Quando pensamos o mundo de hoje, somos invadidos por tantas
perguntas quantas mudanças ocorreram na vida profissional e no cotidiano de
cada um de nós, principalmente depois das chamadas TICs – tecnologias de
informação e comunicação. Quais os impactos da internet na ciência, nos
cientistas e na sociedade em geral?
A internet surge como a causa da transformação mais evidente
e intensa. Mas no ambiente ciberespacial, sem lugar fixo, determinado,
abrangendo todos os espaços, muitas ferramentas proporcionam as mais diferentes
ações.
No entanto, é preciso saber que para usufruir das vantagens
da internet, é necessário uma ampla e sólida infraestrutura tecnológica,
instalada a partir da metade da década de 1990 pelo Ministério de Ciência,
Tecnologia e Inovação, a chamada RNP (Rede Nacional de Pesquisas), hoje também
de ensino. Além disso, ninguém tem acesso à internet sem um computador e
equipamentos necessários à atuação em rede. Assim, é preciso que a internet
faça parte não somente das políticas públicas nacionais, mas também de
instituições como universidades, colégios, enfim, de todos os
organismos que produzem conhecimento, trabalham com ensino e pesquisa ou são
espaços de aprendizagem, para acesso a informações e conhecimento, como as
bibliotecas.
Não nos deteremos nos mecanismos ou ferramentas de busca,
como o Google ou as Wikipédias, embora reconheçamos a utilidade de ambos.
Entretanto, não são instrumentos para uso específico de especialistas,
pesquisadores, alunos de pós-graduação ou profissionais interessados em
determinado assunto. A Wikepédia pode responder a perguntas gerais de
navegantes da internet, mas não pode ser assegurado que não contenha equívocos
ou imprecisões. Quanto ao Google, o seu filtro não garante a precisão das
informações recuperadas, entre as quais podem estar muitas consideradas “lixo”.
Entre as tecnologias, podemos distinguir as de informação,
como bibliotecas digitais, virtuais e repositórios, e as de comunicação, entre
as quais o e-mail, as listas de discussão, salas virtuais (chats), portais,
sites, blogs, facebook e twitter, entre outros. Qualquer desses instrumentos
pode ser, simultaneamente, de comunicação e informação, e embora tenham sido
criados com um objetivo, podem exercer outros papéis. Explicando melhor, um
e-mail é essencialmente para comunicação de mensagens, seja para um professor,
colega ou amigo, mas pode também divulgar informações e geralmente assim é, no
exercício de dupla função.
Por outro lado, a comunicação que era lenta, no correio
comum, ganhou uma velocidade inimaginável e esta é uma grande vantagem – uma
mensagem eletrônica chega ao destinatário no momento imediato e pode ser
respondida nesse mesmo instante, independente de distância, que deixa de existir na internet.
Para completar, não há limite no número de destinatários, um só e-mail pode ser
enviado a inúmeras pessoas, portanto, a audiência é para muitos, ilimitada.
Nesse processo, o que mudou na ciência e na sociedade? Para
os cientistas, é possível desenvolver pesquisas a distância, em equipes que
reúnem especialistas de diferentes campos do conhecimento, de regiões e países;
os continentes são conectados em rede. A troca de informações e conhecimento
flui e se renova na internet. Trabalhando juntos na exploração de infinitas
possibilidades tecnológicas e de conhecimento os médicos, por exemplo, podem
solucionar problemas de doença de um paciente longínquo, ou orientar outros
pesquisadores no diagnóstico, na prescrição de remédios e tratamento.
No desenvolvimento de pesquisas, as equipes se fortalecem em
quantidade e qualidade, reúnem especialistas de diversas áreas e, numa ação
interdisciplinar e internacional, podem resolver questões complexas, que um
cientista sozinho não solucionaria, nem vários de uma mesma área. O próprio
cientista tem mais possibilidade de se comunicar e intercambiar informações
sobre instrumentos, métodos, técnicas, resultados e aplicações de pesquisas,
com vários colegas, independentemente de sua nacionalidade; além de dispor de
numerosos canais de difusão de suas pesquisas, cujos resultados chegarão
rapidamente a qualquer indivíduo. Mas essa distância entre os dois mundos, o do
pesquisador e o do cidadão, exige um esforço da chamada divulgação científica
ou popularização da ciência. Esta consiste na transformação do discurso
científico, da linguagem especializada de um campo do conhecimento, hermética e
de difícil entendimento pelo leigo, para a linguagem comum, simples, fácil de ser
entendida por qualquer pessoa.
De todas essas ferramentas valiosas, não podem deixar de ser
destacadas as bibliotecas digitais e virtuais. Quais as diferenças entre uma
biblioteca tradicional, instalada num determinado lugar, fixa, e uma biblioteca
digital ou virtual, que pode estar em muitos lugares, simultaneamente? Ou com
as bases de dados bibliográficos?
Em primeiro lugar, as bibliotecas digitais ou virtuais, aqui
consideradas juntas, sem distinções conceituais que existem e são estudadas,
estão entre serviços e produtos de informação contemporâneos. Essas bibliotecas
reúnem documentos dispersos pelo mundo, além de trazer o seu texto completo, isto
é, a informação sobre o documento e o próprio documento, e aquele que os buscou
pode estar em qualquer lugar da Terra, não precisa se locomover. Na biblioteca
física, convencional, o usuário terá que ir até o acervo, e na base de dados
bibliográficos buscar as informações sobre o documento, a referência, se fosse
de livro, com autor, título, local, editora, data etc. No entanto, devemos
lembrar dois fatores importantes: nem tudo que está nos acervos e coleções de
bibliotecas tradicionais, impresso em papel, está na internet, e nem tudo que
está na internet pode ser baixado (download) e usado, muitas vezes é preciso
pagar para conseguir acessar o texto do documento. Estão envolvidos nessa
questão os direitos de autor, a propriedade intelectual, as obras de domínio
público, ou melhor, aquelas cujos autores faleceram há muito tempo e suas obras
passam a ser livres para leitura de todos, o que depende da legislação de cada
país, além da democratização da informação, dos direitos humanos, do movimento
do acesso livre à informação científica, enfim, questões de distintas
instâncias e esferas.
Em termos de serviços e produtos eletrônicos de informação,
a relação entre os gestores e usuários ficou mais próxima com as perspectivas
de interação via e-mail (fale conosco) e, mais recentemente, facebook e twitter.
Um bom exemplo é o portal de divulgação científica do Instituto Brasileiro de
Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), o CanalCiência, que aderiu às redes
sociais e introduziu o twitter e o facebook como forma de estabelecer
comunicação mais dinâmica e interativa com seus usuários. A partir daí, será
possível acompanhar diariamente a repercussão do portal, perceber os seus
efeitos sobre os usuários, identificar lacunas e falhas, verificar temas mais
demandados; enfim, a avaliação poderá ser feita por meio da rede social e os
resultados nortearão as ações a serem empreendidas para seu aperfeiçoamento. Para finalizar, ressalto questões relevantes em relação às
tecnologias de informação e comunicação – algumas ideias equivocadas que a
rede, na sua dimensão social e tecnológica, inicialmente motivou. A primeira,
de que com a internet, todos se tornam autores, quando na verdade o ato de
escrever e disponibilizar na rede não significa ingresso na categoria de
autores, seja em ciência, literatura ou arte. Na ciência, ainda que a tradição da
avaliação pelos pares seja muito questionada, essa prática permanece e, para
publicar, seja no formato impresso ou eletrônico, é preciso antes submeter sua
pesquisa à avaliação, sem o que não estará legitimada por sua respectiva
comunidade científica.
Entre não especialistas ou leigos, crianças e jovens,
principalmente, o uso de informação na internet deve ser orientado de tal forma
que esses usuários saibam reconhecer uma fonte segura, correta e consistente,
para que não repitam, propaguem e usem informações errôneas.
A internet não é um território sem normas e leis. Especificamente
quanto ao ato de estudar e escrever, os direitos de autor devem ser respeitados
e a ética da citação seguida. A prática descontrolada ou excessiva do “recorta
e cola” deve ser evitada, abrindo espaço para uma leitura compreensiva e
reflexiva, na verdadeira aprendizagem, que certamente estimulará a imaginação e
a criatividade.
A internet deveria ser um território ao mesmo tempo
democrático, do livre pensar e do exercício da ética, o que depende de
políticas públicas de nosso país, de nossas instituições, dos colégios, das
universidades, dos institutos de pesquisa, dos professores, pesquisadores,
família, dos cidadãos, enfim, de todos nós. Lena Vania Ribeiro Pinheiro é pesquisadora e
professora do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict).
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