande parte de nossos resíduos”, conclui Weigert.
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