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Artigo
Desafios e estratégias para a cooperação internacional em pesquisa no Brasil e as FAPs
Por Carlos Henrique de Brito Cruz
13/06/2011

Um dos mais importantes desafios para a ciência brasileira nesta segunda década do século XXI é o de buscar maior impacto mundial para o conhecimento criado no país. A produção de ciência de maior qualidade requer a colaboração entre os cientistas mais capazes e, por isso, em muitos casos, é importante ultrapassar as fronteiras nacionais.

O indicador mais simples que caracteriza o impacto científico é o número de citações por artigo científico publicado em revistas científicas de circulação internacional. Em 2009, para o Brasil, o número de citações por artigo1 foi 0,59, enquanto para a China foi 0,73, para a Argentina, 0,84, para a Espanha, 1,11, para os Estados Unidos, 1,50, e para o Reino Unido, 1,57. A evolução do impacto dos artigos originados no Brasil e em alguns outros países é mostrada na Figura 1.


Figura 1. Impacto da produção científica do Brasil e de alguns outros países para os
artigos publicados em 1981, 1991, 2001, 2006 e 2009.
(Fonte: Thomson Reuters InCites 2009).

É notável que o indicador de citações por artigo para o Brasil piorou a partir de 2006, quando chegou ao pico de 0,71 citações por artigo, o que parece estar relacionado ao aumento da quantidade de títulos publicados no país e que passaram a ser incluídos no Web of Science a partir de 2007, levando a um aumento do número de publicações (que passaram de 19 mil para 30 mil).

Fatores que afetam o impacto dos artigos vão desde o compromisso das instituições de origem com a excelência acadêmica, sua capacidade de financiamento e adequação de infraestrutura de pesquisa até a existência de co-autoria de outros países e a língua em que o artigo é publicado1. Neste artigo vamos analisar os aspectos relativos à co-autoria internacional e como eles podem contribuir para que os artigos originados no Brasil venham a ter mais impacto.

O efeito da co-autoria no impacto dos artigos originados no Brasil foi analisado por Leta e Brito Cruz2, verificando-se que entre os artigos publicados em 1998, aqueles com co-autores internacionais receberam 72% mais citações do que os sem co-autores internacionais. Mais recentemente, a Royal Society publicou um estudo no qual se demonstra que quanto maior o número de países dos co-autores, maior o impacto dos artigos3. No mesmo relatório, a Royal Society mostrou que, diferentemente do ocorrido com países líderes em criação científica, no Brasil, a intensidade de co-autorias internacionais caiu de 35% do total de artigos em 1996 para 27% em 20084. Outro relatório da Royal Society refere-se a ganhos de até 50% no impacto de artigos em colaboração com Estados Unidos e França, e 30% de ganho nos artigos em colaboração com Brasil5.

Pelo exposto, urge desenvolver instrumentos de fomento para estimular e apoiar o estabelecimento de mais colaborações internacionais para a ciência brasileira. O CNPq e a Capes têm programas tradicionais para esta finalidade, bem como têm desenvolvido acordos internacionais importantes6. Na 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, Jacob Pallis elencou as iniciativas dessas agências federais e mostrou também as iniciativas da Academia Brasileira de Ciências na participação em organismos internacionais relativos à ciência7. Na mesma sessão da 4ª CNCTI, Brito Cruz defendeu a necessidade de iniciativas para a internacionalização da ciência brasileira8, elencando algumas das iniciativas da Fapesp para isso9, como as Escolas São Paulo de Ciência Avançada e a busca, no exterior, de candidatos aos programas de pós-doutorado e de jovens pesquisadores. Esta última foi adotada como uma das conclusões da 4ª CNCTI que se refere à busca de talentos no exterior como uma forma de “brain gain”10. É desejável que as FAPs se unam a esse esforço, como algumas delas já vêm fazendo há alguns anos. Como exemplo, várias FAPs assinaram acordos com o INRIA francês em 2010, publicando editais para a seleção de propostas visando a intercâmbio e pequenos financiamentos de projetos de pesquisa. A Fapemig ofereceu em 2010 um edital para intercâmbio com a Universidade de Queensland, na Austrália, e a Facepe já publicou três editais com a Fapesp e a ANR francesa, buscando projetos de pesquisa colaborativos em temas relacionados à oceanografia.

É importante oferecer meios e incentivar uma atitude mais ousada e agressiva na busca de interações por parte da comunidade científica. A qualidade de muitos projetos de pesquisa em andamento no país justifica tal agressividade na busca de pós-doutores, alunos de pós-graduação e visitantes temporários. Para isso, há instrumentos já disponíveis, e é necessário mais ênfase para se dar publicidade às oportunidades disponíveis, por meio de anúncios nas revistas internacionais relevantes na área, além da tradicional comunicação pessoal em redes de pesquisadores destacados.

Na Fapesp, uma estratégia institucional de internacionalização tem levado à criação, nos últimos anos, de um amplo conjunto de iniciativas. De 2005 a junho de 2011, a Fapesp já apoiou mais de 240 projetos de pesquisa colaborativos, incluindo alguns de grande porte, com dezenas de instituições estrangeiras de primeira linha11.

Fazem parte desta estratégia o apoio à publicação de livros em língua estrangeira para distribuição mundial por editoras capacitadas para tal, inclusive algumas das editoras universitárias brasileiras, e o envio de estudantes de graduação e de pós-graduação para estágios de alguns meses no exterior12, além de anúncios mundiais das posições de pós-doutorado e jovem pesquisador13. Como exemplo para o intercâmbio de estudantes, a Fapesp mantém acordos com a NSF e o MIT nos Estados Unidos.

Uma outra iniciativa da Fapesp que tem trazido já ótimos resultados é o Programa de Escolas São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA)14. Nas ESPCAs se oferece, em termos competitivos, via chamada de propostas, recursos para a organização de cursos de curta duração em pesquisa avançada, nas diferentes áreas do conhecimento, no estado de São Paulo. Em cada ESPCA, a formação dos participantes contribui para se criar no estado de São Paulo polos de atração de talentos científicos mundialmente competitivos. Os professores que lecionam as disciplinas nas ESPCA devem ser cientistas de excelente qualificação e destaque em seus campos de pesquisa, incluindo-se cientistas estrangeiros convidados. Os estudantes participantes devem estar matriculados em cursos de graduação ou pós-graduação no Brasil ou exterior, sendo potenciais candidatos aos cursos de mestrado, doutorado ou a estágios como pós-doutores em instituições de ensino superior e pesquisa no estado de São Paulo. Também podem ser aceitos alguns jovens doutores. As primeiras ESPCA começaram a ser realizadas no primeiro semestre de 2010 com excelente repercussão15 e já houve 19 ESPCAs aprovadas. Como cada ESPCA traz a São Paulo em média 50 estudantes estrangeiros, com essas 19, foram trazidos em torno de 450.

No que diz respeito a projetos de pesquisa colaborativos, há duas iniciativas complementares. Primeiro, para que os pesquisadores em São Paulo possam iniciar colaborações e preparar projetos de médio e grande porte com colegas de outros países, a Fapesp tem estabelecido acordos com várias universidades e instituições de pesquisa no estrangeiro, em países como Reino Unido, França, Holanda16; esses acordos permitem também o intercâmbio de estudantes. Em segundo lugar, acordos com agências de financiamento à pesquisa17 do Reino Unido, França, Alemanha, Dinamarca, Argentina e Portugal garantem a oportunidade para a submissão de propostas completas de pesquisas17.

Dentre os acordos com agências, os mais abrangentes são com os sete Conselhos de Pesquisa do Reino Unido (RCUK) e com o DFG da Alemanha. No acordo com os RCUK, um pesquisador em São Paulo pode se associar com um colega do Reino Unido para preparar uma proposta de pesquisa que será analisada conjuntamente pela Fapesp e pelo RCUK. Sendo aprovada, a Fapesp financiará o orçamento aprovado para o pesquisador principal em São Paulo e o RCUK financiará o orçamento aprovado para o pesquisador principal no Reino Unido. De forma análoga, mas sem a análise integrada, funciona o acordo Fapesp-DFG que já tem seis projetos aprovados. Recentemente, a Fapesp completou o processo de seleção de propostas no primeiro edital em parceria com o Conicet argentino e foram aprovadas dez propostas de projetos de médio porte.

Finalmente, o acordo Fapesp-Microsoft Research permite que pesquisadores em São Paulo desenvolvam projetos de pesquisa em que interagem com colegas dos laboratórios da Microsoft Research em Redmond (Estados Unidos) e em outras localidades.

O desenvolvimento das FAPs tem sido um acontecimento auspicioso para o desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil. Elas podem ter um papel fundamental no desenvolvimento e na intensificação da cooperação internacional em pesquisa e várias delas já estão dando passos definitivos para isso. É de todo desejável que os governos estaduais prestigiem suas FAPs, como São Paulo sempre fez e como o Rio de Janeiro e Minas Gerais chegaram a fazer depois de 2006.

Carlos Henrique de Brito Cruz é diretor científico da Fapesp.


1 Dado obtido na base de dados InCites Thomson-Reuters

1 “Germany and France are wronged in citation-based rankings”, Anthony F.J. van Raan, Thed N. van Leeuwen, and Martijn S. Visser. http://www.cwts.nl/pdf/LanguageRanking22122010.pdf

2J. Leta e C.H. Brito Cruz, “A produção científica brasileira”, in Indicadores de Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil (Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2003).

3The Royal Society, “Knowledge, Networks and Nations: Global scientific collaboration in the 21st century”, Fig. 2.7.http://royalsociety.org/policy/reports/knowledge-networks-nations.

4 Ibid. Fig 2.2.

5The Royal Society, “The Scientific Century”, p. 34(London, 2010).

6O CNPq anuncia as cooperações em http://www.cnpq.br/programas/coopint/index.htm, a CAPES em http://www.capes.gov.br/cooperacao-internacional.

7J. Pallis, “Um Olhar sobre a Ciência Brasileira e sua Presença Internacional”, Sessão Plenária na 4ª CNCTI. http://cncti4.cgee.org.br/index.php/banco-de-documentos/doc_download/235-plenaria-3-jacob-palis.

8C.H. Brito Cruz, “Desafios para a Ciência Fundamental”, Sessão Plenária na 4ª CNCTI. http://cncti4.cgee.org.br/index.php/banco-de-documentos/doc_download/232-plenaria-3-carlos-henrique-brito-cruz

10MCT, “Livro Azul da 4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável” – Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia/Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, 2010, p. 58.

11Uma lista dos acordos de cooperação internacional da FAPESP está em http://www.fapesp.br/en/5399.

12A Fapesp tem tido resultados muito positivos com o programa para envio de bolsistas de IC da área de química para estágiuos de 3 meses em grupos de pesquisa dos EUA apoiados pela NSF, agência que envia também estudantes de graduação destes grupos americanos para grupos no estado de São Paulo.

13A Fapesp anuncia as posições para pós-doutores e jovens pesquisadores mensalmente na revista Nature remetendo ao website de Oportunidades da fundação em http://www.oportunidades.fapesp.br/en/.

14http://www.fapesp.br/materia/5374/organizacao-de-reuniao/escola-sao-paulo-de-ciencia-avancada-2-chamada-chamada-fapesp-04-2010-.htm

15H. Escobar, “SP terá curso de pós em genômica e imunologia”, http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100208/not_imp507830,0.php

16A lista completa de oportunidades está em http://www.fapesp.br/en/5399.

17A maior parte dos acordos da FAPESP com agências e instituições estrangeiras abrange todas as áreas do conhecimento.