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Justiça obriga ANS a definir regras mais efetivas para reduzir o número de cesáreas
Por Fabiana Alves de Lima Ribeiro
22/12/2015
A Justiça Federal deu até o fim de janeiro de 2016 para a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) cumprir as exigências feitas pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPF/SP), para reduzir as taxas de partos cirúrgicos na rede particular de saúde. A ANS deve elaborar uma nova resolução normativa para assistência ao parto, com multa de R$ 10 mil ao dia em caso de descumprimento.

Entre as exigências do MPF/SP estão o cadastramento de obstetrizes e enfermeiras obstétricas na cobertura dos planos de saúde; remuneração três vezes maior para a realização de partos normais em relação às cesarianas; e a elaboração de indicadores e notas de qualificação para as operadoras de planos privados e aos hospitais.

O que muda na assistência ao parto na rede privada

Com as exigências do MPF/SP formalizadas em uma resolução normativa, o consumidor de plano de saúde terá um instrumento legal que lhe garanta acesso às informações sobre a qualidade do atendimento prestado pelos profissionais e hospitais credenciados. Um recurso similar foi implantado recentemente pela ANS por meio da resolução normativa 368, que facilitou o acesso às taxas de cesárea dos obstetras. Até então, esta informação não era disponibilizada, e as gestantes dependiam da indicação de outras pacientes, ou tentavam levantar estas informações investigando a conduta do médico por conta própria. Um questionário organizado pelo site Amigas do Parto, lista de forma bem-humorada uma série de questionamentos que auxiliam a obter informações sobre a conduta médica do profissional.

Mas a questão mais significativa, caso a ANS atenda as exigências do MP, é a inclusão das enfermeiras obstétricas e obstetrizes no cadastro dos planos de saúde. Este modelo de assistência já é adotado em países como a Grã-Bretanha, Holanda, Canadá, Alemanha e países escandinavos, onde a maioria dos atendimentos é realizado por estas profissionais, havendo encaminhamento para o médico obstetra somente caso surjam complicações que necessitem de intervenções.

No Brasil, a atuação das enfermeiras obstétricas e obstetrizes ainda é tímida, mas vem crescendo a cada ano, em função da procura por partos menos intervencionistas. Este atendimento se dá, atualmente, por meio particular ou do SUS. A inclusão no cadastro nos planos irá contribuir para ampliar a atuação destas profissionais.

As exigências do MP tocam também num ponto polêmico, que é a remuneração diferenciada pelo tipo de parto. Esta exigência tenta compensar a diferença no tempo de atendimento necessário para acompanhar o desenrolar natural de um trabalho de parto, que pode durar muitas horas, comprometendo a agenda do profissional, que precisa ficar à disposição da parturiente.

O que ainda precisa ser melhorado

Para Ana Cristina Duarte, obstetriz e coordenadora do Gama (Grupo de Apoio à Maternidade Ativa), o credenciamento das enfermeiras obstétricas e obstetrizes é o ponto que mais terá impacto positivo na redução das taxas de cesariana, dentre todos os exigidos pelo MP. Para ela, triplicar o valor da remuneração dificilmente resolveria a questão, pois ainda não compensaria o maior tempo dispendido para acompanhar o parto normal por um médico.

Duarte chama atenção, ainda, para a falta de regulamentação na questão da responsabilidade legal pelo parto atendido pela enfermeira dentro do hospital. O Conselho Regional de Medicina (CRM) considera que, onde há um médico presente, ele é o responsável legal pelo atendimento. Sendo assim, no caso de um desfecho ruim num parto hospitalar ocorrido sob os cuidados de uma enfermeira, a responsabilidade legal continua sendo do médico plantonista, clínico ou o diretor clínico. Para evitar este tipo de inconsistência, esse ponto deverá ser detalhado na resolução normativa. 

Caso a ANS atenda às exigências do MP, terá que contemplar também a questão da remuneração nos casos em que o a tentativa de parto normal termina em cirurgia, aponta Duarte. Isso é importante pois muitas vezes a cirurgia é realizada após horas de espera de trabalho de parto. Classificar como normal ou cesárea, então, não indicaria a remuneração justa para todos os responsáveis envolvidos.

Camilla de Vilhena Bemergui, bacharel em Direito, relata que durante a gestação chegou a procurar por obstetras do plano de saúde, mas percebeu que a maioria não tinha experiência no atendimento ao parto normal, e precisou contratar um profissional não credenciado, que lhe assegurou o atendimento desejado. Assim como ela, outras usuárias de plano têm procurado alternativas, por meio da contratação particular de profissionais (médicos, enfermeiras obstétricas ou obstetrizes) ou no atendimento pelo SUS em casas de parto ou hospitais que oferecem este tipo de assistência. 

A questão está longe de ser resolvida. Um estudo publicado na Revista de Saúde Pública, fruto do doutorado de Luciano Patah, avaliou a relação entre o modelo de assistência obstétrica em diversos países e a taxa de cesárea. A pesquisa concluiu que as maiores taxas foram de países em que vigora um modelo de assistência tecnológico centrado na figura do médico e no uso de intervenções. Esse é o modelo adotado pelo Brasil, o que indica que mudanças de cunho mais estrutural são necessárias para que haja efetivamente um avanço na questão.

Cesáreas e riscos

A decisão da Justiça Federal tem sido considerada pelos profissionais da área e pelas famílias como um importante passo para reduzir o número de nascimentos por via cirúrgica sem indicações médicas reais. A cesariana apresenta riscos, tais como hemorragia, infecções, reações à anestesia, assim como maior mortalidade materna e neonatal do que o parto vaginal. Por este motivo, sua indicação é aconselhada somente em casos muito específicos.

O estudo ‘Nascer no Brasil’, coordenado por pesquisadores da Fiocruz, e uma revisão de estudos de base populacional da Universidade Estadual de Pelotas levantam a suspeita da existência de uma correlação entre o crescimento das taxas de cesáreas nos últimos anos com o aumento nos casos de prematuridade.

Para compreender esta correlação, é necessário entender como é realizado o cálculo da idade gestacional. O tempo médio é de 40 semanas, que é o período necessário para o bebê estar completamente formado. Mas este tempo é estimado em função da data da última menstruação e do exame de ultrassom feito por volta da 12ª semana de gravidez, e apresenta um desvio padrão de mais ou menos 2 semanas. Ou seja, o que se tem é uma estimativa do tempo ideal, entre a 38ª e a 42ª semana da gestação. Considerando esse desvio, um bebê com idade gestacional estimada de 38 semanas pode ter, na realidade, 36 semanas.

Desta forma, suspeita-se que a prematuridade esteja relacionada, principalmente, ao crescimento de cesáreas eletivas, sem indicação, ou seja, aquelas sem que a mulher tenha entrado em trabalho de parto. Um bebê nascido fora do início do trabalho de parto poderá apresentar má formações, em especial no pulmão, que é um dos últimos órgãos a amadurecer, e terá maiores riscos de apresentar problemas respiratórios.

Apesar dos riscos, a prática da cesárea se difundiu no país. A taxa nacional média é de 56,74% para partos cirúrgicos (dados do ano de 2013, Sinasc), enquanto o recomendado pela Organização Mundial da Saúde é de apenas 15%. Este índice varia para cada região, tendo sido maior para as regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste.


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Porcentagens de parto normal e cesáreas por região. Em azul, parto normal, com taxas maiores no Norte e Nordeste. Em laranja, a taxa de cesáreas, maior no Sudeste, Sul e Centro Oeste. (Fonte: SINASC, dados de 2013).


Esta taxa, porém, é diferente para partos realizados pelo SUS e pela saúde suplementar. Uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde, em parceria com o IBGE, mostrou que, das mulheres atendidas pelo sistema suplementar, 74,16% agendaram os partos ainda durante o pré-natal. Esta taxa é quase o dobro daquela do SUS, que foi de 35,79%.

O especialista em análise de dados Roberto Colacioppo, autor do blog Atirei o Pau no Gráfico, avaliou os dados de 2012 do Sinasc. Ele encontrou uma tendência de maior número de nascimentos por via cirúrgica durante a semana (de segunda a sexta) e nos horários entre 7 – 20 horas, com ligeiras quedas entre 12 h – 14 h e entre 18 h – 19 h. Ou seja, as cesarianas estão sendo agendadas durante a semana, no horário do expediente.


Para saber mais

Antes da Hora: Cesarianas desnecessárias contribuem para o nascimento de bebês imaturos – por Alice Giraldi e Ricardo Zorzetto (Revista Fapesp, Edição 228, fevereiro de 2015).

Parto Normal vs. Cesárea - (parte 1): a magnitude do problema, por Dra. Melania Amorim.

Parto Normal vs. Cesárea - (parte 2): por que as taxas de cesárea são tão elevadas no Brasil? por Melania Amorim.

Parto Normal vs. Cesárea - (parte 3): principais pretextos para cesariana sem respaldo científico, por Melania Amorim.