O convívio
com alunos anteriormente excluídos das escolas comuns é recente e gera ainda
muito preconceito, receios, insegurança. Essas reações às diferenças vêm das
práticas de distanciamento dessas pessoas, como ocorre com outras minorias;
alimentam o descrédito e reduzem as expectativas dos professores e continuam a
manter as “escolas dos diferentes”, os alunos “diferentes”, seja porque são os
melhores da classe, seja porque são os alunos nela incluídos – os chamados
“alunos da inclusão”.
Resistindo às mudanças
exigidas por uma abertura incondicional às diferenças, as escolas têm se
esquivado dos desafios que levariam os seus professores a rever e a recriar
suas práticas e a entender as novas possibilidades educativas trazidas pela
inclusão. Esses desafios vêm sendo neutralizados por políticas e diretrizes
educacionais, programas compensatórios de reforço, aceleração, escolas
especiais e outros. Falsas soluções para enfrentá-los têm feito as escolas escaparem
pela tangente e se livrarem do enfrentamento necessário para romper os
fundamentos de sua organização pedagógica fechada, ultrapassada e inflexível a
mudanças.
Ao atender às
características desse tipo de organização, elas estão habituadas a categorizar
e hierarquizar, os alunos em grupos, nominações, arbitrariamente constituídos.
Os territórios corporativos constituem outro alvo desafiante, principalmente,
quando se trata dos profissionais da educação especial.
Outros
entraves provêm das soluções paliativas, que deturpam os princípios de uma
educação para todos e que vão pouco a pouco minando o rigor desses preceitos,
em nome de uma falsa flexibilidade, como os currículos adaptados, as atividades
facilitadas, a terminalidade específica para alunos com deficiência.
Muitos
professores de escolas comuns acreditam que um ensino diferenciado e adaptado às
necessidades de alguns alunos é a solução para atender a todos nas salas de
aula.
Diferenciar
o ensino para alguns alunos não condiz com o que uma pedagogia das diferenças
preconiza para flexibilizar as escolas. Podemos cair em uma cilada, quando o
ensino diferenciado remete a um ensino à parte para alguns e a propósitos e
procedimentos que decidem “o que falta” ao aluno, concebendo a aprendizagem como
um processo regulado externamente.
O aluno se
adapta a novos conhecimentos, quando transpõe os conflitos cognitivos
provocados pelo ensino de um dado conteúdo e essa adaptação testemunha a sua
emancipação intelectual. A assimilação do conhecimento provém de um processo de
autorregulação, no qual o aprendiz demonstra sua capacidade de relacionar e de
incorporar o novo ao que já conhece. Essa regulação ativa é que deve ser
buscada, como um dos objetivos da escola.
As práticas de ensino se tornam flexíveis quando consideram
essa emancipação, que é própria de todos os alunos, independentemente da
capacidade de aprender de cada um e os reconduz ao lugar de saber, do qual
foram excluídos, na escola ou fora dela. Na mesma direção, as atividades
escolares se diversificam para que todos os alunos tenham livre escolha sobre elas,
ao invés de serem predestinadas e diferenciadas para um grupo ou outro da
turma.
Rever a organização pedagógica das escolas, à luz de
concepções de ensino e de aprendizagem inovadoras e abandonar os arranjos
criados para manter as aparências “bem intencionadas”, atribuindo aos alunos o
fracasso, a incapacidade de acompanhá-la em todos os níveis de ensino, envolvem
coragem e humildade.
Sabemos da necessidade e da
urgência de um ensino que atenda a todos os alunos nas suas diferenças.
Quando se
abstrai a diferença, para se chegar a um sujeito universal, a inclusão perde o
seu sentido. Conceber e tratar as pessoas igualmente esconde suas
especificidades. Porém, enfatizar suas diferenças pode excluí-las do mesmo
modo! Eis aí a armadilha da inclusão.
As
peculiaridades definem a pessoa e estão sujeitas a diferenciações contínuas,
tanto interna como externamente. Estamos, no entanto, convencidos e habituados
às formas de representação da diferença, que são resultantes de comparações e
de contrastes externos. Para Burbules (2008), essas representações constituem
formas de pensar a diferença, como diferença
entre.
A diferença entre está subjacente a todos
esses entraves às mudanças propostas pela inclusão, seja na escola , como em
outras instituições sociais. Velada ou explicitamente, ao fazermos comparações,
fixamos modelos, definimos classes e subclasses de pessoas, de alunos, com base
em atributos que não dão conta de suas diferenças por completo, excluindo-as
por fugirem à média e/ou à norma estabelecida. É o que ocorre nas escolas dos diferentes, que tanto podem
ser escolas especiais como comuns, que se restringem a receber alguns alunos,
ou aqueles que correspondem às suas exigências e acompanham o seu ensino.
As escolas das diferenças implicam rigor e qualidade das propostas
educacionais. Em uma palavra, elas enfrentam a si mesmas, ao buscarem
distinguir o modo como produzem as diferenças nas salas de aula: categorizando
os alunos em bons e maus estudantes ou considerando cada aluno como sendo o
resultado da multiplicação infinita das manifestações da natureza humana. Tais
escolas atendem incondicionalmente a todos os alunos.
Por se
apoiarem no sentido da diferença entre,
nossas políticas públicas de educação confirmam, em muitos momentos, o projeto
igualitarista e universalista da modernidade, baseado na identidade idealizada
e fixa do “aluno modelo”. Embora já tenhamos avançado muito, desconstruir o
sentido da diferença entre em nossos
cenários sociais é ainda uma gigantesca tarefa.
Contrapondo-se
à diferença entre, a inclusão é uma
reação aos valores da sociedade dominante e ao pluralismo, entendido como uma
aceitação do outro e incorporação da diferença, sem conflito, sem confronto.
A diferenciação para excluir limita o
direito de participação social e o gozo do direito de decidir e de opinar de
determinadas pessoas e populações e é ainda a mais frequente. Tal diferenciação
é própria das escolas dos diferentes, em que os alunos são triados, segundo
decisões de fora, baseadas na valoração positiva ou negativa do desempenho
escolar.
Na
contramão dessa tendência, a diferenciação
para incluir está cada vez mais se destacando e promovendo a inclusão total
pela quebra de barreiras físicas, atitudinais, comunicacionais, que impedem
algumas pessoas em certas situações e circunstâncias de conviverem, cooperarem,
estarem com todos, participando,
compartilhando com os demais da vida social, escolar, familiar, laboral, como
sujeitos de direito e de deveres comuns a todos. Tal diferenciação está na base
da inclusão escolar e das escolas das diferenças.
A Educação
Especial conquistou posições importantes do ponto de vista legal e educacional
na educação brasileira e esses marcos estão fundamentados na Constituição de
1988 e na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência/ONU, 2006,
ratificada e assimilada ao texto constitucional pelo Decreto no. 6.949/2009. A
Política Nacional de Educação Especial, na Perspectiva da Educação
Inclusiva/MEC 2008 é o testemunho de nossos avanços em direção à inclusão
escolar. Ela é explícita quando propõe a diferenciação para incluir e reconhece
o sentido multiplicativo da diferença, que vaza e não permite contenções,
porque está sempre mudando e se diferenciando, interna e externamente, em cada
sujeito. Em seu texto fica patente que a diferenciação é fluída (Burbules,2008)
e bem-vinda, porque não celebra, aceita, nivela, mas questiona a diferença!
Não há mais
como recusar, negar, desvalidar a diferença na sociedade brasileira e no
cenário internacional. Cabe-nos, pois, como educadores, colocar em cheque a
produção social da diferença, como um valor negativo, discriminador e
marginalizante, dentro e fora das nossas escolas.
Maria Teresa Eglér Mantoan é professora da
Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde
também atua junto ao Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diversidade
(Leped)
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.
Brasil,
Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Marcos político-legais da educação especial na perspectiva
da educação inclusiva. Brasília: Secretaria de Educação Especial, 2010.
Burbules,
Nicholas C. Uma gramática da diferença: algumas formas de repensar a diferença
e a diversidade como tópicos educacionais. In: GARCIA, Regina Leite; MOREIRA,
Antonio Flávio Barbosa (Org.). Currículo,
na contemporaneidade - incertezas e desafios. 3ªed. São Paulo: Cortez
Editora, 2008.
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