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Artigo
Aspectos psicossociais do AVC
Por Paula Teixeira Fernandes
10/06/2009

O acidente vascular cerebral (AVC) é uma condição neurológica muito comum, que influencia a vida do paciente e de seus familiares. De acordo com estudos realizados em nosso país, o AVC é a primeira causa de morte, sendo considerada também a principal causa de incapacidade física e mental, elevando os números de aposentadoria por invalidez. Por essas razões, as pessoas que têm AVC podem ter prejuízos nas atividades da sua vida diária, no trabalho, no lazer e podem apresentar quadros de depressão e baixa qualidade de vida. Tudo isso faz com que o paciente com AVC tenha dificuldades nas atividades diárias e nas relações sociais e familiares.

Mas, antes de falar do que acontece depois que uma pessoa teve AVC, vamos falar dos fatores de risco que levam ao AVC. Como se sabe, os fatores de risco são vários, porém, vale ressaltar que alguns deles podem ser modificados por comportamentos adequados e estilos de vida mais saudáveis. Quais são esses fatores de risco? Tabagismo, etilismo, obesidade, sedentarismo, fatores psicossociais.

O tabagismo é um dos principais fatores de risco e, por ser um estímulo externo e comportamental, é a principal causa isolada de morte que podemos prevenir. O efeito do cigarro, como fator de risco para o AVC, depende do número de cigarros fumados e do tempo de consumo. Porém, o mais importante é que estudos mostram que quando as pessoas adotam hábitos saudáveis, como não fumar ou parar de fumar, o risco de acontecer um AVC diminui significativamente. O etilismo, outro fator de risco para o AVC, recebe influência de variáveis comportamentais, da história de vida, dos hábitos da pessoa e, por isso, precisa ser tratado. O tratamento pode ser feito com a ajuda de medicamentos e psicoterapia (com treinamento de habilidades comportamentais para parar e prevenir recaídas), visto que as pessoas que fumam ou bebem têm dificuldade para deixar o vício sozinhas.

Já a obesidade, é um fator de risco que cresce a cada dia mais em nosso país, principalmente em crianças e adolescentes. Se a pessoa consegue emagrecer e manter seu peso adequado, ela previne o AVC e, também, outros fatores de risco importantes, como a diabetes, a hipertensão arterial e o colesterol. O ideal no tratamento da obesidade é a mudança de hábitos alimentares, conseguida através de programas de reeducação alimentar, com a ajuda de psicoterapia e medicamentos, quando necessário.

Quanto à atividade física, é triste constatar que praticamente metade da população brasileira não tem o hábito de praticar exercícios físicos de maneira regular. E isso acaba sendo um problema grave, já que sedentarismo e AVC têm uma estreita relação. Além disso, sabemos que a atividade física traz benefícios para a saúde, de maneira geral, além de ajudar a controlar outros fatores de risco para o AVC (diabetes, colesterol, obesidade, stress) e melhorar também a qualidade de vida das pessoas.

Os fatores psicossociais, como depressão, ansiedade, stress acabam sendo portas de entrada para comportamentos inadequados que afetam outros fatores de risco. Por isso, da mesma maneira que os outros fatores comportamentais modificáveis, os psicossociais também devem ser tratados.

Nesse sentido, podemos falar que a prevenção do AVC, em muitos casos, depende de cada um de nós. Podemos diminuir a probabilidade da ocorrência do AVC adotando comportamentos de saúde e estilo de vida mais saudável. Para isso, buscar informações, melhorar o conhecimento sobre a condição e aderir aos tratamentos propostos é de grande valia para mudarmos a perspectiva catastrófica do AVC em nosso país. Junto com o tratamento de outros fatores de risco, como a hipertensão arterial, o diabetes e o colesterol, podemos contribuir para diminuir o número de casos de AVC em nosso país.

Mas e depois da ocorrência do AVC?

Depois que a pessoa teve um AVC, é comum ela apresentar complicações psicológicas, como: agitação, irritabilidade, falta de iniciativa, apatia, agressividade, desinibição e depressão. Alguns pacientes podem ficar mais lentos, são muito cuidadosos, incertos e inseguros e, com isso, acabam ficando ansiosos e hesitantes, exigindo sempre apoio de outras pessoas. Essas alterações dependem da área cerebral afetada e da gravidade da lesão.

Dentre essas complicações, a mais comum é a depressão. Estima-se que de 10 a 34% dos pacientes que tiveram um AVC terão depressão, tendo que conviver com os sintomas depressivos em algum momento depois da ocorrência do AVC. É interessante notar que os pacientes costumam apresentar mais depressão logo após o evento e depois de três anos do AVC. Outro aspecto a ser considerado na depressão pós-AVC é a dificuldade em se fazer o diagnóstico adequado, devido às próprias sequelas do quadro, como problemas de comunicação, de linguagem e déficits cognitivos.

Para o desenvolvimento da depressão em pacientes pós-AVC, os fatores de risco mais comuns são: impacto psicológico diante do diagnóstico; história familiar; história prévia de depressão; pobre rede de suporte social; eventos negativos recentes; consumo exagerado de álcool; dificuldades sociais; e nível de prejuízo funcional e cognitivo.

Nesse sentido, a depressão pós-AVC traz um comprometimento significativo para a evolução do paciente com AVC, sendo que alguns desses pacientes podem ter suas atividades da vida diária comprometidas por um período de tempo significativo. Com isso, a depressão aparece como um dos principais fatores operantes na baixa qualidade de vida desses pacientes, tendo repercussões significativas nas relações interpessoais, ansiedade, stress e habilidades sociais das pessoas com AVC.

E, falando em qualidade de vida (QV) no contexto da saúde, que acaba sendo influenciada pelo AVC, ela engloba a percepção individual do bem-estar físico, psicológico e social da pessoa, sendo assim, composta por três dimensões: física, mental e social. A dimensão física diz respeito ao estado de saúde geral, considerando o comprometimento do quadro, o tratamento realizado e as tarefas da vida diária. A dimensão referente aos aspectos mentais é caracterizada pela condição emocional, autoestima, transtornos associados (depressão, ansiedade, stress). Os aspectos sociais da qualidade de vida referem-se às atividades sociais no âmbito da família, do trabalho, do lazer e dos amigos.

Estudos realizados mostram que muitos pacientes que sobrevivem ao AVC têm sua qualidade de vida prejudicada em dois anos após o evento, mesmo os que conseguem uma boa recuperação. Aspectos como sentimento de inutilidade, independência, falta de autonomia, dependência de outras pessoas e dificuldades físicas e cognitivas ficam prejudicados, influenciando assim a QV.

Nesse sentido, é fundamental que o paciente pós-AVC tenha acesso à reabilitação e aos serviços de apoio relacionados ao AVC para que consiga melhorar suas atividades de vida diária após o evento e, consequentemente, melhorar sua QV.

É importante ressaltar que além dos fatores psicológicos, o AVC tem consequências importantes no funcionamento cerebral, levando a diferentes tipos de disfunções cognitivas. A disfunção pode ser progressiva, como no caso das demências vasculares, ou imediata, nos quadros agudos. Quando um vaso ou uma artéria está bloqueado, o tecido que está privado de sangue, como resultado desse bloqueio, sofre uma lesão cerebral. Como consequência dessa lesão, aparecem as sequelas, que podem ser físicas (dificuldade para andar, paralisia de um lado do corpo, etc) ou cognitivas (dificuldade de memória, atenção, linguagem), dependendo do local da lesão, do tamanho da área lesada e das funções na área atingida.

Em virtude das sequelas cognitivas, muitos pacientes são tidos como confusos, não cooperativos ou sem iniciativa. Essas características acontecem pelas dificuldades de memória, atenção, raciocínio, linguagem, perda da percepção corporal, da orientação espacial. É importante lembrar que, por dependerem da lesão, essas alterações variam significativamente de uma pessoa para outra, sendo que alguns pacientes podem não apresentar nenhuma das sequelas descritas e outros, apresentam mais de uma sequela.

Uma das sequelas pouco abordadas em nosso meio é a heminegligência, que pode ser definida como o não reconhecimento do seu hemicorpo (em geral, esquerdo). Dentro das heminegligências, a visual é uma das mais comuns consequências de dano cerebral relacionado ao hemisfério direito. Apesar de poder acontecer em quase todas as doenças que envolvem lesão cerebral estrutural, ela tem sido mais comumente estudada após o AVC. Sua presença constitui um dos principais sinais de resultados clínicos ruins, podendo trazer prejuízos na recuperação funcional depois da lesão cerebral. A negligência visual é um déficit clínico de atenção, no qual o paciente não percebe o meio externo em seu hemicorpo contralateral à lesão.

Já a afasia, uma sequela bem mais abordada, é caracterizada pela incapacidade da pessoa se expressar (seja pela fala, por gestos ou pela escrita) ou de compreender a fala. E dependendo do local da lesão, existem vários tipos de afasia: afasia de Broca (de expressão, motora ou não fluente); afasia de Wernicke (de compreensão, sensorial ou fluente); afasia global (mista); afasia progressiva primária.

Nesses casos, a reabilitação cognitiva tem um papel fundamental, permitindo o estabelecimento de estratégias para recuperar o déficit cognitivo e funcional do paciente. Com isso, ela busca recuperar as funções da pessoa através da otimização do funcionamento físico, social e emocional. Essa reabilitação proporciona estratégias para o treino de competências que melhoram a atuação do paciente em diferentes situações, promovendo assim, uma recuperação mais plena.

Assim, para um paciente que teve um AVC, os programas de reabilitação pós-AVC devem enfatizar as sequelas físicas e também as cognitivas, no sentido de recuperar ao máximo as funções cerebrais comprometidas pelo AVC. Um programa de reabilitação adequado envolve uma equipe interdisciplinar e contribui para a recuperação da autoestima do paciente e, consequentemente, para sua reintegração na família, no trabalho e na sociedade. Além disso, a avaliação da presença de depressão, de piora da QV e da presença de déficits cognitivos, pode fornecer dados úteis e norteadores de futuras intervenções no pós-AVC. Nesse sentido, o tratamento médico pode ser reavaliado, a reabilitação fisioterapêutica ou fono audio lógica pode ser mais efetiva, os encaminhamentos para psicoterapia ou psiquiatria podem ser realizados e o apoio às famílias pode ser sistematizado.

É importante ainda salientar que o ajustamento psicossocial desse paciente está relacionado não apenas às sequelas presentes, mas especialmente ao suporte familiar e social. O AVC é considerado um evento estressor, que produz efeitos significativos também na família dos pacientes. Quando o paciente tem um AVC, a família sente os efeitos desse impacto e sofre com o stress causado pelo diagnóstico, sendo considerado uma ameaça ao funcionamento normal da família. Logo após o AVC, os cuidadores costumam ter uma mudança em suas vidas também: menos independência, mais cuidados, stress, cansaço e preocupação, mais dificuldades no trabalho e para o lazer. Isso porque o cuidador acaba assumindo um papel que foi imposto pela circunstância, e não por escolha própria e, com isso, não têm noção do que lhe espera, não tem noção do quanto lhe será exigido. Dessa maneira, as repercussões na dinâmica familiar são certas.

Nesse sentido, os cuidadores precisam estar inseridos diretamente no processo saúde-doença para poder interferir positivamente na saúde e no bom prognóstico dos pacientes. É esperado, nesse contexto, que os familiares e cuidadores sejam informados sobre quais as medidas a serem tomadas para melhorar a saúde do paciente, tendo assim uma atitude adequada e positiva diante do AVC. É preciso que os cuidadores sejam orientados e cuidados para que seja conquistado o lado positivo da situação: o relacionamento familiar pode ser melhorado e a sensação de cansaço e esgotamento pode ser substituída por sentimentos de afeto, acolhimento e ternura.

Dessa maneira, é possível buscar estratégias adequadas para que o paciente possa retomar o seu cotidiano do modo mais independente possível, melhorando sua qualidade de vida e promovendo, assim, sua reinserção social.

Paula T. Fernandes é psicóloga, mestre e doutora em neurociências pelo Departamento de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Pós-doutoranda e pesquisadora colaboradora do Departamento de Neurologia da FCM-Unicamp. Presidente da Aspe (www.aspebrasil.org), ONG executora da Campanha Global Epilepsia Fora das Sombras da OMS/ILAE/IBE no Brasil. Psicóloga do Programa de Neurovascular da FCM-Unicamp. E-mail para contato: paulatfb@terra.com.br, paula@aspebrasil.org