"Hoje,
ao celebrarmos os 60 anos de nossa Organização
das
Nações Unidas (ONU), devemos reconhecer que o
mundo
está muito diferente daquele de nossos fundadores. As
Nações
Unidas devem refletir esta nova era e responder aos seus
desafios”,
declarou o Secretário-Geral Kofi Annan, por
ocasião do
aniversário da instituição. Ao fim de
sua gestão
de dez anos, Annan é um forte defensor de uma reforma na
ONU.
O aspecto mais discutido tem sido a expansão do Conselho de
Segurança, que poderia dar ao Brasil uma
posição
de membro permanente. Segundo o embaixador Luiz Filipe de Macedo
Soares, “não há interesse maior em
política
externa para o Brasil. Ser membro permanente do Conselho de
Segurança
graduaria o país politicamente, economicamente e em termos
de
segurança”. Porém, as
mudanças esperadas não
devem se concretizar este ano.
A
ONU foi fundada em 24 de outubro de 1945, quando 51 países
assinaram a Carta
das
Nações
Unidas. O nome
“Nações Unidas”,
porém,
aparece pela primeira vez, ainda durante a Segunda Guerra Mundial, na
Declaração pelas
Nações Unidas. O
documento foi assinado em 1º de janeiro de 1942 por 26
países,
que faziam votos de continuar a luta contra os Poderes do Eixo
(Alemanha, Itália e Japão). Os objetivos da
organização
estão no preâmbulo da Carta, e
incluem evitar
guerras – a não ser que pelo bem comum
–, reforçar
direitos humanos e promover liberdade, progresso social e melhor
nível de vida para todos os povos. (veja um mapa
da estrutura da ONU) Vista da sede da ONU em Nova Iorque, que mantém as bandeiras de todos os países membros hasteadas
A
Assembléia Geral (AG) é o
órgão central
da ONU, em que todos os países-membros participam e
têm
direito a voto. Embora representem a opinião do mundo, as
resoluções ali atingidas não
são
mandatórias, a não ser no que diz respeito ao
orçamento: é a AG que a cada ano decide as
contribuições relativas dos membros, calculadas a
partir da capacidade econômica de cada país. Os
Estados
Unidos são os maiores contribuintes, responsáveis
por
cerca de um quarto do orçamento, seguidos por Alemanha e
Japão. Nenhum país contribui com menos de 0,01%
do
orçamento total.
Outro
órgão de destaque é o Conselho de
Segurança
(CS), que tem a função de manter e restaurar a
paz e a
segurança no mundo. É composto por cinco membros
permanentes com direito a veto (China, França,
Rússia,
Reino Unido e Estados Unidos), e 10 membros rotativos, eleitos pela
Assembléia Geral por um mandato de dois anos. Na
opinião
de Thales Castro, professor em Relações
Internacionais
da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap),
é este
o órgão central da ONU. Isso porque é
o CS quem
indica os Ministros da Corte Internacional de Justiça e o
Secretário-Geral. Neste último caso, o nome
é
então encaminhado para a Assembléia Geral que
é
quem homologa a sugestão.
Além
dos órgãos citados, a ONU é composta
pelo
Conselho Econômico e Social (CES), o Conselho de Tutela (CT -
hoje praticamente inativo), o Secretariado (com
função
administrativa), o recém-criado Conselho de Direitos Humanos
(CDH) e a Corte Internacional de Justiça (CIJ). Esta
última
tem base em Haia (Holanda) e o CDH em Genebra
(Suíça),
mas os demais órgãos se concentram na sede das
Nações
Unidas em Nova Iorque, nos Estados Unidos.
Fragilidade
do
Conselho de Segurança
A
decisão unilateral dos Estados Unidos em invadir o Iraque em
2003 pôs em evidência a fragilidade do Conselho de
Segurança e, em conseqüência, Annan
lançou o
apelo para uma “reforma radical” do CS e outros
órgãos
intergovernamentais. Um Conselho de Segurança mais
representativo, de acordo com Macedo Soares, tornaria mais
difícil
uma decisão unilateral como esta. Umberto Celli Junior,
professor de direito internacional da Universidade de São
Paulo (USP), partilha dessa opinião, e acredita que a
invasão
demonstrou a pouca representatividade e legitimidade do CS.
“Era de
se esperar que a partir desse acontecimento o movimento pela reforma
no CS ganhasse força, o que acabou não ocorrendo
por
desinteresse das grandes potências”, complementa.
Já
Edward Luck, especialista em relações
internacionais da
Universidade Columbia (Estados Unidos), considera que a falta de
consenso entre os membros do Conselho de Segurança refletiu
diferenças políticas profundas entre os Estados.
Por
isso, segundo ele, a adição de mais membros ao
Conselho
não ajudaria. Além disso, o especialista
norte-americano explica que as fissuras políticas entre os
membros do CS, assim como o grande número de Estados-membros
da ONU, tornam o momento especialmente impróprio para uma
reforma generalizada. “Ao confundir uma crise
política com
uma institucional, o Secretário-Geral e outros defensores da
expansão do Conselho simplesmente pioraram uma
situação
que já estava ruim”.
De
forma geral, Luck é otimista a respeito do CS. Para ele,
apesar das assimetrias militares e econômicas no mundo, nos
últimos anos o poder de veto tem sido menos utilizado,
devido
ao Conselho chegar a mais consensos através da
negociação.
“O Conselho está mais ativo do que nunca e o
impulso para
sua expansão não ocorre porque ele fracassou e
é
irrelevante, mas porque tem um papel mais importante do que nunca em
relações internacionais ligadas à
segurança”.
Reforma da
ONU
A
reforma tão anunciada para os 60 anos da ONU mostrou-se,
até
agora, tímida. Em março foi criado o Conselho de
Direitos Humanos, que substitui a Comissão de Direitos
Humanos
e terá a função de “promover
respeito
universal pela proteção de todos os direitos
humanos e
liberdades fundamentais para todos, sem distinção
de
qualquer tipo e de maneira justa e igualitária”
(ver
resolução
da Assembléia
Geral). Thales Castro, porém, faz uma ressalva: a
criação
desse novo órgão “não afeta
nem altera a ordem
mundial unipolar”.
Quanto
à reforma principal, a do Conselho de Segurança,
esta
ainda não se concretizou. Seu modo de funcionamento, por
consenso, sem o qual o assunto é excluído da
pauta, é
um dos entraves para a mudança. Além disso,
segundo
Macedo Soares o grupo africano não chegou a um consenso
sobre
nenhuma das propostas apresentadas. Esse impasse foi o principal
responsável por travar as negociações
de reforma
do CS.
A
candidatura do Brasil a membro permanente do Conselho de
Segurança
tem sido muito discutida recentemente, mas na verdade o diplomata
explica que a questão está na pauta do governo
há
cerca de dez anos. Segundo ele, o Brasil é um dos
países
que mais participou do CS como membro rotativo e está na
hora
de
dar a sua contribuição
no caso de uma expansão.
A
proposta defendida atualmente pelo governo brasileiro consiste em
adicionar cinco membros permanentes: Brasil, Índia, Alemanha
e
dois países africanos a serem determinados pela
União
Africana. Propostas de reforma intermediária incluem
aumentar
o mandato de membros rotativos ou eliminar o direito de veto para
novos integrantes do Conselho de Segurança por um prazo
determinado, após o qual a composição
do CS
seria revista.
Macedo
Soares argumenta que a reforma tem limites, pois a disparidade entre
os países impede uma democracia total, sem categorias de
membros. “O que o Brasil deseja é quebrar o
chamado
‘congelamento do poder’, que vem desde o final da
Guerra.
Passados mais de 60 anos, é evidente que alguma
revisão
tem que ser feita”. De acordo com o embaixador, na
América
Latina o candidato natural seria o Brasil, visto que o
México
sempre adotou uma postura de abster-se de participar do CS. A
Argentina nem chega a candidatar-se, pois não tem
influência
suficiente para obter o apoio necessário. Os demais
países,
de menor expressão, não chegam a ser considerados.
Este
tema foi discutido durante a
III Reunião da
Comissão
Mista Trilateral do Fórum IBAS
(Índia, Brasil e África do Sul), que ocorreu no
Rio de
Janeiro entre os dias 28 e 30 de março. O comunicado
resultante da reunião afirma, entre outras coisas, que os
signatários apóiam a reforma da ONU para
torná-la
mais democrática e sensível às
prioridades de
seus membros, sobretudo as de países em desenvolvimento, que
constituem maioria na organização. Para tanto,
consideram essencial a expansão de membros permanentes e
não
permanentes, de forma a tornar o Conselho mais
“democrático,
legítimo, representativo e responsivo”, assim como
a
presença de países em desenvolvimento da
África,
Ásia e América Latina como membros permanentes.
Para
Thales Castro, mais do que uma expansão no CS, é
essencial uma atualização na Carta das
Nações
Unidas no que diz respeito aos procedimentos do Conselho. Esta
visão
é ecoada por Edward Luck, que detalha: “nenhum
acréscimo
deveria ser empreendido sem passos paralelos para reformar os
métodos
de trabalho do Conselho e torná-lo mais transparente,
representativo e inclusivo”. Ele ressalta que se trata
sobretudo de
assegurar que os membros do CS, seja quantos forem, consultem e
ouçam
outros Estados com mais freqüência. Além
disso, ele
defende revisões mais regulares da
implementação
das decisões do Conselho, assim como oportunidades para que
os
países mais afetados por uma dada crise possam ter
influência
nas deliberações. Luck acredita que aumentos no
número
de membros do CS podem ter efeito negativo na eficácia da
tomada de decisões.
Na
opinião de Castro o Conselho de Segurança se
refere
mais à ordem mundial do que à
manutenção
da paz. Para ele, a visão idealista e multilateralista que
predomina na diplomacia brasileira é errada.
“Vivemos um
momento de unipolaridade, centrado nos Estados Unidos como
potência
hegemônica”, afirma, e completa dizendo que a
reforma do CS
não acontecerá, simplesmente porque
não
interessa aos Estados Unidos. Somente quando for alterada a ordem
mundial, será possível cogitar reformas no
Conselho de
Segurança.
Edward
Luck diz que a esta altura sobrou muito pouco impulso na
direção
de uma expansão do Conselho de segurança, mas
talvez
ainda reste algum lampejo por trás do esforço de
reformar seus métodos de trabalho. “Até
que haja uma
melhora significativa na atmosfera política como um todo,
não
se deve esperar grandes passos adiante”, prevê.
Mas, segundo
o embaixador Macedo Soares, em algum momento haverá uma
reforma. E quando isso ocorrer, o Brasil tem a responsabilidade de
participar. Leia mais:
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