1.
Introdução
Agroecologia apresenta um quadro conceitual
para o desenho da agricultura que concilia metas de produção com objetivos
ecológicos e sociais (justiça social, geração de emprego, qualidade de vida das
populações, segurança alimentar, relações harmônicas entre produtores e
consumidores etc.) (Wezel et al., 2009). A trajetória de movimento da
agricultura ecológica no Brasil tem sido estudada por diversos autores, dentre
os quais Brandenburg (2002), que identificou três importantes fases: i) a
emergência de um movimento contra a industrialização da produção agrícola; ii)
o surgimento de novos grupos e de formas de organização social; e iii) a
institucionalização da agricultura ecológica, acompanhada por uma diluição
parcial de seus princípios. Contudo, atualmente, observamos um quarto momento
de redefinição e de recomposição de diferentes versões da agricultura
alternativa, no qual a agroecologia ocupa um lugar importante e influencia o
desenvolvimento rural (Abreu & Bellon, 2013). Trata-se de um processo de
reagrupamento progressivo das agriculturas alternativas sob o “guarda-chuva” da
agroecologia, cuja concepção é defendida por inúmeros atores sociais (instituições,
movimento social e redes técnicas e científicas).
A agroecologia é fonte de inspiração para a
construção de sistemas agroalimentares ecológicos e, a partir de 2003, foi
fortalecida através de políticas públicas. É atualmente legitimada pelo
movimento social, redes científicas e técnicas, num cenário de tensão
permanente e de convivência com a agricultura denominada convencional ou
produtivista. A agroecologia é entendida por diversos atores do mundo rural
como uma proposição científica, um conjunto de práticas e um movimento social (Wezel
et al., 2009), que busca promover mudanças no processo de produção da
agricultura convencional a partir de uma abordagem interdisciplinar e do
estabelecimento de pesquisas participativas (interação com os atores do
desenvolvimento e produtores rurais), privilegiando a valorização do saber ou
do conhecimento local.
O desenvolvimento da agroecologia diz respeito
a diferentes atores sociais (produtores, cientistas, técnicos do governo,
pesquisadores, consumidores e setores interessados da sociedade, governos locais,
estaduais e federais etc.). Neste sentido, o tema da agroecologia enquanto
projeto social para uma agricultura contemporânea e respeitosa do meio ambiente
tende a contribuir para a centralização das questões agrárias, uma vez que
propicia ambiente favorável para a construção de soluções inovadoras de
problemas cruciais ligados ao emprego e às migrações (internas e externas), à
soberania alimentar e à preservação dos distintos biomas deste imenso
continente. O desenvolvimento da agroecologia pode estar contribuindo para que
a agricultura convencional possa repensar seu modelo, através da demonstração
de exemplos bem sucedidos. Portanto, o argumento que defendemos é que o
desenvolvimento da agroecologia depende da interação entre movimentos sociais,
redes científicas e construção de políticas públicas.
Admite-se que os diferentes estilos de
agricultura ecológica e de práticas visualizadas empiricamente no Brasil estão
relacionados às concepções e correntes teóricas que influenciam os agentes e
atores locais, em um contexto onde as redes científicas e sociais dedicadas à
agroecologia estão em permanente interação e evolução. Assim, a ideia é tecer
algumas racionalidades, a partir da literatura e de documentos combinadas com a
reflexão sociológica de material oriundo de situações estudadas precedentemente
(Abreu & Bellon, 2013), para compreender como a agroecologia no Brasil vem
se constituindo como um campo interdependente e capilar que requer múltiplos
olhares. Este artigo está estruturado da seguinte forma: na seção seguinte analisa-se
o contexto, a história e a evolução da agroecologia no Brasil; a contribuição
das ciências e as estratégias de desenvolvimento da agroecologia são os objetos
de discussão da terceira seção; a quarta seção apresenta reflexões em torno do
tema.
2. Contexto,
história e evolução da agroecologia no Brasil
A partir da década de 1970, com a emergência
de críticas sobre a revolução verde, a agroecologia passou a ser construída
como disciplina científica e, no início na década de 1980, ela surge
gradualmente como movimento social associado a um conjunto de práticas
agrícolas. O movimento agroecológico diz respeito tanto aos grupos de
agricultores que buscam segurança, soberania e autonomia alimentar, como aos
movimentos sociais que reivindicam políticas públicas comprometidas com a
aplicação de seus princípios. Mas a agroecologia ainda é observada em movimentos
de grupos de agricultores que se dedicam à agricultura alternativa, por meio de
parcerias sociais, para melhor responder aos desafios ecológicos e ambientais
de produção agrícolas altamente especializadas – esse é o caso de produtores da
Califórnia nos Estados Unidos (Wezel et al., 2009).
Na Europa esse movimento se fortalece a partir
da Universidade de Córdoba, na Espanha, com o surgimento do Instituto de
Sociologia e Estudos Camponeses (Isec). A evolução do trabalho empírico realizado
no Isec decorreu da articulação de um programa científico, no campo das
ciências sociais, e da introdução de metodologias participativas e
interdisciplinares nos cursos de pós-graduação. A mudança de paradigma se deu a
partir da necessidade de compreender a natureza da agricultura convencional e
seu impacto vis-à-vis os recursos
naturais e a própria sociedade. Foi essa escola de pensamento que introduziu na
agroecologia o sentido sociopolítico de desenvolvimento da agricultura,
vinculando-o aos processos históricos, resultado da crítica social ao contexto
do neoliberalismo e da globalização. A proposição teórica da agroecologia foi assim
formulada.
Entretanto, a agroecologia vai além do estudo
de agroecossistemas. Para Francis et al. (2009) a agroecologia é uma ciência
que estuda todo o sistema de produção de alimentos. Nessa perspectiva,
produtores e consumidores estão diretamente inter-relacionados.
Consequentemente, o autor apresenta uma definição mais ampla da agroecologia.
Trata-se do estudo que integra a ecologia de todo o sistema de produção de
alimentos, incluindo também as relações sociais e institucionais vinculadas à
produção, distribuição e consumo da produção. Ademais, a agroecologia não é
vista por muitos autores apenas como ciência, mas também como movimento social
e prática agrícola. Wezel et al. (2009) admitem que as três dimensões – política
(relacionada a movimentos sociais), tecnológica (ligada à prática dos sistemas
de produção) e a geração de conhecimento (vinculada às ciências) – estão
presentes na agroecologia, embora não possam ser observadas em todos os países
com a mesma intensidade.
A agroecologia elege como conceito chave a transição
agroecológica expressa pela ideia de redesenho. Nas regiões desenvolvidas do
país, em especial, a agricultura ecológica foi inicialmente conhecida com
agricultura alternativa. O conceito era vago, significando simplesmente um
conjunto de técnicas que deveria ser utilizado de forma integrada e em
equilíbrio com o meio ambiente. Entretanto, as experiências práticas eram pouco
significativas, foram inicialmente inspiradas nos seguidores da agricultura
biodinâmica, baseada em ensinamentos de Rodolf Stneir e de Fukuoka e Mokiti
Okada.
O conceito de agricultura alternativa foi
gradualmente sendo substituído por agricultura sustentável e, depois, pelo
conceito da agroecologia. A ideia de um sistema de agricultura focada em
técnicas alternativas perde espaço quando ocorre uma ruptura cultural no
movimento ambientalista. A visão agroecosistêmica emerge na América Latina, no
final da década de 1980, com a contribuição de Altieri, em articulação com organizações
não governamentais (ONGs) latino-americanas. O movimento ambientalista constituído
por ONGs e profissionais da agronomia (associações de engenheiros agrônomos) se
divide pelo fato de que existiam intensas críticas ao modelo da revolução verde,
mas pouca experiência prática de agricultura de base ecológica.
Neste contexto, a construção de projetos junto
às comunidades de produtores familiares foi crucial, sendo criadas estruturas
de organização em diversos países latinos, o que resultou no aumento
considerável de experiências no Brasil. Deve-se salientar o papel decisivo das ONGs,
em particular da Agricultura Familiar e Agroecológica (AS-PTA), pelo seu
protagonismo. Essa organização visava atingir os objetivos de controlar a
expansão dos latifundiários e do êxodo rural apoiando os agricultores
familiares; estimular o processo de organização e conscientização dos
agricultores familiares; e promover a adoção de um novo modelo de
desenvolvimento. Para tanto, adotava as seguintes estratégias de ação: i) local:
construir novas alternativas para a produção rural; ii) global: revelar a
situação dos produtores familiares latino-americanos; e iii) política: influenciar
a formulação de políticas públicas.
Na década de 1990, o cenário é de evolução e
redefinição de métodos e conceitos. Assim, o termo da agroecologia foi
introduzido na América Latina num quadro de articulação e colaboração entre
projetos alternativos. De acordo com entrevistas realizadas com Paulo Pertensen,
uma das lideranças importantes do movimento agroecológico brasileiro, a noção
de transferência de tecnologias deveria ser substituída pela ideia de processos
sociais de inovação agroecológica. A tecnologia não é algo externo, mas
notadamente o resultado de relações ecológicas e socioculturais. A adoção
parcial da proposição da agroecologia passa a ser motivada por um conjunto de
organizações políticas comprometidas com a construção de um modelo novo de
sociedade, baseada em reivindicações por equidade e justiça social.
Assim, são as condições de vida dos produtores
familiares, associadas aos fatores ecológicos e técnicos, que configuram a
dinâmica de emergência da agroecologia, fazendo com que agricultores empenhados
com a transição em certas situações de uso da terra enveredem por trajetórias
diferenciadas, formando um mosaico de produção ecológica. Esses coletivos de agricultores
em certas localidades são apoiados por organizações, as quais estão envolvidas
diretamente com os processos de desenvolvimento rural e com a
institucionalização da agroecologia no Brasil. Essa força social é um dos
elementos fundamentais da evolução intensa identificada no país nos últimos
anos.
Esses coletivos lutam pelo reconhecimento dessas
formas ecológicas de produção. Tais avanços são consubstanciados no quadro
institucional, no caso brasileiro, no âmbito da legislação dos sistemas
orgânicos, e em um conjunto de políticas que foram inspiradas no conceito e
abordagem da agroecologia, uma vez que reconhecem a importância da integridade
cultural das comunidades rurais, da equidade social, da valorização econômica
das produções familiares e do respeito aos recursos naturais.
Para Miguel Altieri, a América Latina está
promovendo uma revolução agroecológica sem precedente. Mas tal revolução nos
parece altamente questionável, uma vez que agroecologia se desenvolve, evolui e
convive (ora pacificamente, ora de forma conflituosa) com o modelo exportador.
Para os autores, a revolução agroecológica depende do acesso de camponeses a terra,
sementes, água, crédito e mercados locais, em parte através da criação de
políticas econômicas de apoio, incentivos financeiros, oportunidades de mercado
e tecnologias agroecológicas. A nosso
ver, para que tal mudança aconteça seria necessária estruturação institucional,
profissional e científica capaz de oferecer a continuidade das ações e
programas de governo dos últimos anos.
Na realidade, o desenvolvimento da
agroecologia na América Latina e, em particular, no Brasil, pode estar limitado
pelo forte crescimento da agricultura convencional e de exportação, que possui
estrutura e recursos financeiros disponíveis e adequadamente organizados pelo
Estado e por grandes cooperativas ou mercado que se apoiam em uma forte
representação parlamentar. É necessário destacar que o setor agrícola
convencional apoiado pelo Estado tem também aumentado a produção, atendendo aos
interesses dos grupos econômicos (produtores de grãos e combustíveis) e
exportadores. Tal modelo de produção tem sido muito criticado, na medida em que
produz impactos negativos no ecossistema e problemas sociais, além de afetar a
saúde humana, tendo em conta a incerta qualidade dos alimentos produzidos com
agrotóxicos.
No Brasil, a produção de alimentos baseada em
princípios ecológicos tem crescido nos últimos 20 anos. A origem desse modo de
produção pode ser interpretada como parte da herança de modelos europeus (Brandenburg,
2002) adaptados ao contexto brasileiro, ao mesmo tempo em que convive com
outras formas originais estabelecidas sob as condições específicas da realidade
local.
Vale destacar que nesse cenário identificam-se
estilos distintos de agricultura, onde constatam-se vários referenciais de
conhecimento: biodinâmico, natural, orgânico, permacultura e sistemas
agroflorestais, entre outros. Essa diversidade de formas de produção foi
reconhecida pela legislação brasileira que regulamenta a produção de alimentos
como sistemas orgânicos de produção. Esse aparato legal foi construído a partir
de intensas consultas às partes interessadas. Portanto, é importante ressaltar
a influência da agroecologia na construção da Lei da Produção Orgânica (Lei 10831,
de 23 de dezembro de 2003, regulamentada em 2007), que reconhece a diversidade
de sistemas de certificação como terceira parte, sistemas de garantia da
qualidade participativa (SPG) e vendas diretas com controle social.
A proposição da agroecologia tem estimulado
interações múltiplas entre sistemas agroalimentares de alta diversidade de
produtos, práticas e experiências sociais que, contabilizadas somente as áreas
certificadas, totalizam mais de 5 milhões de hectares, incluindo as áreas
extrativistas. As áreas cultivadas com sistemas orgânicos de produção envolvem
também, sob o plano produtivo, uma grande diversidade de produtos alimentares
como mel, hortaliças, café, açúcar, palmito, soja, frutas, legumes, ovos,
carne, leite, milho etc. É inquestionável, portanto, a contribuição da
agricultura familiar para a segurança alimentar e nutricional e para a geração
de renda e empregos, porque possibilita que milhões de pessoas tenham condições
de acessar os alimentos.
Em 2013, ocorreu a construção participativa do
Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), que envolveu
diferentes órgãos de governo e representantes da sociedade civil. O Planapo
integra, qualifica e articula diferentes políticas, programas e ações indutoras
da transição dos sistemas agroalimentares de base ecológica, contribuindo para
o desenvolvimento sustentável. Dentre o público beneficiado pelo Planapo constata-se
a presença de agricultores familiares e não familiares, povos e comunidades
tradicionais, juventude rural e suas organizações econômicas que buscam
fortalecer ou modificar suas práticas produtivas para sistemas agroalimentares
de base ecológica. Cabe verificar em que medida essa política pode impactar
positivamente, contribuindo para a transição da agricultura. É cedo para
analisar os efeitos do plano, uma vez que poucas ações foram implementadas no
meio rural – e, tendo em conta a crise política e econômica atual, a incerteza
predomina em torno das políticas públicas.
3. Agroecologia:
aportes teóricos e estratégias de desenvolvimento
O aporte teórico da agroecologia recebeu
influências da agronomia, ecologia, antropologia e sociologia (Altieri, 2002). A
agroecologia é considerada como uma proposição científica emergente e um campo
de conhecimento transdisciplinar. Do ponto de vista das estratégias de
desenvolvimento, pode-se registrar que a agroecologia no Brasil evoluiu a
partir das duas últimas décadas. Diversas universidades criaram cursos de
graduação e programas de pós-graduação stricto
senso em agroecologia. Centenas de
ONGs têm se apropriado do paradigma da agroecologia para promover a agricultura
sustentável. Nos últimos 14 anos, com o governo sob a liderança do Partido dos
Trabalhadores (PT), o movimento agroecológico foi intensamente povoado de
estudantes e profissionais que possuíam relações de militância ou técnica com
movimentos sociais, chegando inclusive a ocuparem importantes cargos políticos
no Ministério do Desenvolvimento Agrário. Esse fato lhes permitiu influenciar
diretamente os programas públicos, em especial na área de extensão rural e
pesquisa agropecuária.
As políticas de desenvolvimento rural em
sentido amplo abriram espaços para ONGs e grupos independentes – alguns
pertencentes ao movimento original da agricultura alternativa no Brasil, como a
Associação Nacional de Agroecologia (ANA) – articularem e obterem acordos entre
os diversos atores interessados na formulação de um Programa Nacional de
Pesquisa em Agroecologia, criado pela Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa).
As instituições públicas do Brasil têm
integrado a perspectiva da agroecologia em suas estratégias de desenvolvimento
rural. Recentemente movimentos rurais como Via Campesina, MST, Movimento do Pequeno
Produtor Agrícola (MPA) etc. adotaram a proposição da agroecologia, incluindo
em suas agendas o tema da soberania alimentar. É notório o quanto as
instituições de ensino e pesquisa no Brasil, em especial as que atuam nas áreas
das ciências agrárias e da terra, vêm desenvolvendo os profissionais para
exercerem suas funções de forma interdisciplinar e comprometida com os
princípios da agroecologia. Trata-se de preparar os profissionais para buscar conhecimentos
e alternativas de soluções tecnológicas inovadoras e adequadas para a realidade
e contexto em que os produtores familiares se inserem. Interessam-se também por
estudar formas de inserir a produção gerada por eles em mercados locais
alternativos. Essa preparação, sob a perspectiva da agroecologia, depende de uma
interação forte entre os conhecimentos técnico-científicos e as experiências
locais articuladas pelos produtores familiares em organizações de produtores de
base ecológica.
O movimento brasileiro e latino-americano em
defesa da agroecologia tem como objetivo influenciar a construção de políticas
que estimulem a soberania alimentar e o desenvolvimento rural sustentável. Para
preencher a carência de conhecimento científico, as instituições de PD&I,
extensão rural e de educação formal colocam à disposição dos diferentes
profissionais e agricultores um conjunto de processos educativos e de
investigação. Uma das instituições que mais tem atuado para contribuir com o
preenchimento dessa lacuna é a Sociedad Cientifica Latinoamericana de
Agroecologia (Socla). Essa instituição trabalha em articulação com um conjunto
de outras instituições não governamentais que se apoiam nos movimentos sociais.
A construção do conhecimento científico foi estabelecida como missão
privilegiada e estratégica de desenvolvimento sustentável na América Latina. Dentre
os temas prioritários nesse campo encontram-se os da soberania alimentar,
conservação de recursos naturais e diversidade biológica na agricultura.
Um dos principais papéis da Socla é contribuir
para o desenvolvimento socioeconômico considerando os interesses sociais no que
se refere à segurança alimentar e ao empoderamento das populações rurais. Para isso,
desenvolve ações como congressos científicos, cursos de formação, produção de
publicações e subsídio a estudantes, técnicos, pesquisadores e/ou organizações
de agricultores envolvidos com a agroecologia no continente. Os resultados dessas
ações têm sido encaminhados ao movimento social organizado e têm potencializado
o desenvolvimento de alternativas tecnológicas, sistemas de comercialização
mais justos, estratégias locais de desenvolvimento rural e construção de
políticas para o fortalecimento dos sistemas alimentares sustentáveis.
Em suma, o desenvolvimento da agroecologia no
país e na América Latina tem sido orientado por estratégias políticas de
diferentes atores envolvidos e um interesse crescente da sociedade, em
particular dos consumidores. Esse desenvolvimento fortalece os movimentos
sociais e a construção de programas científicos interdisciplinares, além de
disseminar práticas agrícolas mais sustentáveis. As práticas agrícolas e os
programas científicos são construídos a partir de conhecimentos oriundos da
interação de técnicos e pesquisadores, de diversas áreas de atuação, com
distintos atores da agricultura de base ecológica. Busca, portanto, combinar uma
diversidade de conhecimentos e domínios disciplinares.
4.
Conclusão
A agroecologia se desenvolve ancorada em
movimentos sociais e aborda questões de desenvolvimento através de redes sócio-técnicas
que legitimam um conjunto de formas de agricultura, transformando a paisagem
agrária contemporânea. A agroecologia desencadeia uma ruptura paradigmática e
promove a emergência de debates e de críticas à agricultura convencional e,
consequentemente, defende um conjunto de valores políticos e sociais associados
ao ideário de uma sociedade justa e igualitária. A agroecologia é legitimada no
Brasil e na América Latina por sua forte relação com o movimento social. O tema
agroecologia coloca no debate público a questão do poder da ciência sobre o
desenvolvimento da sociedade, destacando a natureza política do que está por
trás das opções tecnológicas dos diferentes modelos utilizados na agricultura. Portanto,
a agroecologia coloca a questão mais geral da importância da relação entre
sociedade e ciência.
Em essência, o significado do movimento em
defesa da agroecologia se traduz nos tempos atuais num processo de
desenvolvimento rural de dimensões múltiplas que vem recompondo o mundo rural,
na medida em que reconstrói paisagens preservando recursos naturais, resgata
saberes associados à produção de alimentos, dinamiza a produção de fibras,
artesanatos e moda ecológica usando energias renováveis e reinventa a consciência
ética e humanista no espaço rural.
A agroecologia é resultado da ruptura cultural
das comunidades científicas e de grupos interessados pela questão do
desenvolvimento rural, ou seja, a crítica ao modelo produtivista mostra-se
concretamente na busca de práticas agrícolas de natureza ecológica e na
introdução de inovações alternativas como, por exemplo, o manejo ecológico dos
solos e a aplicação de princípios sociais da agroecologia. Essa atitude social
crítica, reflexiva, é necessária em contextos em evolução, em particular tendo
em vista a regulamentação da produção em curso, que faz com que agroecologia
passe a ser uma disciplina de referência do ponto de vista das práticas
agrícolas e da busca por equidade social, podendo servir de exemplo para outras
formas de agricultura. A análise indica que a evolução da agroecologia depende
da força da interação entre os movimentos sociais, redes científicas e
construção de políticas públicas, tal como demonstramos no caso brasileiro, com
avanços, mas pleno de incertezas no campo político e institucional.
Entretanto, pouco se tem avançado no âmbito da
abordagem que toma a agroecologia como sistema agroalimentar. Ou seja, questões
relativas à transformação, conservação e sobre as diferentes formas de relação produtor-consumidor
ocupam ainda pouco destaque nos programas e ações dos governos federal e
estaduais. Assim, esta reflexão nos estimula a colocar algumas interrogações:
seria a transição inspirada no conceito da agroecologia incerta, uma vez que,
na atual conjuntura política e econômica do país, as forças do mercado passam a
ocupar lugar central no discurso dos formuladores de políticas públicas? Sem
dúvida, é preciso aprofundar o estudo sobre questões cruciais do
desenvolvimento da agroecologia, em especial analisar em que medida no país a
dimensão econômica e política, associada à reprodução social das famílias envolvidas,
pode influenciar na consolidação dos sistemas alimentares agroecológicos.
5.
Referências
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Lucimar
Santiago de Abreu é pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente (lucimar.abreu@embrapa.br); Stéphane Bellon é pesquisador do Institut National
de la Recherche Agronomique (Inra, França); Tércia Torres é analista da Embrapa
Informática.