O
importante avanço científico e
tecnológico no
tratamento da Aids através da terapia anti-retroviral
propiciou aumento da sobrevida e qualidade de vida às
pessoas
afetadas, garantido pela política pública
nacional de
enfrentamento da epidemia. Paradoxalmente, o fato de conferir uma
maior proteção aos indivíduos
atingidos, acaba
por provocar uma falsa sensação de
segurança na
população em geral de que o problema
está
resolvido, levando a flexibilização das atitudes
de
prevenção e proteção
individual e
coletiva.
O
panorama internacional retrata, sem dúvida, o crescimento
dessa epidemia ainda não controlada, mesmo que alguns
países,
destacadamente o Brasil, tenham investido recursos financeiros e
institucionais de forma prioritária para essa
área
programática.
A
sustentabilidade de resultados positivos alcançados
está
intrinsecamente relacionada à forma de financiamento,
gestão,
controle social e à capacidade de análise e
intervenção
em tempo real, a partir das características da
tendência
da epidemia, que se faz pelos casos notificados de Aids e, mais
recentemente, pela notificação de casos HIV
positivos.
Ações
de valorização, capacitação
e atualização
de profissionais de saúde, nos âmbitos
público e
privado, têm se mostrado estratégias relevantes.
Aids
– Introdução
Duas
décadas após os primeiros casos de Aids em
Campinas,
com 4397 casos notificados entre crianças e adultos,
é
possível analisar algumas características da
ocorrência
desta enfermidade no município. Os dados aqui apresentados,
de
pessoas residentes no município, foram atualizados em 25 de
novembro de 2005 da base municipal do Sistema Nacional de Agravos de
Notificação (Sinan). Para
obtenção dos
dados de mortalidade e população utilizou-se o
Sistema
de Informação de Mortalidade (SIM).
Na
primeira década da epidemia (1980-1990), observava-se perfil
majoritariamente masculino, sendo a principal categoria de
exposição
a sexual/homossexual e bissexual. A segunda categoria de
exposição
era a sanguínea, com concentração de
casos entre
usuários de drogas injetáveis, seguida por
transfusão
de sangue e hemoderivados. Esta última teve uma
diminuição
importante e consistente a partir da década de 90,
conseqüência da evolução na
qualidade do
controle do sangue no país.
Na
primeira metade da década de 90, a epidemia ainda
expressivamente masculina mostrava mudança de perfil; a
categoria de exposição sanguínea/
usuário
de droga injetável (UDI) passou a ser a principal categoria
de
exposição e iniciava o crescimento da
participação
de mulheres, através de exposição
sexual/heterossexual. Ressalta-se que grande parte dessas mulheres
referia ter ou ter tido parceiro sexual usuário de drogas
injetáveis (UDI).
Atualmente,
nos últimos anos, verifica-se em Campinas a
desaceleração
da epidemia com tendência à
estabilização
da velocidade de crescimento, evidente
feminização e
crescimento do número de casos por categoria de
exposição
heterossexual para ambos os sexos.
O
sucesso da política nacional de combate à Aids
é
resultado da mobilização, controle e
participação
social, aliada à resposta competente e de qualidade por
parte
do poder público e profissionais de saúde.
A
análise que se segue têm como referência
essa
parceria e o respeito à história de
construção
do Sistema Único de Saúde.
Incidência
em Campinas e categorias de exposição
hierarquizada
A
incidência da Aids, após atingir seu pico em 1996,
vem
apresentando uma diminuição com
tendência de
estabilização. (Gráfico 1).
Fonte: SINANW e TABNET/CoViSA e CII/SMS/Campinas
Quanto
à categoria de exposição, nota-se um
aumento do
percentual de casos na categoria de exposição
sexual/heterossexual ao longo de todo período, em ambos os
sexos, mais acentuado nos últimos cinco anos. Ao se analisar
separadamente a categoria de exposição por sexo,
entre
os homens, observa-se que, de 2002 a 2004, houve
elevação
do número de casos entre homossexuais, e entre as mulheres
notadamente a elevação por categoria de
exposição
sexual/heterossexual (Gráficos 2 e 3).
Fonte: SINANW/CoViSA/SMS/Campinas
Fonte: SINANW/CoViSA/SMS/Campinas
A
categoria de exposição sanguínea/uso
de drogas
injetáveis (UDI) apresenta diminuição
em ambos
os sexos.
Esta
diminuição pode ser atribuída
à atuação
do Programa de Redução de Danos, bem como da
alternância de uso das substâncias psicoativas,
como, por
exemplo, a substituição da cocaína
injetável
por crack, que responde a mudanças
sócio-culturais e
econômicas relativas ao consumo e mercado das drogas.
Ao
detalhar a análise na categoria de
exposição
sexual/heterossexual, nota-se algumas particularidades entre sexo e
entre as faixas etárias. Assim, na Tabela 1, é
possível
comparar a incidência média por sexo e faixa
etária
dessa categoria de exposição, no
início da
década de 90 e entre 2000 e 2004. Embora tenha ocorrido um
aumento da incidência nas idades de 20 a 49 anos, tanto entre
homens como em mulheres, este é mais significativo entre as
mulheres. Chama a atenção, também, o
aumento
importante da incidência nas idades acima de 50 anos,
especialmente no sexo feminino.
TABELA
1 - Incidência média de Aids na categoria de
exposição
heterossexual, segundo faixa etária e sexo, Campinas/SP
Mulheres
|
|
Homens
|
|
1991-1995
|
2000-2004
|
Variação
|
|
1991-1995
|
2000-2004
|
Variação
|
15
a 19 anos
|
1,5
|
1,7
|
1,1
|
|
1,0
|
0,4
|
-0,4
|
20
a 29 anos
|
11,0
|
24,8
|
2,3
|
|
10,3
|
12,4
|
1,2
|
30
a 39 anos
|
9,7
|
35,7
|
3,7
|
|
20,7
|
33,1
|
1,5
|
40
a 49 anos
|
9,3
|
28,7
|
3,0
|
|
11,3
|
33,5
|
3,0
|
50
a 59 anos
|
1,8
|
13,1
|
7,3
|
|
8,4
|
18,9
|
2,2
|
60
e +
|
1,0
|
4,0
|
4,0
|
|
1,3
|
5,4
|
4,1
|
Fonte:
SINANW e TABNET/ CoViSA e CII/SMS/Campinas
Incidência
por sexo e faixa etária
A
distribuição por faixa etária
mantém
maior incidência nas idades entre 20 a 49 anos. Observa-se
aumento na faixa etária de 50 a 59 anos, que comparado ao
coeficiente de incidência nessa faixa etária em
1991 e o
registrado em 2003, demonstra incremento de aproximadamente 5 vezes
(Tabela 2).
Infere-se
que o aumento de sobrevida no país, decorrente da melhoria
na
tecnologia em saúde e políticas
públicas
voltadas para a qualidade de vida na terceira idade, associado
também à preservação da
atividade sexual,
vêm caracterizando uma nova vulnerabilidade para as faixas
acima de 50 anos.
Tabela
2 – Coeficiente de Incidência de Aids
(casos/100.000hab),
segundo faixa etária, Campinas/SP.
Faixa
Etária |
1991 |
1992 |
1993 |
1994 |
1995 |
1996 |
1997 |
1998 |
1999 |
2000 |
2001 |
2002 |
2003 |
2004 |
15-19 |
23.0 |
10.0 |
9.9 |
7.0 |
11.1 |
8.3 |
5.5 |
5.4 |
5.4 |
1.3 |
4.0 |
5.3 |
0.0 |
1.3 |
20-29 |
60.8 |
52.9 |
61.9 |
72.0 |
70.2 |
87.9 |
57.5 |
50.8 |
42.4 |
49.4 |
40.0 |
40.7 |
42.3 |
31.5 |
30-39 |
62.4 |
86.1 |
90.0 |
97.2 |
125.8 |
122.2 |
97.2 |
143.6 |
103.4 |
109.0 |
92.4 |
91.3 |
80.8 |
73.8 |
40-49 |
41.4 |
35.6 |
58.5 |
33.0 |
55.7 |
82.0 |
73.1 |
86.4 |
69.9 |
69.1 |
75.0 |
75.9 |
82.2 |
61.9 |
50-59 |
10.9 |
12.7 |
18.4 |
15.9 |
15.4 |
20.6 |
20.1 |
48.0 |
32.9 |
22.0 |
26.5 |
38.7 |
52.0 |
20.2 |
60
e + |
2.4 |
9.0 |
6.4 |
6.1 |
3.9 |
5.6 |
10.7 |
12.0 |
14.8 |
7.9 |
12.3 |
5.9 |
5.7 |
15.7 |
Fonte:
SINANW e TABNET/ CoViSA e CII/SMS/Campinas
Em
relação à
distribuição por sexo,
no início da epidemia havia predominância do
número
de casos no sexo masculino sobre os casos no sexo feminino. A
razão
entre sexo masculino e feminino em 1987 foi de 11/1. Atualmente, essa
razão é de 2/1. A mudança desse perfil
pode ser
verificada no Gráfico 4.
Fonte: SINANW/CoViSA/SMS/Campinas
Distribuição
geográfica
Além
das mudanças de natureza etária, categoria de
exposição
e de gênero, houve também mudanças na
distribuição geográfica. Ao se
comparar as
regiões, nota-se que no início dos anos 90 as
maiores
incidências ocorriam nas regiões norte e leste,
áreas
onde se concentram os bairros de população de
maior
renda. Já nos últimos 5 anos houve
diminuição
na incidência nessas regiões com aumento nas
regiões
sul, sudoeste e noroeste, onde residem populações
de
menor renda. (Gráfico 5)
Essa
nova conformação da
distribuição
geográfica pode ser atribuída à
melhoria do
acesso dos pacientes aos serviços de saúde
daquelas
regiões, assim como pela melhoria do diagnóstico
pelas
Unidades de Saúde, especialmente durante o
pré-natal. A
cobertura do aconselhamento e testagem para o HIV e sífilis
no pré-natal das unidades do SUS/Campinas é,
atualmente, da ordem de 95%.
Fonte: SINANW e TABNET/CoViSA e CII/SMS/Campinas
Mortalidade
A
mortalidade por Aids em Campinas teve queda abrupta de 55% em meados
de 1996, quando a terapia anti-retroviral combinada foi adotada no
protocolo nacional, e mantém tendência de
declínio
nos anos mais recentes. A qualidade dos serviços de
assistência especializados, de acordo com recente pesquisa
nacional, é o principal fator de
redução da
mortalidade por Aids. O Centro de Referência do Programa
Municipal de DST/Aids de Campinas foi classificado nesta pesquisa,
como Serviço de Excelência.
Os
coeficientes de mortalidade atuais podem ser observados no
Gráfico
6.
Fonte: SINANW e TABNET/CoViSA e CII/SMS/Campinas
Aids
em crianças
O
primeiro caso de Aids em criança (0 a 12 anos) foi
diagnosticado em 1997 atingindo incidência máxima
em
meados da década de 90, apresentando declínio nos
dois
últimos anos. A incidência por faixa
etária pode
ser observada no gráfico 7.
Fonte: SINANW e TABNET/CoViSA e CII/SMS/Campinas
Conclusões
A
Aids apresenta uma dinâmica de
distribuição na
população em função de
características
sócio-econômicas, culturais,
demográficas e de
mudanças tecnológicas como qualquer
doença, e
também de etnia, gênero,
orientação e
prática sexual, representação e
exclusão
social, o que a diferencia dentre as outras. A
intervenção
no processo saúde/doença traz o desafio de
considerar e
respeitar as diferenças nas várias gamas da
moralidade,
crença, orientação e
prática sexual, uso
de drogas lícitas e ilícitas, atividade sexual
comercial entre outras, na defesa do acesso universal e
equânime
à informação e assistência
em saúde.
A constante atenção e
avaliação dessas
características conferem maior efetividade às
medidas
de prevenção, promoção e
proteção
à saúde da população, quer
seja em
intervenções individuais, quer seja na
priorização
de grupos ou segmentos sociais a receber enfoque adequado às
suas vulnerabilidades.
A
vulnerabilidade feminina frente à Aids ilustra esse desafio.
O
risco de infecção pelo HIV para as mulheres
através
de uma relação heterossexual desprotegida
é
biologicamente maior que o risco para os homens na mesma
situação;
a vulnerabilidade de gênero, social e cultural é
igualmente proporcional para elas. Necessariamente, na
abrangência
das atividades cotidianas de prevenção,
promoção
e proteção dos serviços de
saúde, o tema
DST e Aids deve fazer parte da rotina, se quisermos controlar o
rápido avanço da epidemia, principalmente entre
mulheres.
O
recrudescimento da epidemia entre jovens homossexuais em Campinas,
já
observado como tendência há alguns anos na Europa
e EUA,
demonstra que a solução de continuidade de
atividades e
projetos específicos a cada segmento ou grupo social,
é
imediatamente verificado no avanço da epidemia para os
mesmos.
Apesar
de todos os avanços culturais e tecnológicos a
Aids
ainda é um grande desafio. O grande exemplo de
construção
programática nessa área traz a responsabilidade
de
fortalecimento e de sustentabilidade das ações de
vigilância, análise dos dados e
planejamento/ação
no âmbito do Sistema Único de Saúde e o
desafio
de consolidá-lo. Com certeza temos ainda muito a fazer.
Maria
Cristina Januzzi Ilário é coordenadora do
Programa
Municipal de DST/AIDS e Salma Regina Rodrigues Balista é
diretora de vigilância em saúde.
Este
texto, gráficos e tabelas foram originalmente produzidos
para
o “Boletim Epidemiológico –
Edição
Especial: Aids”, da Secretaria Municipal de Saúde
de
Campinas.
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