Darwin não é novidade. Ou não
era. Sua teoria é conhecida e reconhecida, mas a pessoa Charles Darwin (um
sisudo senhor de barbas brancas, vestido de cores dramáticas e escuras) parece
ser menos familiar. Talvez, por isso, mais que sua teoria, as muitas
exposições que marcam as comemorações do seu aniversário duplo – duzentos anos
de nascimento e cento e cinquenta anos de publicação da teoria evolutiva –, apostam
na exibição de um jovem que deixou uma paixão para trás e se aventurou em uma
viagem nada confortável ao redor do mundo. Um pesquisador que anotava,
freneticamente, em pequenos cadernos, dados que surgiam a partir de suas observações. Um homem que, por respeito às crenças de sua esposa, postergou ao
máximo a publicação da obra que foi o ponto de inflexão sobre a origem da vida
na Terra. Um Darwin que morou em uma casa modesta para um cientista de sua
envergadura, e que serviu de referência para áreas muito além da biologia, como
a computação e a inteligência artificial.
“Darwin não era um gênio”, diz
Carlos Lucena, e complementa, “era um pesquisador esforçado, que trabalhou duro,
mas que tinha particularidades próprias relacionadas à sua personalidade, que
conseguiu transformar em habilidades para serem aplicadas em sua pesquisa”.
Lucena é curador do Museu de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e um dos pesquisadores que ajudou na
montagem da exposição intitulada “(R)Evolução de Darwin”. Para Lucena, que é
biólogo de formação, essa é uma das facetas de Darwin mostrada ao público nas
comemorações este ano: um grande pesquisador, ao contrário dos físicos Einstein
ou Newton, popularmente associados à ideia de gênios (suas teorias e soluções
são resolvidas dentro de um ambiente bastante complexo para o
público em geral: a matemática e a física). O desejo de humanidade em Darwin é
tão latente que curiosidades sobre sua vida privada estão sendo expostas em
todo o mundo. Até o livro de receitas de sua esposa, Emma Darwin, será
publicado na Inglaterra, conta Lucena.
Charles Darwin vinha de uma
família de livres pensadores. O próprio pai e o avô tinham essa inclinação. A
herança familiar traduziu-se em um grande poder de observação e síntese.
“Darwin tinha a mente aberta, uma visão de horizonte mais ampla que a maioria
de seus contemporâneos”, comenta Lucena. Além disso, era uma pessoa bastante
prática e aplicada. “Basta vermos a quantidade de livros de anotações que ele
se dedicou a escrever em seu período de viagem no Beagle”, continua Lucena.
Para ele, Darwin representa uma ciência feita de muito trabalho árduo, aberta a
reinterpretações o tempo todo e que, portanto, apresentava uma visão menos
reticente a guinadas imprevistas. Estas são consideradas características de
Darwin cruciais para seu trabalho. “Além do tema evolução propriamente dito, é
importante que as pessoas, especialmente os jovens e crianças, percebam que o
conhecimento não se constrói com clique de mouse no computador. A teoria da evolução
surgiu a partir de muita observação, reflexão e discussão”, completa Emílio
Jeckel, diretor do Museu de Ciências da PUCRS, onde a exposição foi montada.
Os
instrumentos usados por Darwin eram simples: blocos de
anotação, lupas e coleta de espécimes, além de muita observação.
“Darwin teria tudo para se tornar
um personagem, um ícone. Sua história foi cheia de conquistas, contra a
corrente”, avalia Thiago Carvalho, curador de outra exposição sobre o
naturalista inglês, montada no Museu Caloust Gulbenkian, em Lisboa, Portugal. Carvalho
destaca que Darwin apresenta em sua história aspectos comuns a outras
personalidades (ou personagens) da ciência: “também Darwin foi um aluno que não
se destacou muito, abandonou a medicina, odiava teologia (coisa que não era
vista com bons olhos na época). Além disso, viaja o mundo em um barco bastante
pequeno (algo entre 30 e 40
metros de comprimento) em uma viagem sem uma grande
missão. Após sua volta, casa-se com Emma Wedgwood – considerada uma religiosa
fervorosa – tem vários filhos (dez ao total) e segue com uma vida bastante
modesta, transformando a sua casa em laboratório – a famosa Down House, situada
na região de Kent, Inglaterra – atualmente aberta para visitação pelo English
Heritage. E, de uma hora para outra, publica um livro que muda os rumos da
biologia. “É difícil contar essa história de maneira chata e impessoal”,
observa Carvalho. Além de tudo isso, ele sabia que sua teoria ainda precisava
de ajustes e contribuições de outros cientistas, admitia suas limitações”,
completa o biólogo, lembrando que, tempos depois, a genética deu grandes
contribuições para a teoria da evolução das espécies.
O destaque para o Darwin
cientista também se reflete nas escolhas de como abordar o evolucionismo. “Entre
os pesquisadores o uso do termo ‘darwinismo’ já começou a ser limitado. Estamos
tentando diferenciar o homem de suas teorias, evitando cada vez mais uma
personificação da teoria”, diz Lacerda. Deste modo, há uma ênfase na multiplicidade
da teoria evolucionista, em sua transformação e complementação, bem como um
entendimento de Darwin como parte da história da ciência e produtor de ideias
atemporais, capazes de vislumbrar passado e futuro. “Uma teoria tem que criar novos programas de
investigação, ser fértil, e ninguém foi mais inspirador para a biologia do que
Darwin – precisamente por não ser um ícone, uma personificação da área, mas um
trabalhador incansável”, completa Thiago Carvalho.
Réplica do navio Beagle, a bordo do qual Charles Darwin viajou pelo mundo.
Darwin exposto
Darwin era um cientista típico da sua área na época em que viveu, sem muitos luxos e
tentando vencer a barreira das distâncias para se comunicar com outros
estudiosos. Muitos outros, inclusive citados por ele como importantes para a
sua formação e resultados dos seus trabalhos, conviveram com ele,de alguma
maneira, e tiveram papel fundamental para os avanços científicos da época.
“Outro aspecto que também ‘humaniza’ a obra de Darwin é resultado da grande
quantidade de cartas, diários e relatos que podem ser lidos ao mesmo tempo em que
se acompanha todo o processo intelectual que resultou na formulação da teoria”
afirma Jeckel. A exposição montada em Porto Alegre (RS) traz ambientações como o
escritório de Darwin, por exemplo, montado no terceiro e último andar da
exposição. “Desta maneira, as pessoas têm a oportunidade de acompanhar a pessoa
Darwin – suas incertezas, seu dia a dia doméstico, seus dramas familiares e
de saúde – e o cientista Darwin – suas observações, viagens, discussões com
outros cientistas, livros e artigos científicos.” diz Jeckel. Nos outros dois
andares da exposição estão montadas ambientações mostrando alguns dos animais
que Darwin encontrou durante a viagem, uma réplica do Beagle (em escala 1:9) e
uma ampla área explicando a sua teoria. Paralelo à exposição, ainda há diversas
palestras ligadas ao tema e abertas ao público em geral.
Juliana Estefano, do Instituto
Sangari, responsável pela exposição “Darwin”, montada em 2007 na capital
paulista e, atualmente, itinerante pelo Brasil (passou por Rio de Janeiro, Brasília,
Goiânia e Curitiba em 2008 e está sendo negociada para ser montada em Vitória e
Fortaleza em 2009), diz que a exposição trazida pelo instituto, em parceria
como o Museu Americano de História Natural (American Museum of Natural
History), também traz à luz essa abordagem multifacetada de Darwin. Montado em
uma área de 1200m2 (maior que os 800m2 originais, pois
foram acrescidos de ambientes falando de sua passagem pelo Brasil e América do
Sul, por exemplo, além de espaços com animais vivos) a exposição da Sangari foi
uma das maiores sobre o tema montada no país. A visão múltipla da obra de
Darwin foi desenvolvida em ambientes que mostram: as visões pré-darwinianas; o
trabalho do naturalista durante sua estada no Beagle e depois em sua casa em Down Hill; aspectos da
teoria da evolução; e ambientes onde os visitantes poderiam
observar animais de várias espécies e fazer paralelos com a teoria. “Foi
importante também mostrar que o trabalho de Darwin foi desenvolvido com
ferramentas simples haviam réplicas expostas como uma lupa, papel e lápis”,
diz Estefano. Além disso, há também um documentário produzido pelo tataraneto
de Darwin, Randal Keynes, sobre o ilustre ascendente que, entre outras coisas,
tinha hábitos extremamente familiares. Assim como a exposição montada na PUCRS,
na do Instituto Sangari várias palestras propõe discussões em torno da teoria
da evolução.
Animais expostos na exposição organizada pela Sangari: o público é convidado a exercitar, assim como Darwin, suas observações e fazer paralelos com a teoria apresentada.
Outra exposição ampla sobre o
naturalista inglês foi a “Darwin BIG idea, BIG exibition” montada na Inglaterra
pelo Museu de História Natural de Londres e que termina dia 19 de abril
próximo. Auto intitulada “A maior exibição sobre Charles Darwin de todos os
tempos”, foi organizada em colaboração com o Museu Americano de História
Natural (Nova York, EUA), o Museu da Ciência (Boston, EUA), o Museu Field
(Chicago, EUA) e o Museu Real de Ontario (Toronto, Canadá). Além dos ambientes
já citados nas exposições acima, a mostra em Londres traz também – através de
uma réplica de um antigo mostruário de esqueletos – exemplos das classificações
animais pré-darwinianas que se balizavam pela crença geral na qual os animais
eram exatamente iguais como na época da criação divina do mundo. A exposição
montada no Museu Gulbenkian, em Lisboa, passa pelo mesmo caminho e, graças a um grande
trabalho de pesquisa e de empréstimos entre museus, trouxe para exposição
ilustrações da coleção de Albert Seba (zoologista holandês do século XVI) e o
“Gabinete de Curiosidades” de Ole Worm, físico dinamarquês. Ambos se
interessavam pelas questões da filosofia da natureza mas, ao contrário de
Darwin, se contentavam em colecionar objetos e narrativas trazidas por
terceiros. Galápagos também é outro ambiente importante nas exposições, pois
foi onde Darwin conferiu in loco informações
importantes de variações adaptativas.
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