As propostas de desmembramento do
estado do Pará para a criação de Carajás e Tapajós, que tramitam no Congresso
Nacional, têm gerado muita polêmica quanto à viabilidade das novas unidades
federativas. Até o final deste ano, a população paraense terá que decidir em
plebiscito se o suposto desenvolvimento dos municípios que constituirão os
novos estados compensará os custos envolvidos com a implantação das novas
estruturas administrativas. Caso sejam aprovadas as propostas, todos os
brasileiros terão que se acostumar com o novo mapa político do Brasil, que se
mantinha inalterado há pouco mais de vinte anos, desde a criação do estado do
Tocantins.
Essa não é a primeira vez que as
fronteiras do Pará precisam ser redesenhadas. No início de sua ocupação, a
região ao redor de Belém e o leste da Ilha de Marajó pertenciam à Capitania do
Maranhão, criada pela Coroa Portuguesa em 1535, enquanto o resto do território
paraense estava sob o domínio espanhol. Quando o sistema de capitanias foi
substituído pelo governo-geral em 1573, essa região passou a integrar o chamado
Governo do Norte até 1621, ano em que as divisões administrativas do Brasil foram
novamente reformuladas. Surgiu, então, o estado do Maranhão, que visava
impulsionar a expansão pela bacia amazônica (Leia “História do mapa político brasileiro”).
Apenas em 1751 é que as divisões
políticas da região Norte começaram a apresentar uma configuração parecida com
a atual, especialmente devido à criação do estado de Grão-Pará e Maranhão. Além
dos atuais estados do Pará e do Maranhão, também faziam parte dessa região
Amazonas, Roraima e Amapá. Em 1772, ela se separou do Maranhão e passou a ser
chamada de Grão-Pará e Rio Negro, sendo incorporada oficialmente ao Brasil logo
após a Independência em 1823 (Veja mapa interativo). Mesmo com os movimentos separatistas eclodindo
por todo o país – como a Cabanagem (1835-1840) na região de Belém –, os limites
de Grão Pará e Rio Negro permaneceram intactos por quase setenta anos.
A separação de Amazonas e Pará
ocorreu em 1850; mas apenas com a Proclamação da República, em 1889, as
províncias foram oficializadas como estados brasileiros. Os limites do Pará
ainda se modificaram mais um pouco em 1943, com a delimitação do território do
Amapá, que era tido como uma área estratégica de fronteira e que só foi elevado
à categoria de estado em 1988.
Novos estados e suas cifra$
Com 39 dos 144 municípios
atualmente existentes, o estado de Carajás abrangeria a região sul e sudeste do
Pará, que é rica em jazidas minerais, como a maior mina de ferro do mundo,
localizada em Parauapebas, e as de cobre em Marabá e Canaã. Já o estado de
Tapajós ficaria com os 27 municípios que compõem toda porção oeste do
território paraense, incluindo as reservas de bauxita (alumínio) em Oriximiná e
Juruti, além da futura Usina Hidrelétrica de Belo Monte (Leia “Os conflitos na região de Belo
Monte”). As cidades de Marabá
e Santarém são apontadas, respectivamente, como futuras capitais de Carajás e
Tapajós.
Apesar do potencial econômico, o
professor da Universidade Católica de Brasília e economista do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Rogerio Boueri, calcula que os dois estados
não serão capazes de arcar com as novas estruturas de administração pública sem
a ajuda do governo federal. De acordo com suas estimativas mais recentes,
Carajás gastaria 19% do seu PIB para se manter em funcionamento, enquanto
Tapajós gastaria 44%, o que está muito acima da média nacional de 12,5%. O
modelo desenvolvido pelo pesquisador considera os dados referentes ao PIB, à
população, à área geográfica e ao número de municípios dos novos estados, que
estão disponíveis no site da Secretaria do Tesouro Nacional (STN).
Os custos estimados para a
manutenção do estado de Carajás ficariam em torno de R$ 3,7 bilhões, enquanto
as receitas seriam de cerca de R$ 2,7 bilhões, o que geraria um déficit de R$ 1
bilhão a ser coberto pela União, mesmo com o PIB previsto de R$ 20 bilhões.
Situação ainda mais complicada é a de Tapajós, cujo PIB seria de apenas R$ 4
bilhões. “Acreditando nas contas de Boueri, jogar o custo para a União é o
mesmo que fazer cortesia com o chapéu alheio. Se Carajás teria prejuízo por não
se autossustentar, o que dizer de Tapajós?”, declara o geógrafo e economista
François Bremaeker, gestor do Observatório de Informações Municipais. “Se não
têm condições de se emancipar, que não o façam”, completa.
Há quase vinte anos em trâmite,
os projetos para a criação de Carajás e Tapajós sofreram apenas alterações para
a incorporação de novos municípios, sem nunca explicitar bem os custos
envolvidos com a nova divisão. As propostas mencionam somente as atividades com
potencial econômico nas duas regiões e as vantagens para a população de uma
maior aproximação com o poder público (Leia PDC 159/1992 sobre Carajás e PDC 120/1991 sobre Tapajós). Apenas em 2010, por iniciativa dos
prefeitos de Marabá, Parauapebas e Curionópolis, foi feito um estudo de
viabilidade de criação do estado de Carajás.
Ao contrário dos cálculos de
Boueri, esse estudo defende que as receitas geradas na região serão suficientes
para que o novo estado assuma integralmente seus custos de funcionamento, com
superávit previsto de quase R$ 1 bilhão. “O PIB de Carajás é fortemente
industrial e a siderurgia aparece como forte vetor de crescimento na região,
mas a plataforma econômica do estado é ainda diversificada o suficiente para
não ficar a reboque da mineração (ou de uma única empresa, como a Vale). Como
exemplo, podemos citar o mercado pecuarista, que vem ganhando cada vez mais
espaço”, argumenta um dos autores da pesquisa, Peterson Pacheco, que é
cientista social e professor do Centro Universitário de Volta Redonda.
A falta de relação entre tamanho
territorial dos estados e seus gastos públicos, apontada por Boueri, também é
questionada pelo grupo Pró-Carajás. “A emancipação de Carajás e Tapajós implica
em uma redução significativa das distâncias entre os municípios desses estados
e os centros decisórios (futuras capitais), o que acarretaria em redução de
tempo e de custos com o transporte, comunicações, incentivos empresariais,
bases institucionais, entre outros fatores que representam atualmente um
entrave ao fluxo comercial da região”, afirma Pacheco. E acrescenta: “Diversos
estudos corroboram essa ideia, como aquele feito por Almeida e Silvia (2006),
que observou que aumentos de 10% na distância são capazes de reduzir o volume
de comércio em quase 8%”.
Simulações feitas pelo
pesquisador mostraram, ainda, que o modelo de Boueri superestimou os gastos
públicos do atual estado do Pará em cerca de 36%, quando o valor encontrado foi
comparado com aquele publicado pela STN. Isso sugere que o modelo também deve
superestimar os gastos dos futuros estados de Carajás e Tapajós. “O método de
Boueri é impregnado de um malabarismo econométrico que não se sustenta. Em
primeiro plano, por ignorar toda a bibliografia que recomenda o uso de métodos
orçamentários por estes serem mais adequados para a manipulação de dados heterogêneos,
como são os gastos públicos. Em segundo, por estimar custos sem nem ao menos
testar a sua correlação com as receitas. Disso, resultou um modelo com forte
superestimação do parâmetro a ser analisado e, portanto, de pouca credibilidade”,
opina Pacheco.
Quem tem a ganhar com essa
divisão?
Diversas pesquisas mostram que a
população de Carajás e Tapajós é a favor dos novos estados, pois se sente pouco
representada e atendida pelo governo do Pará, que investe a maior parte dos
recursos no entorno de Belém. Os defensores da proposta separatista argumentam
que a aproximação com o poder público garantiria um melhor atendimento da
população que hoje ocupa municípios muito afastados da capital e estabeleceria
maior controle sobre o desenvolvimento da região, o que implica também em
vigilância, principalmente na questão ambiental. Carajás ainda seria
beneficiado por ficar com os tributos decorrentes da exploração de seus
minérios e que hoje são repassados ao governo paraense, como os royalties da
mineração e o ICMS sobre produtos primários e semielaborados.
Já o Pará remanescente poderia
sair perdendo com a divisão. “Se a região metropolitana de Belém é a que mais
se beneficia dos recursos advindos das áreas que vão se emancipar, no momento
que ficar com uma área menor, perderá esses recursos”, especula Bremaeker. “Por
isso, vale ressaltar que, por decisão do Supremo Tribunal Federal, todo o
estado do atual Pará irá se manifestar no plebiscito. Se for feita uma
propaganda bem planejada mostrando os prejuízos do Pará remanescente e este –
que concentra o colégio eleitoral do estado – votar contra, dificilmente serão
criados os novos estados”, emenda.
De acordo com pesquisa recente do Instituto Acertar, 76,3% dos
belenenses são contra a divisão do estado. Desse modo, fica claro entender a
preocupação dos Pró-Carajás e Tapajós em mostrar aos paraenses de Belém que a
emancipação não abalará as finanças do futuro Pará. “Carajás e Tapajós são
demandas legítimas porque sua viabilidade não implica na inviabilização do Pará”,
afirma Pacheco. As estimativas do cientista social e de seus colaboradores
sugerem que, mesmo após a emancipação de Carajás, o Pará ficará com 71% do PIB,
72% do ICMS e ainda terá redução de gastos com a máquina administrativa como
consequência da diminuição de sua área e população. O estudo de viabilidade de
Tapajós, que acabou de ser concluído pelo grupo, também será utilizado na
campanha das frentes favoráveis à criação dos estados, reforçando essas
conclusões.
Outro ponto a se considerar são
os custos inerentes à criação da máquina administrativa dos novos estados.
“Serão pelo menos 24 deputados estaduais para manter os novos legislativos e
três cadeiras a mais no Senado para cada estado. A infraestrutura existente de
escolas e postos de saúde, por exemplo, ficará a cargo de cada estado, mas se
não houver uma conta justa, pode acabar sobrando para o Pará remanescente”,
declara Bremaeker. A criação de novos cargos no executivo também gera polêmicas
quando à possibilidade de manobra política, especialmente considerando que a
aprovação dos plebiscitos foi feita com plenário esvaziado (apenas 80 dos 513
deputados estavam presentes) e que o Pará é um dos estados líderes em
corrupção, de acordo com pesquisa recentemente
divulgada pelo Centro de Estudos da Opinião Pública.
Até mesmo o discurso que tenta
afirmar uma identidade regional para Carajás é questionado quanto à sua
legitimidade em relação à demanda separatista. “Esse é o discurso de uma elite
político-econômica, predominantemente originária do centro-sul do Brasil, que
visa naturalizar uma divisão da realidade marcada pelas desigualdades na
ocupação do território, pela exploração predatória dos recursos naturais e pelo
rebaixamento da maioria da população migrante como mão de obra disponível e
barata, podendo, inclusive, ser submetida a regime de trabalho escravo”,
declara a historiadora e professora da Universidade Federal do Pará, Idelma
Santiago.
Trata-se, portanto, de uma
disputa pelo território e por seu destino, que envolve tanto os programas de
territorialização engendrados pelas elites regionais e pelos empreendedores
capitalistas do agronegócio e da mineração (sulistas), como as lutas de
reterritorialização empreendidas por nativos (indígenas) e migrantes
subalternizados (nordestinos/maranhenses). A pesquisadora cita ainda exemplos
de como essa elite e até a própria imprensa reforçam os efeitos sociais de
dominação e de segregação que, muitas vezes, traduzem-se em casos de polícia
quando os sujeitos em subalternidade se organizam em busca de espaço.
“Quando, em 2006, os índios
Xikrin ocuparam as instalações da Vale, na Serra dos Carajás, para reivindicar
o cumprimento dos repasses financeiros, a companhia mineradora veio a público
afirmar que a manifestação dos indígenas era caso de polícia. A ocupação da
Estrada de Ferro de Carajás pelo Movimento dos Sem-Terra (MST) em Parauapebas,
no ano de 2007, também gerou o mesmo tipo de discurso, classificando os atos
como de violência e desordem”, lembra a historiadora. Por isso, o interesse que
está por trás da criação de Carajás é também o de poder coercivo do Estado, que
exerceria seu arbítrio hierarquizador, disciplinador e punitivo sobre os grupos
sociais que ameaçam os interesses das elites.
Aprovados ou não os novos
estados, essa política de identidade continuará em pauta, porque é estratégica
para a construção de sentido histórico e de ordenamento social, assim como
continuarão os questionamentos sobre a melhor forma de gerenciar o
desenvolvimento da região.
Para saber mais
- “Custos de funcionamento das unidades federativas brasileiras e suas
implicações sobre a criação de novos estados”
- “Será a divisão do estado do Pará uma boa ideia?”
- “Assimetrias regionais no Brasil – fundamentos para a criação do estado de
Carajás”
- “Estado de Carajás: para nós, expatriados, onde se divide nosso destino?”
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