REVISTA ELETRÔNICA DE JORNALISMO CIENTÍFICO
Dossiê Anteriores Notícias Reportagens Especiais HumorComCiência Quem Somos
Dossiê
Editorial
O gordo, o belo e o obeso - Carlos Vogt
Reportagens
Transição nutricional: da desnutrição à obesidade
Cintia Cavalcanti
A fisiologia da obesidade: bases genéticas, ambientais e sua relação com o diabetes
Ricardo Schinaider de Aguiar
Jos Ricardo Manini
Um desafio de peso para as políticas públicas
Marta Avancini
O gordo, o belo e o feio: o embate entre obesidade e padrões estéticos
Meghie Rodrigues
De dieta em dieta. O que a ciência diz sobre as soluções milagrosas?
Marina Gomes
Artigos
Consumo alimentar no Brasil e o desafio da alimentação saudável
Rosely Sichieri
Engordurando a arte contemporânea: as imagens de Fernanda Magalhães
Vinicios Kabral Ribeiro
A obesidade e a indústria do emagrecimento
Tadeu João Ribeiro Baptista
Cirurgia bariátrica: de anti-obesidade à anti-diabetes
Bruno Geloneze
Abordagens da obesidade na mídia e a construção de ideia de epidemia
Simone Pallone de Figueiredo
Alimento e emoção*
Arthur Kaufman
Resenha
O que há por trás da obesidade infantil
Por Monique Lopes
Entrevista
Maria Edna de Melo
Entrevistado por Por Romulo Orlandini
Poema
Mentirinha
Carlos Vogt
Humor
HumorComCiencia
João Garcia
    Versão para impressão       Enviar por email       Compartilhar no Twitter       Compartilhar no Facebook
Reportagem
A fisiologia da obesidade: bases genéticas, ambientais e sua relação com o diabetes
Por Ricardo Schinaider de Aguiar
Jos Ricardo Manini
10/02/2013

Diferente do que muitos possam pensar, a obesidade não ¨¦ apenas uma simples condição de quem ingere mais calorias do que gasta, acumulando o excesso em seu corpo. A obesidade ¨¦ uma doença inflamat¨®ria, grave e complexa, e ¨¦ hoje uma epidemia global fora de controle. Por¨¦m qual ¨¦ a principal causa deste fenômeno? Os maus h¨¢bitos alimentares das ¨²ltimas d¨¦cadas conseguiriam explicar o aumento das taxas mundiais de obesidade ou haveria tamb¨¦m fatores gen¨¦ticos? Poderiam os fatores comportamentais interferir em nossos genes? breitling replica replica watches

O debate sobre qual dos fatores seria o mais importante ora tendia a apontar para nossas mudanças de h¨¢bitos, ora para nossa informação gen¨¦tica, e a conclusão que podemos chegar ¨¦ a de que ambos exercem pap¨¦is fundamentais. Por este motivo, a obesidade ¨¦ classificada como uma doença multifatorial. O nutricionista e pesquisador da Faculdade de Ci¨ºncias Aplicadas (FCA), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Dennys Cintra, classifica as causas da obesidade em dois macrofatores: os gen¨¦ticos e os ambientais, e explica os mecanismos de cada um.

“Os fatores de origem gen¨¦tica estão associados principalmente ¨¤ relação entre genes respons¨¢veis por poupar energia e genes respons¨¢veis por sintetizar energia, diz Cintra. Os genes poupadores foram essenciais para a sobreviv¨ºncia e perpetuação da raça humana quando a disponibilidade de alimento era escassa. H¨¢ milhares de anos, quando a caça era o principal meio de obtenção de alimento, não havia meios de preservar a comida e talvez fosse preciso sobreviver longos per¨ªodos sem a ingestão de alimentos ap¨®s uma refeição.

Os genes poupadores enviavam, então, sinais para o organismo acumular o m¨¢ximo de energia poss¨ªvel para a sobreviv¨ºncia em tempos de escassez. Contudo, com o surgimento de m¨¦todos de preservação de alimentos, principalmente com a invenção da geladeira, o ser humano passou a ter um estoque de comida dispon¨ªvel. Os genes poupadores, entretanto, continuaram a exercer sua função de ac¨²mulo de energia, mesmo sendo desnecess¨¢rio, muitas vezes levando a um excesso de gordura no corpo e ¨¤ obesidade. Esses genes tamb¨¦m são os respons¨¢veis pelo r¨¢pido ganho de peso ap¨®s um per¨ªodo de dietas severas, quando uma pessoa volta a seus h¨¢bitos normais, ocasionando o chamado “efeito sanfona. Durante a dieta, sinais de alerta são emitidos para o organismo, avisando que o alimento est¨¢ escasso e ativando os genes poupadores. Deste modo, ao retornar aos seus h¨¢bitos normais, essa ativação ir¨¢ resultar em um maior ac¨²mulo de energia, em forma de gordura.

Mas tamb¨¦m h¨¢ fatores gen¨¦ticos relacionados ¨¤ defesa do organismo contra a obesidade. O pr¨®prio tecido adiposo, formado pelo excesso de gordura, produz uma substância chamada leptina. Esse hormônio inicia uma cascata de sinalizações celulares no c¨¦rebro, que controla o apetite e faz com que a pessoa pare de comer. Em outras palavras, ela desencadeia um “efeito domin¨® de comunicação entre neurônios. O tecido adiposo, por¨¦m, produz tamb¨¦m prote¨ªnas inflamat¨®rias que interferem na sinalização celular, interrompendo esse efeito domin¨® e impedindo que o sinal chegue ao seu destino corretamente. Assim, quanto mais obesa for a pessoa, mais tecido adiposo ela ter¨¢, mais prote¨ªnas inflamat¨®rias ela produzir¨¢ e pior ser¨¢ o controle do seu apetite pelo c¨¦rebro, gerando um ciclo vicioso que a levar¨¢ a comer e engordar cada vez mais.

Influ¨ºncia do ambiente

Os fatores ambientais, por sua vez, estão relacionados ¨¤ alimentação e ao sedentarismo. Uma dieta rica em a稲cares e gorduras contribuir¨¢ para a obesidade, assim como a falta de exerc¨ªcios f¨ªsicos para gastar o excesso de energia. Estudos recentes, por¨¦m, denominados de epigen¨¦ticos, demonstram que os fatores ambientais podem influenciar nos fatores gen¨¦ticos, e antes mesmo do nascimento. “A alimentação de uma gestante, por exemplo, pode fazer com que seu filho tenha uma maior propensão ¨¤ obesidade, mesmo que seus pais sejam magros, afirma Cintra. Um beb¨º pode ter um conjunto de genes de uma pessoa sem tend¨ºncia para a obesidade, mas uma dieta rica em gorduras durante seu per¨ªodo fetal, por parte da mãe, pode fazer com que esses genes, apesar de presentes, não exerçam sua função do modo como deveriam. Assim como uma dieta gordurosa, a desnutrição durante a gestação tamb¨¦m pode levar o beb¨º ¨¤ obesidade, ou logo na infância, ou na vida adulta.

O fator ambiental, diferente do fator gen¨¦tico, pode ser revers¨ªvel. Um dia de m¨¢ alimentação, por exemplo, causar¨¢ a produção de prote¨ªnas inflamat¨®rias, mas o organismo se restabelecer¨¢ ap¨®s poucos dias com uma dieta saud¨¢vel. Por¨¦m, caso a m¨¢ alimentação se torne um h¨¢bito e persista durante anos, os fatores ambientais tamb¨¦m podem se tornar irrevers¨ªveis. As prote¨ªnas inflamat¨®rias produzidas pelo tecido adiposo, al¨¦m de interferirem na comunicação entre c¨¦lulas, tamb¨¦m podem levar ¨¤ morte celular de neurônios do hipot¨¢lamo, região do c¨¦rebro respons¨¢vel pelo controle da fome. A obesidade então se torna um quadro cl¨ªnico muito dif¨ªcil de ser revertido, mesmo com mudanças de h¨¢bitos alimentares e pr¨¢tica de exerc¨ªcios f¨ªsicos.

Atualmente, não h¨¢ medicamentos eficazes para se controlar a obesidade. As mais modernas drogas que estão em desenvolvimento visam ¨¤ destruição das prote¨ªnas inflamat¨®rias, mas são car¨ªssimas e ainda estão em fase experimental. O ¨²nico tratamento m¨¦dico ¨¦ cir¨²rgico, por¨¦m precisa ser acompanhado de mudanças de h¨¢bitos alimentares, pois a cirurgia não remover¨¢ as prote¨ªnas inflamat¨®rias do organismo. O operado poder¨¢ voltar a ganhar peso caso apenas a quantidade de comida ingerida diminua, mas a qualidade não melhore.

A obesidade ainda pode trazer outras graves consequ¨ºncias para o organismo. Entre elas estão hipertensão, aterosclerose (entupimento de veias e art¨¦rias) e at¨¦ mesmo o aumento da probabilidade de desenvolvimento de diversos tipos de câncer. Uma das principais doenças associadas ¨¤ obesidade, por¨¦m, est¨¢ relacionada ¨¤ resist¨ºncia que o organismo desenvolve ¨¤ insulina: o diabetes.

Obesidade e diabetes

Caso cl¨¢ssico na literatura m¨¦dica, os ¨ªndios Pima, que viviam no que ¨¦ hoje o Arizona central, nos EUA, representam um exemplo da enorme relação entre obesidade e diabetes. Antes de ter contato com outros povos, havia entre os Pima cerca de 10% de diab¨¦ticos. O contato com dietas não nativas, trazidas por europeus e americanos no fim do s¨¦culo XIX e in¨ªcio do s¨¦culo XX, ocasionaram um substantivo aumento no peso dessa população. Isso fez com que a quantidade de indiv¨ªduos Pima com diabetes saltasse para mais de 50%.

“Os Pima j¨¢ tinham uma predisposição gen¨¦tica em relação ao diabetes, afirma Paulo Lotufo, professor da Faculdade de Medicina da USP com livre doc¨ºncia na ¨¢rea de diabetes, “mas representam um exemplo inequ¨ªvoco de que a obesidade est¨¢ intimamente relacionada ¨¤ doença, indica.

Para Marcelo Lima, endocrinologista e pesquisador do Laborat¨®rio de Investigação em Metabolismo e Diabetes (Limed), da Unicamp, existe uma relação clara entre o diabetes tipo 2 e a obesidade. “Cerca de 80% a 90% dos indiv¨ªduos que desenvolvem o diabetes tipo 2 são obesos, aponta. “O diabetes tipo 2 representa cerca de 90% dos diab¨¦ticos. Os demais são do tipo 1, que não tem nenhuma relação especial com a obesidade, explica.

Hoje, de acordo com dados do Minist¨¦rio da Sa¨²de, mais de 5% da população brasileira adulta confirma ser portadora da doença. Esse percentual corresponde a pouco mais de 7 milhões de indiv¨ªduos. Entretanto, estima-se que esse ¨ªndice seja maior, uma vez que muitos indiv¨ªduos não t¨ºm consci¨ºncia de que portam diabetes. "Cerca de 30% dos diab¨¦ticos não sabem que t¨ºm a doença", afirma Lima. O aumento da obesidade que ¨¦ observado atualmente na população deve fazer com que esse n¨²mero cresça nos pr¨®ximos anos.

O diabetes tipo 2 ¨¦ um dist¨²rbio metab¨®lico que tem na resist¨ºncia ¨¤ ação de insulina o seu principal fator. Os mecanismos que levam da obesidade para o diabetes são m¨²ltiplos e complexos. Mesmo dentro da comunidade m¨¦dica permanecem d¨²vidas e controv¨¦rsias a respeito de como a obesidade provoca a doença. “A medicina ainda não ¨¦ capaz de explicar totalmente como a obesidade leva ao diabetes, mas j¨¢ tem como certo alguns mecanismos respons¨¢veis por essa relação, indica Lotufo.

Sabe-se, por exemplo, que o indiv¨ªduo obeso apresenta um tecido adiposo aumentado e que, nesse estado, esse tecido produz uma s¨¦rie de substâncias que diminuem a capacidade do organismo captar a glicose, produzida ap¨®s a ingestão de alimentos, e transform¨¢-la em energia. A captação de glicose pelas c¨¦lulas ¨¦ fundamental para que o indiv¨ªduo produza energia. Sem essa produção não h¨¢ vida.

Em indiv¨ªduos saud¨¢veis o organismo tende a manter o n¨ªvel de glicose no sangue est¨¢vel. Para isso, quando existe um n¨ªvel de glicose na corrente sangu¨ªnea acima do normal, c¨¦lulas localizadas em uma estrutura especial do pâncreas  as ilhotas de Langerhans  são incentivadas a produzir insulina.

Um dos pap¨¦is da insulina ¨¦ contribuir para que as mol¨¦culas de glicose entrem nas c¨¦lulas. Ao ligar-se a receptores na superf¨ªcie celular, a insulina produz sinais dentro da c¨¦lula que, entre outras funções, facilitam o transporte da glicose da superf¨ªcie da c¨¦lula para seu interior.

O indiv¨ªduo obeso, por¨¦m, apresenta dificuldades em realizar esse processo de sinalização da insulina, ou seja, h¨¢ resist¨ºncia ¨¤ insulina, o que reduz a possibilidade de a glicose entrar na c¨¦lula. Para compensar essa dificuldade, as c¨¦lulas pancre¨¢ticas produzem mais insulina, levando ¨¤ hiperinsulinemia, ou seja, excesso de insulina no sangue.

“Al¨¦m disso, no caso do diabetes tipo II, existe um desequil¨ªbrio entre a produção de insulina pelas c¨¦lulas pancre¨¢ticas e a produção de glicose, afirma Lima. “Podemos dizer, nesse caso, que mesmo que haja n¨ªveis normais ou elevados de insulina no sangue, a produção insul¨ªnica ¨¦ insuficiente para que a quantidade de glicose no sangue se normalize, explica.

Em relação ao diabetes, a gordura mais perigosa ¨¦ a localizada no abdômen. No corpo humano, a gordura ¨¦ distribu¨ªda na região subcutânea ou na região visceral. Em geral, com algumas poucas exceções, os obesos apresentam aumento de gordura pr¨®ximo ¨¤s v¨ªsceras. A gordura visceral tem caracter¨ªsticas metab¨®licas diferentes da gordura subcutânea, as quais favorecem a instalação do quadro de resist¨ºncia ¨¤ insulina.

“O excesso de tecido adiposo localizado principalmente no abdômen produz substâncias que interferem negativamente na sinalização intracelular da insulina, o que favorece o aparecimento do diabetes, diz Lima.

O diabetes tipo 2 j¨¢ foi considerado como uma doença de adultos. No entanto, atualmente est¨¢ relacionado tamb¨¦m com crianças e adolescentes. Uma criança ou um adolescente que apresente predisposição gen¨¦tica pode desde cedo apresentar certa resist¨ºncia ¨¤ insulina, que ¨¦ agravada pela obesidade.

“Para se prevenir, o melhor a fazer ¨¦ realizar exerc¨ªcios f¨ªsicos com regularidade, indica Lotufo. Segundo o professor da USP, mesmo que a pessoa não perca peso, ir¨¢ melhorar a captação de glicose pelas c¨¦lulas, o que diminui a chance de apresentar diabetes. Para Lima, outra medida fundamental ¨¦ diminuir o consumo de alimentos ricos em gordura.

Para a endocrinologista Ol¨ªmpia Ara¨²jo, autora de trabalho acad¨ºmico sobre o diabetes, um dos grandes problemas relacionados ¨¤ doença, atualmente, não ¨¦ a quantidade de informação existente, mas se esse conhecimento atinge os pacientes em risco, como parte da população obesa. “Al¨¦m disso, não basta apenas se informar - a atitude do indiv¨ªduo no enfrentamento de sua condição tem um peso importante na aplicação do conhecimento adquirido, afirma.