Desde os primórdios da existência humana, o ato de comunicar – seja na linguagem escrita ou oral – tem um papel de suma importância no cotidiano e na vida das pessoas. As artes rupestres (gravuras e pinturas) encontradas no interior das cavernas comprovam que o homem sempre buscou formas para expressar ideias, visões do mundo e da realidade que o cerca. A comunicação é um dos mecanismos centrais de inclusão na sociedade, sendo capaz de gerar um bem ou mal- estar na população, de acordo com o modo como as notícias, os fatos e assuntos são abordados e divulgados pela mídia.
Diariamente, a população é bombardeada por uma grande quantidade de informação graças aos distintos meios de comunicação e mecanismos de interação social. Mas ao entrar em contato com notícias jornalísticas, é comum que o receptor se depare com um número bem maior de matérias com conteúdo negativo, do que positivo. Na opinião de Luiz Roberto Saviani Rey, especialista em teorias da c omunicação e professor da Faculdade de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), isso se deve ao fato que há bastante demanda por esse tipo de informação e, consequentemente, são maiores os rendimentos financeiros para os jornais, as revistas, as emissoras de rádio, portais noticiosos e para as emissoras de televisão, que exploram as tragédias e acidentes, refletindo uma sociedade inculta e, por outro lado, incentivando uma certa histeria social num círculo vicioso que retroalimenta as tais notícias. Ele conta que “nos Estados Unidos, nas décadas de 40 e 50, quando determinados jornais descobriram os boletins de ocorrência nas delegacias de polícia e passaram a reportar com maior intensidade os casos de violência, a sociedade nova-iorquina passou a viver em pânico, sem que qualquer acréscimo houvesse nos índices de criminalidade”. As pessoas expostas a um número maior de notícias sobre casos de violência têm a sensação de estar vivendo em uma onda de crimes.
No Brasil, as páginas policiais, mais evidentes nas décadas de 60 e 70, transportam-se para a televisão por meio de programas específicos, como o Aqui Agora apresentado por Gil Gomes em 1991, no SBT, o atual Brasil Urgente , apresentado por José Luiz Datena, na Band, entre outros. Entretanto, Saviani não vê uma relação entre notícias sobre crime e o recrudescimento da violência e da criminalidade. “Em certo sentido, elas podem estimular pessoas a praticarem crime, mas a criminalidade é filha da impunidade e, antes de tudo, da pauperização de largas faixas da população”, relaciona. O efeito social disso pode ser descrito pela teoria da comunicação denominada Agenda Setting , em que a mídia pauta assuntos a serem discutidos pela população. Se há na agenda um maior volume de notícias sobre criminalidade, barbáries, violência e segurança, essas questões passam a ocupar um espaço maior nas conversas das pessoas. “Por outro lado, tais notícias podem ajudar no sentido da atenção da sociedade quanto a determinados crimes. No caso de pedofilia, tem aumentado substancialmente os casos de denúncias, depois que a TV passou a mostrar episódios com maior intensidade”, confirma Saviani.
Os profissionais do jornalismo, sejam os responsáveis pela pauta, repórteres ou editores – os gatekeepers , guardiões do portão, segundo a teoria da comunicação – levam em conta, entre outros fatores, a aceitação do público para justificar a seleção e publicação de certas notícias, em detrimento de outras. Se o público demonstra preferência para aquelas que retratam a violência, por exemplo, elas continuarão sendo mostradas nos noticiários. Conforme destaca Saviani, o jornalismo praticado na atualidade se encontra no estágio onde o lucro é o que realmente importa. “De um lado há uma mídia que persegue apenas a lógica cultural capitalista, o caráter mercantil e o lucro. De outro, uma sociedade desvinculada do passado, sem vínculos com a historicidade, com relações sociais mecanizadas e voltadas ao consumismo, sem profundidade, na busca do espetáculo”, complementa. Para Saviani, no Brasil, a mídia, somada a um processo mais acentuado de educação e de cultura, poderia gerar um aumento na qualidade de vida da sociedade. “Sem dúvida a mídia prestaria um grande serviço nesse sentido se aprimorasse sua programação, se atuasse mais no campo cultural e deixasse de lado panoramas críticos, como a violência, as banalidades sociais e programação de baixa qualidade”, explica.
A corrupção no Brasil e o mal-estar social
Os escândalos políticos também têm espaço garantido nos veículos de comunicação. Ao serem escancarados pelo jornalismo local, são capazes de gerar um descontentamento e uma sensação de impotência na população, mesmo que sejam momentâneos e que, com o tempo, acabem caindo no vácuo do esquecimento público. Inúmeros exemplos corroboram para ess e fenômeno, como o escândalo do m ensalão (ocorrido entre os anos de 2005 e 2006) e o caso dos anões do orçamento (em 1993), este último retratado em tom de indignação na canção “Luís Ignácio (300 picaretas)” do grupo Paralamas do Sucesso.
De acordo com o cientista político Fernando de Barros Filgueiras, pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e autor da obra Corrupção, democracia e legitimidade, isto se deve à seguinte situação paradoxal: o aumento na transparência da vida pública, nos últimos 20 anos, que não foi acompanhado pela ampliação da responsabilidade dos agentes públicos. “A ampliação da transparência alimenta uma política do escândalo permanente, política que é, sobretudo, pautada pela mídia. Essa política do escândalo erode a legitimidade das instituições políticas porque amplia a margem de desconfiança em relação às instituições, cria um clima de histeria ética que pouco contribui para a solução do problema da corrupção”, explica.
Filgueiras alerta ainda para uma visão fatalista em relação à política, que tem se instalado no país, resultado dos inúmeros escândalos em que as democracias contemporâneas estão envolvidas e que tem a frase “todo político é corrupto” como uma das principais expressões. “Estou convencido de que para evitarmos ess a visão fatalista da política, precisamos tratar a questão da corrupção na dinâmica de seus controles. Precisamos de uma visão mais positiva e mais opinativa da mídia, que não deve se limitar a apenas dar a notícia, mas contribuir construtivamente. E contribuir construtivamente, a meu ver, é enfrentar a seguinte pergunta: o que pode ser feito para diminuir a corrupção no Brasil?”. Ele afirma que a mídia não deve apenas informar, mas criar o debate público e servir de meio para que isso aconteça.
Para o pesquisador, a imprensa tem ainda o dever de noticiar casos de corrupção política, contanto que isso seja feito com imparcialidade, sem que as ideologias influenciem no processo de informar. “Para iss o, a mídia pode até emitir opinião, mas esta opinião precisa estar clara, especialmente na mídia impressa, que deve valorizar os editoriais. O problema que vejo no Brasil é que os editoriais mais escondem a opinião do jornal do que informam, Ou seja, temos grandes oligopólios de comunicação e pouca diversidade, inclusive ideológica, de preferências e práticas no âmbito da mídia”, vislumbra.
Telenovelas brasileiras e o diálogo com o real
Vale lembrar que a televisão tem um papel bastante presente na sociedade brasileira, conforme dados divulgados pelos mais diferentes órgãos de pesquisa. Em São Paulo, por exemplo, 98,2% dos domicílios contavam com um televisor – de acordo com os dados divulgados pelo Ibope, referentes ao ano de 2009. Neste mesmo estado, conforme divulgado pelo Índice Verificador de Circulação (IVC), 36,65% era o número referente à distribuição. O Ibope também constatou, no ano de 2008, que o horário de maior audiência da televisão era o das 20 às 22 horas, quando são veiculados telejornais e novelas. Por serem os produtos televisivos de maior audiência, de certo modo, influenciam pessoas, hábitos e costumes.
No Brasil, as telenovelas são um outro modo de comunicar e de retratar o cotidiano da sociedade, mesmo que essas sejam consideradas essencialmente entretenimento, servindo como uma espécie de “válvula de escape” para a vida cotidiana das pessoas, gerando bem-estar . De acordo com Daniela Jakubaszko, doutoranda em ciências da comunicação pela Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em telenovelas brasileiras, “todos estamos sujeitos a uma rotina, todos temos frustrações. O envolvimento com as histórias é característico do ser humano e a telenovela só aproveita isso para fidelizar o seu telespectador” .
Entretanto, mesmo se tratando de um produto ficcional, no enredo das tramas, são apresentados assuntos que dialogam com histórias cotidianas da sociedade brasileira “as telenovelas não existem para contribuir com o 'bem-estar social', mas, na medida em que os roteiristas e emissoras assumem sua responsabilidade enquanto meio de comunicação que atinge milhares de pessoas, é possível constatar que existe uma tentativa de apoiar algumas políticas públicas”. Ela lembra que, durante a novela O clone , exibida na Rede Globo, entre 2001 e 2002, foi abordado o combate às drogas como um dos temas, exercendo assim, o que pode ser considerado um serviço social já que a dependência química é um problema de saúde pública no Brasil e no mundo. “Essa característica peculiar da telenovela brasileira de se colocar no debate social de questões importantes é bastante positiva. É o caráter pedagógico ou a dimensão social da telenovela. Assim, as telenovelas ajudam a formar os consensos sociais, já que é a partir deles que se formulam novas políticas e novas leis. Entretanto, ainda vemos limites nas telenovelas quando elas têm de representar alguns grupos: no caso da representação do indígena, por exemplo – como foi, durante muito tempo, com a representação do negro – a telenovela ainda propaga preconceitos e ideias equivocadas”, comenta.
Outro fator que pode gerar equívocos na população é o fato de, normalmente, uma telenovela ser precedida ou veiculada logo após algum telejornal, fazendo com que as fronteiras entre o real e a ficção pareçam borradas, em certos casos. “Acho que o exemplo mais citado é o de O rei do gado , quando assistíamos às notícias de ocupação de terras pelo MST no Jornal Nacional e depois, quando começava a novela, assistíamos ao drama da luta pela terra. É sempre bom lembrar que a realidade é inatingível, dessa forma, não podemos tomar o que vemos nos telejornais como realidade só porque existe um registro discursivo que nos dá a ilusão da verdade, do distanciamento”, diz Jakubaszko, para quem a realidade é uma construção social que contempla tanto a telenovela quanto os noticiários.
Ela ressalta também que não se pode afirmar que esse tipo de programa televisivo faz com que a população se sinta mais pertencente ao país e à sua história, mesmo reconhecendo que a linha entre realidade e ficção nas novelas seja muito tênue, o que não significa, necessariamente, que a população acredit a e que uma atriz que interpreta a vilã é má. Para Daniela, essa proximidade deve ser vista de maneira positiva como a quebra de tabus e preconceitos, por exemplo. “A telenovela oferece conhecimento, pois nos coloca a par de assuntos que não fazem parte de nossa vida. Mas é sempre importante lembrar: ainda há temas tratados com superficialidade e às vezes o efeito se torna negativo”, contrapõe.
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