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Reportagem
Aos 60 anos, a ONU resiste a reformas
Por Maria Guimarães
10/04/2006
"Hoje, ao celebrarmos os 60 anos de nossa Organização das Nações Unidas (ONU), devemos reconhecer que o mundo está muito diferente daquele de nossos fundadores. As Nações Unidas devem refletir esta nova era e responder aos seus desafios”, declarou o Secretário-Geral Kofi Annan, por ocasião do aniversário da instituição. Ao fim de sua gestão de dez anos, Annan é um forte defensor de uma reforma na ONU. O aspecto mais discutido tem sido a expansão do Conselho de Segurança, que poderia dar ao Brasil uma posição de membro permanente. Segundo o embaixador Luiz Filipe de Macedo Soares, “não há interesse maior em política externa para o Brasil. Ser membro permanente do Conselho de Segurança graduaria o país politicamente, economicamente e em termos de segurança”. Porém, as mudanças esperadas não devem se concretizar este ano.

A ONU foi fundada em 24 de outubro de 1945, quando 51 países assinaram a Carta das Nações Unidas. O nome “Nações Unidas”, porém, aparece pela primeira vez, ainda durante a Segunda Guerra Mundial, na Declaração pelas Nações Unidas. O documento foi assinado em 1º de janeiro de 1942 por 26 países, que faziam votos de continuar a luta contra os Poderes do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Os objetivos da organização estão no preâmbulo da Carta, e incluem evitar guerras – a não ser que pelo bem comum –, reforçar direitos humanos e promover liberdade, progresso social e melhor nível de vida para todos os povos. (veja um mapa da estrutura da ONU)

Vista da sede da ONU em Nova Iorque, que mantém as bandeiras de todos os países membros hasteadas

A Assembléia Geral (AG) é o órgão central da ONU, em que todos os países-membros participam e têm direito a voto. Embora representem a opinião do mundo, as resoluções ali atingidas não são mandatórias, a não ser no que diz respeito ao orçamento: é a AG que a cada ano decide as contribuições relativas dos membros, calculadas a partir da capacidade econômica de cada país. Os Estados Unidos são os maiores contribuintes, responsáveis por cerca de um quarto do orçamento, seguidos por Alemanha e Japão. Nenhum país contribui com menos de 0,01% do orçamento total.

Outro órgão de destaque é o Conselho de Segurança (CS), que tem a função de manter e restaurar a paz e a segurança no mundo. É composto por cinco membros permanentes com direito a veto (China, França, Rússia, Reino Unido e Estados Unidos), e 10 membros rotativos, eleitos pela Assembléia Geral por um mandato de dois anos. Na opinião de Thales Castro, professor em Relações Internacionais da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), é este o órgão central da ONU. Isso porque é o CS quem indica os Ministros da Corte Internacional de Justiça e o Secretário-Geral. Neste último caso, o nome é então encaminhado para a Assembléia Geral que é quem homologa a sugestão.

Além dos órgãos citados, a ONU é composta pelo Conselho Econômico e Social (CES), o Conselho de Tutela (CT - hoje praticamente inativo), o Secretariado (com função administrativa), o recém-criado Conselho de Direitos Humanos (CDH) e a Corte Internacional de Justiça (CIJ). Esta última tem base em Haia (Holanda) e o CDH em Genebra (Suíça), mas os demais órgãos se concentram na sede das Nações Unidas em Nova Iorque, nos Estados Unidos.

Fragilidade do Conselho de Segurança

A decisão unilateral dos Estados Unidos em invadir o Iraque em 2003 pôs em evidência a fragilidade do Conselho de Segurança e, em conseqüência, Annan lançou o apelo para uma “reforma radical” do CS e outros órgãos intergovernamentais. Um Conselho de Segurança mais representativo, de acordo com Macedo Soares, tornaria mais difícil uma decisão unilateral como esta. Umberto Celli Junior, professor de direito internacional da Universidade de São Paulo (USP), partilha dessa opinião, e acredita que a invasão demonstrou a pouca representatividade e legitimidade do CS. “Era de se esperar que a partir desse acontecimento o movimento pela reforma no CS ganhasse força, o que acabou não ocorrendo por desinteresse das grandes potências”, complementa.

Já Edward Luck, especialista em relações internacionais da Universidade Columbia (Estados Unidos), considera que a falta de consenso entre os membros do Conselho de Segurança refletiu diferenças políticas profundas entre os Estados. Por isso, segundo ele, a adição de mais membros ao Conselho não ajudaria. Além disso, o especialista norte-americano explica que as fissuras políticas entre os membros do CS, assim como o grande número de Estados-membros da ONU, tornam o momento especialmente impróprio para uma reforma generalizada. “Ao confundir uma crise política com uma institucional, o Secretário-Geral e outros defensores da expansão do Conselho simplesmente pioraram uma situação que já estava ruim”.

De forma geral, Luck é otimista a respeito do CS. Para ele, apesar das assimetrias militares e econômicas no mundo, nos últimos anos o poder de veto tem sido menos utilizado, devido ao Conselho chegar a mais consensos através da negociação. “O Conselho está mais ativo do que nunca e o impulso para sua expansão não ocorre porque ele fracassou e é irrelevante, mas porque tem um papel mais importante do que nunca em relações internacionais ligadas à segurança”.

Reforma da ONU

A reforma tão anunciada para os 60 anos da ONU mostrou-se, até agora, tímida. Em março foi criado o Conselho de Direitos Humanos, que substitui a Comissão de Direitos Humanos e terá a função de “promover respeito universal pela proteção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais para todos, sem distinção de qualquer tipo e de maneira justa e igualitária” (ver resolução da Assembléia Geral). Thales Castro, porém, faz uma ressalva: a criação desse novo órgão “não afeta nem altera a ordem mundial unipolar”.

Quanto à reforma principal, a do Conselho de Segurança, esta ainda não se concretizou. Seu modo de funcionamento, por consenso, sem o qual o assunto é excluído da pauta, é um dos entraves para a mudança. Além disso, segundo Macedo Soares o grupo africano não chegou a um consenso sobre nenhuma das propostas apresentadas. Esse impasse foi o principal responsável por travar as negociações de reforma do CS.

A candidatura do Brasil a membro permanente do Conselho de Segurança tem sido muito discutida recentemente, mas na verdade o diplomata explica que a questão está na pauta do governo há cerca de dez anos. Segundo ele, o Brasil é um dos países que mais participou do CS como membro rotativo e está na hora de dar a sua contribuição no caso de uma expansão.

A proposta defendida atualmente pelo governo brasileiro consiste em adicionar cinco membros permanentes: Brasil, Índia, Alemanha e dois países africanos a serem determinados pela União Africana. Propostas de reforma intermediária incluem aumentar o mandato de membros rotativos ou eliminar o direito de veto para novos integrantes do Conselho de Segurança por um prazo determinado, após o qual a composição do CS seria revista.

Macedo Soares argumenta que a reforma tem limites, pois a disparidade entre os países impede uma democracia total, sem categorias de membros. “O que o Brasil deseja é quebrar o chamado ‘congelamento do poder’, que vem desde o final da Guerra. Passados mais de 60 anos, é evidente que alguma revisão tem que ser feita”. De acordo com o embaixador, na América Latina o candidato natural seria o Brasil, visto que o México sempre adotou uma postura de abster-se de participar do CS. A Argentina nem chega a candidatar-se, pois não tem influência suficiente para obter o apoio necessário. Os demais países, de menor expressão, não chegam a ser considerados.

Este tema foi discutido durante a III Reunião da Comissão Mista Trilateral do Fórum IBAS (Índia, Brasil e África do Sul), que ocorreu no Rio de Janeiro entre os dias 28 e 30 de março. O comunicado resultante da reunião afirma, entre outras coisas, que os signatários apóiam a reforma da ONU para torná-la mais democrática e sensível às prioridades de seus membros, sobretudo as de países em desenvolvimento, que constituem maioria na organização. Para tanto, consideram essencial a expansão de membros permanentes e não permanentes, de forma a tornar o Conselho mais “democrático, legítimo, representativo e responsivo”, assim como a presença de países em desenvolvimento da África, Ásia e América Latina como membros permanentes.

Para Thales Castro, mais do que uma expansão no CS, é essencial uma atualização na Carta das Nações Unidas no que diz respeito aos procedimentos do Conselho. Esta visão é ecoada por Edward Luck, que detalha: “nenhum acréscimo deveria ser empreendido sem passos paralelos para reformar os métodos de trabalho do Conselho e torná-lo mais transparente, representativo e inclusivo”. Ele ressalta que se trata sobretudo de assegurar que os membros do CS, seja quantos forem, consultem e ouçam outros Estados com mais freqüência. Além disso, ele defende revisões mais regulares da implementação das decisões do Conselho, assim como oportunidades para que os países mais afetados por uma dada crise possam ter influência nas deliberações. Luck acredita que aumentos no número de membros do CS podem ter efeito negativo na eficácia da tomada de decisões.

Na opinião de Castro o Conselho de Segurança se refere mais à ordem mundial do que à manutenção da paz. Para ele, a visão idealista e multilateralista que predomina na diplomacia brasileira é errada. “Vivemos um momento de unipolaridade, centrado nos Estados Unidos como potência hegemônica”, afirma, e completa dizendo que a reforma do CS não acontecerá, simplesmente porque não interessa aos Estados Unidos. Somente quando for alterada a ordem mundial, será possível cogitar reformas no Conselho de Segurança.

Edward Luck diz que a esta altura sobrou muito pouco impulso na direção de uma expansão do Conselho de segurança, mas talvez ainda reste algum lampejo por trás do esforço de reformar seus métodos de trabalho. “Até que haja uma melhora significativa na atmosfera política como um todo, não se deve esperar grandes passos adiante”, prevê. Mas, segundo o embaixador Macedo Soares, em algum momento haverá uma reforma. E quando isso ocorrer, o Brasil tem a responsabilidade de participar.

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