10/04/2012
Além de ser atualmente a segunda maior economia mundial, atrás apenas dos Estados Unidos, a China continuará sendo o país que mais cresce no mundo, ainda que o próprio governo chinês preveja uma desaceleração em 2012. Segundo o professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Carlos Aguiar de Medeiros, a desaceleração afetará principalmente exportadores de matérias-primas como o Brasil, mas há boas perspectivas de parceiras entre brasileiros e chineses em áreas como energias alternativas e aviação. Doutor em ciência econômica pela Universidade Estadual de Campinas, Medeiros é autor de diversos artigos sobre o atual cenário comercial da China, em que analisa o país tanto como polo da economia mundial, em termos de investimento, quanto como novo centro da economia asiática. Nessa entrevista, ele fala sobre as áreas em que a China mais avançou e de suas diferenças em relação à Coreia do Sul e ao Japão.
ComCiência – O que levou a China a se tornar a segunda maior economia mundial? Os investimentos em educação e em ciência, tecnologia e inovação são a base para sustentar o crescimento vertiginoso das últimas décadas?
Carlos Aguiar de Medeiros – A China cresce a elevadas taxas há três décadas tendo como motor principal a taxa de investimento e as exportações. Os investimentos em educação, ciência e tecnologia foram importantes para deslocar a especialização chinesa na direção das atividades mais intensivas em conhecimento. Mas é agora o momento em que a China se aproxima em muitas áreas da fronteira tecnológica que assumem um maior peso.
ComCiência – A ênfase chinesa estava antes nas engenharias? Em quais áreas de fronteira tecnológica a China já tem conseguido destaque?
Medeiros – A China, como de resto os demais países asiáticos que se industrializaram, começou exportando produtos intensivos em trabalho e, progressivamente, foi mudando sua pauta exportadora na direção daqueles mais intensivos em engenharia ou conhecimento. Na eletrônica, nas energias alternativas, na tecnologia espacial, a China deu grandes passos. Uma diferença específica com países como o Japão e Coreia do Sul é que, devido à produção modularizada, o deslocamento não se limita ao que se dá entre setores produtivos, mas entre atividades produtivas, das mais padronizadas para as mais próximas da inovação.
ComCiência – Segundo o Índice Mundial Derwent de Patentes (DWPI), a China acaba de superar os Estados Unidos e o Japão em pedidos de patentes, atingindo 3 milhões. Pode-se esperar da China mais crescimento e a liderança em inovação?
Medeiros – São notáveis os esforços chineses em inovação através de políticas explícitas e lideradas pelo governo, visando expandir os recursos em ciência e tecnologia. A tendência é a de aumentar a participação chinesa, na medida em que o hiato tecnológico se estreita em muitas áreas e torna-se crucial a criação de nomes e marcas nacionais próprias.
ComCiência – Em quais áreas o hiato tecnológico já se estreitou? A China já alcançou sua meta de diminuir a dependência de tecnologia importada?
Medeiros – Grandes progressos ocorreram na área de semicondutores, antes essencialmente importados. Nas telecomunicações, houve também grande difusão das novas tecnologias e moderna infraestrutura, incluindo ampla cobertura de internet de alta velocidade e modernos satélites.
ComCiência – O aumento dos itens de alta tecnologia em relação a brinquedos e roupas na pauta de exportação chinesa tem mudado o perfil do mercado de trabalho na China, ou a mão de obra qualificada e com salários mais altos ainda é minoria?
Medeiros – A despeito das grandes mudanças, a estrutura da ocupação chinesa é ainda a de um país em desenvolvimento com uma parcela imensa de trabalhadores no campo e nas linhas de montagem em atividades industriais rotineiras, exaustivas e sub-remuneradas e num crescente setor de serviços.
ComCiência – Há uma perspectiva de melhoria da renda per capita chinesa, do poder de compra do trabalhador e da fatia da população na classe média?
Medeiros – Os salários dos trabalhadores migrantes cresceram nos últimos anos, alguns direitos sociais foram introduzidos, em que pese o crescimento muito desigual das rendas do trabalho qualificado e, sobretudo, das rendas do capital. Devido à mobilidade ascendente, houve – e possivelmente haverá – forte expansão da renda média per capita.
ComCiência – Em um de seus artigos, você menciona a ideia da criação de uma área de livre comércio no leste asiático. Em que implicaria esse novo bloco para a economia mundial? A ideia tem avançado politicamente?
Medeiros – Este processo está em pleno andamento e reforça a posição chinesa como centro da produção asiática, viabilizando grandes economias de escala e redução de custos. Os países asiáticos de maior desenvolvimento tecnológico são os mais beneficiados, mas deste dinamismo participam também as maiores fábricas mundiais.
ComCiência – Japão, Coreia do Sul, Taiwan e Singapura seriam, então, os principais parceiros da China? Quais grandes fábricas mundiais que também se beneficiam?
Medeiros – O centro manufatureiro mundial deslocou-se para a China. Os países asiáticos mais desenvolvidos são os principais fornecedores de partes e componentes montados e exportados pela China. Visando obter parcelas crescentes do mercado chinês, os investimentos estrangeiros voltados à exportação dirigiram-se para a China, principalmente os asiáticos. Mas as grandes multinacionais ocidentais estão todas lá.
ComCiência – Qual tem sido o papel da desvalorização da moeda chinesa no crescimento comercial do país e como tem sido a discussão em torno da guerra cambial?
Medeiros – Historicamente, a China, como de resto os países dinâmicos da Ásia, administrou sua taxa de câmbio de forma a manter uma grande estabilidade nominal com o dólar americano, moeda do principal mercado de exportações. Nos últimos anos, a despeito da retórica dos Estados Unidos e demais economias concorrentes, o yuan vem se valorizando, levando a uma elevação dos custos unitários do trabalho. A questão central é com a recessão mundial. A disputa pelos mercados externos se acirra e as pressões para uma maior valorização da moeda chinesa estão em curso inclusive com maiores estímulos para a abertura financeira na China.
ComCiência – Como seria essa abertura e quais seriam as implicações?
Medeiros – A abertura do mercado financeiro aos investidores externos é uma pressão americana e, neste aspecto, não é muito diferente dos processos ocorridos desde os anos 1980 no Japão e nos anos 1990 na Coreia do Sul. Como resultado, houve uma bolha e recessão prolongada no primeiro país e forte crise de liquidez externa no segundo. A experiência desses dois países seguramente é conhecida pelos chineses e isso explica a relutância do governo em acatar essa pressão. É difícil prever o que pode vir a acontecer, mas a história é conhecida.
ComCiência – Economistas de todo o mundo têm previsto que o crescimento econômico da China deve diminuir em 2012. É uma tendência para os próximos anos essa diminuição de ritmo? Em que isso acarretaria na economia mundial?
Medeiros – Sim, o governo chinês trabalha com uma previsão de uma menor taxa de crescimento, ainda que esta seguramente seja muito superior à do resto da economia mundial. Essa redução afetará essencialmente os investimentos em infraestrutura e construção civil, com impactos importantes sobre os exportadores das matérias-primas usadas nessas atividades e nas atividades de processamento de exportações, com impacto sobre os principais supridores de matérias-primas e componentes.
ComCiência – É o caso, por exemplo, da redução da demanda por minério de ferro, que recentemente derrubou as ações da Vale na bolsa de valores?
Medeiros – Não tenho informações sobre esse episódio em particular, mas uma coisa é certa: a volatilidade do preço das commodities torna qualquer estratégia de especialização baseada em recursos naturais insustentável a longo prazo.
ComCiência – A China tem demonstrado grande interesse em ampliar os negócios com a América Latina. Que perspectivas você vê nesse campo, em particular, quanto às relações entre o Brasil e a China?
Medeiros – Há dois caminhos. O primeiro é liderado essencialmente pelo comércio, alargando a complementaridade que nos faz especializados em bens primários e importadores de bens industriais. Nesse caminho, a tendência é uma crescente disputa comercial nas atividades mais competitivas, quer no mercado interno, quer no mercado de exportações. O segundo caminho é a busca de parcerias estratégicas nas áreas tecnológicas mais sofisticadas, como aviação, espacial, novos materiais, energias alternativas etc. Este é um caminho em que as instituições e as visões de futuro contam mais do que o do simples negócio.
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