São Paulo noturna. Imagem: Andre Deak
A partir de 2015, a iluminação pública passa ser responsabilidade dos municípios e não mais das companhias prestadoras desse serviço, conforme determina resolução da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
O novo modelo de gestão poderá levar à modernização da iluminação pública, como pretende fazer a prefeitura de São Paulo por meio de parceria público-privada. Para muitos municípios, esta pode ser uma chance para combater um antigo vilão do desperdício e também da astronomia: a poluição luminosa.
Esse tipo de poluição é causado quando se utilizam luminárias inadequadas ou mal instaladas. Em vez de clarear apenas o solo, a luz artificial chega ao céu noturno pelo reflexo e difusão nos gases e nas partículas do ar, conforme explicam Lucia Mascaró e Betina Conte Cornetet no artigo “Iluminação e ambiente urbano”.
A poluição luminosa e seus impactos também ganharão maior evidência neste que é o Ano Internacional da Luz, definido pela Assembleia Geral da ONU, com eventos em mais de 100 países – e também no Brasil.
Astronomia em risco
No Observatório do Pico dos Dias (OPD), em Minas Gerais, é cada vez mais preocupante o impacto da poluição luminosa. As luzes das cidades do entorno, como Brazópolis, Itajubá, Piranguçu e Piranguinho, e de Campos do Jordão, em São Paulo, atrapalham a observação do céu pelo telescópio, que é o maior em território nacional.
“Se não trabalharmos para preservar o nosso sítio, corremos o risco de ter que fechar”, afirma Saulo Gargaglione, chefe do serviço de manutenção e apoio operacionais do Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), instituição ligada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, que administra o obsevatório.
Nos arredores do Observatório Pico Dos Dias, as luzes da cidade de Itajubá. Imagem: LNA /Tânia Dominici
Ele conta que o LNA alerta sobre o problema, seja por meio da mídia, ou contato com a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), e tenta estabelecer um pacto com as prefeituras do entorno do observatório pela iluminação correta.
Porém, ainda não há ações concretas. “A questão piora quando os tomadores de decisões relativas à iluminação pública das cidades não sabem sobre o problema e têm pouco conhecimento técnico. Gasta-se mais, ilumina-se mal e o impacto causado, na maioria das vezes, é desconhecido pela população,” alerta Gargaglione.
Para divulgar os problemas causados pela poluição luminosa, a instituição também realiza eventos para conscientizar o público geral. Com os novos mandatos políticos iniciados em 2015, continuarão tentando sensibilizar os governantes locais, segundo Gargaglione.
O observatório completa 35 anos em 2015. Fruto de um projeto iniciado nos anos de 1960, entrou em operação em 1980 oferecendo cursos de pós-graduação em astronomia e permitindo estudos em astrofísica no país. Ao formar massa crítica, o observatório também fomenta a participação brasileira em pesquisas internacionais – e todo esse investimento está em risco, como reforça a astrofísica Tânia Dominici.
“A competitividade e vida útil do OPD como observatório profissional estão sendo comprometidas. É urgente a implantação de ações e regulamentação ou leis para frear ou reverter essa situação a poluição luminosa sob o risco de encerramento prematuro das atividades de ciência”, afirma.
Dominici atuou no observatório por mais de 10 anos como pesquisadora e foi gerente de 2009 a 2011. Sobre esse período, comenta: “o crescimento das cidades no entorno saltava aos olhos em cada nova missão observacional”.
Impacto na saúde, meio ambiente e economia
A observação do céu sempre fez parte da história da humanidade, e tem papel fundamental no desenvolvimento das culturas e da ciência. Hoje, porém, a maioria das pessoas não vê mais o céu naturalmente escuro a olho nu.
Vista noturna da Terra. Imagem: Nasa
Mais de 60% da população mundial está exposta a níveis de iluminação do céu noturno acima do esperado. Isso acontece para mais de 80% dos americanos e para dois terços das pessoas na União Europeia, segundo artigo de revisão publicado no Journal of Pineal Research. O trabalho aborda as implicações da exposição à luz artificial relacionadas a distúrbios fisiológicos e comportamentais, para o meio ambiente e a saúde humana.
Cansaço visual, sonolência, dor de cabeça e estresse podem ser os sintomas mais fáceis de se perceber da luz em excesso. Mas pode ser pior, uma vez que ela afeta diretamente a produção de melatonina, hormônio que tem papel na ingestão de alimentos, no gasto de energia e nas funções da insulina nas células, além de ser um agente anti-hipertensivo.
A falta do hormônio leva à obesidade e diabetes, conforme estudo recente feito por pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), divulgado pela Agência Fapesp.
No ambriente, o equilíbrio na produção de frutos, nos ciclos migratórios, alimentares e reprodutivos de diversas espécies de animais também é comprometido pela poluição luminosa.
Já a iluminação das vias para prevenir acidentes é importante, como estudos vêm confirmando, mas o mau uso da luz pode ofuscar a visão. “Dá a falsa sensação de segurança, diminuindo a cautela das pessoas e facilitando rotas de fuga no caso de crimes”, exemplifica Tânia Dominici que, além da pesquisa em astrofísica, dedica-se a um blog sobre poluição luminosa.
Do ponto de vista financeiro, “a eliminação das fontes de poluição luminosa é economicamente lucrativa, o que exime totalmente sua necessidade de existência nos recintos urbanos”, segundo Mascaró e Cornetet.
Um caminho possível é eliminar tecnologias obsoletas de iluminação, como vem promovendo o en.lightendo programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Segundo a organização, a iluminação é responsável por 15% do consumo de eletricidade global e 5% das emissões de gases de efeito estufa.
Falta legislação
Pesquisadores e profissionais da área concordam que o Brasil precisa de regulação e controle em relação à poluição luminosa. Isso vale tanto para as futuras instalações quanto para os projetos de remodelação, assim como campanhas para sensibilizar os cidadãos, como ressaltam Mascaró e Cornetet.
Nas Ilhas Canárias, por exemplo, há legislação desde 1988 para proteger o céu noturno. Isso inspirou medidas similares em outros lugares da Espanha e do mundo. Iniciativa mais recente, também motivada pelo impacto da luz inadequada, é a do estado americano de Nova York, com lei sancionada em dezembro de 2014. Organizações civis e científicas têm tido papel fundamental para promover esse tipo de lei.
No Brasil, apenas os municípios de Campinas e de Caeté têm legislação para proteger o entorno de observatórios astronômicos locais. Há ainda uma portaria do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama) para proteger tartarugas marinhas em determinadas áreas.
Saulo Gargaglione explica que certas ações podem estimular a geração de leis como: promover a eficiência energética e luminosa nas cidades; proteger sítios astronômicos; proteger o meio ambiente noturno e também animais ou aves em maior risco. Em sua dissertação de mestrado, ele propõe um anteprojeto de lei para combater o problema, com a regulamentação de instalações de iluminação externas e internas, públicas e privadas.
De imediato, é possível e mais simples combater a poluição luminosa nas instalações privadas. Segundo Lucia Mascaró, há estudos disponíveis, e as indústrias têm se empenhado em desenvolver novos produtos para iluminação, e há normas disseminadas pela Associação Brasileira da Indústria de Iluminação (Abilux).
Já as prefeituras, afirmam não ter dinheiro, esperam por financiamento federal e o processo de atualização da iluminação urbana se torna lento, de acordo com a pesquisadora. “A iluminação pública faz parte da infraestrutura urbana, que está muito deteriorada, muito abandonada”, afirma.
Direcionamento correto da luz evita a poluição luminosa
Quando isso for feito, ela reitera que é preciso ver o conjunto da estrutura urbana: “iluminam a praça como se não tivesse a ver com a catedral, por exemplo. Quando você olha o espaço como um todo, a iluminação de uma a praça e do seu o entorno devem ser condizentes, sem poluir o ambiente”, conclui.
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