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Reportagem
Risco país: subjetividade e política
Por Rafael Evangelista
10/03/2008

Quem acompanha o noticiário de economia depara-se, quase diariamente, com a expressão, seja em sua versão positiva, “caiu o risco-país”, seja em seu inverso tenebroso, “aumentou o risco-país”. A queda ou o aumento do risco-país são, em geral, ligadas a visões do paraíso ou do inferno. Um índice em baixa pode significar, por exemplo, um maior fluxo de capital para o Brasil; em alta, uma fuga de dólares. Em tese, a quantidade de capital leva à definição da capacidade de investimento produtivo, seja por parte do Estado, seja pelas grandes empresas.

Há muito mais, contudo, por trás desse número mágico que, para o Brasil, no final de fevereiro, estava na casa dos 255 pontos. Para efeito de comparação, o do México estava em 173, o da Argentina em 464. Começa a partir daí a confusão entre risco-país e o Emerging Markets Bonds Index Plus (EMBI+).

O número que assombra, vez ou outra, os prognósticos econômicos é, principalmente, o EMBI+, oferecido pelo fundo de investimentos J. P. Morgan. Ele é fruto de uma pesquisa do fundo, que mede, no mercado, qual é a diferença cobrada entre os títulos da dívida brasileira e os títulos da dívida estadunidense. Já quem estabelece o risco-país propriamente dito são as agências de classificação de riscos, instituições especializadas em avaliar qual o risco de se investir em certas empresas ou países. Três são as principais: Moody's, Standard and Poors, e Fitch. As duas primeiras, contudo, dominam o mercado, formando um duopólio.

A partir dos anos 1990, a dívida dos países em desenvolvimento mudou de perfil. Ao invés de deverem para agências como o Fundo Monetário Internacional (FMI) ou o Banco Mundial, os países passaram a captar recursos externos junto a investidores privados. Fazem isso vendendo títulos, que são como notas promissórias em que o emprestador compromete-se a devolver ao credor o mesmo valor depois de um certo tempo, pagando uma certa quantia de juros. Os títulos emitidos pelos Estados Unidos são tidos como de risco zero, ou seja, o mercado tem certeza de que não haverá calote. Por isso mesmo, a taxa de juro é a menor, e o investidor lucra menos.

O texto Risco-Soberano e Prêmios de Risco em Economias Emergentes, publicado pelo Ministério da Fazenda e assinado pelos economistas Otaviano Canuto e Pablo Fonseca P. dos Santos, contém uma explicação detalhada. “O EMBI+ é composto por uma cesta de títulos denominados em moeda estrangeira emitidos pelos governos centrais de diversos países emergentes e que são negociados em mercados secundários. O J.P.Morgan divulga os níveis do índice e as margens soberanas (sovereign spreads). O índice representa uma média ponderada, pelo volume negociado no mercado secundário, dos preços dos papéis que compõem a cesta; a margem soberana é dada pela diferença entre os rendimentos dos títulos governamentais e os títulos do Tesouro dos EUA com características semelhantes, considerados de risco zero”. O risco de cada país é denominado por uma escala alfabética, sendo AAA (ou Aaa, dependendo da agência) o de menor risco e C- o de maior. O EMBI+ pode ser decomposto em sub-índices, um para cada país. “A margem soberana desses sub-índices é usualmente referida como risco-país”, explicam.

Risco-país e risco-soberano

Mas o risco país, propriamente dito, não se resume aos pontos do J. P. Morgan. Ele é uma medida menos precisa, porém mais qualitativa e menos sujeita aos solavancos instantâneos do mercado. O risco-país é um conceito abrangente que inclui, além da capacidade e da vontade do Estado em honrar os títulos que emitiu, também as empresas. Estas, que tomam dinheiro no exterior, podem sofrer com fatores externos, que dificultariam sua capacidade de pagar as dívidas: como uma alteração brusca no câmbio ou mesmo a adoção de controle de capitais (leis de disciplinamento dos fluxos financeiros).

Umbilicalmente ligado ao risco-país está o risco-soberano, que compreende a capacidade do Estado apenas em honrar seus compromissos. “Risco soberano é o risco de crédito associado a operações de crédito concedido a Estados soberanos. O exercício de garantias e o monitoramento e cumprimento de contratos adquirem, evidentemente, características distintas daquelas presentes nos casos de crédito para agentes privados ou mesmo de setores públicos infra-nacionais e não-soberanos”, explicam Canuto e Santos. Além disso, os autores salientam ainda que aquilo que determina a capacidade de pagamento e a disposição a pagar são fatores de outra natureza, dependendo de variáveis macroeconômicas como reservas de divisas e fluxos no balanço de pagamentos, crescimento econômico e capacidade de arrecadação tributária, fatores políticos etc.

Segundo eles, há uma relação evidente entre os dois tipos de risco. “Evidentemente, os dois riscos guardam relação de parentesco, já que uma moratória na dívida soberana tende a exercer impacto negativo sobre os demais fluxos de capital para o país, afetando também dívidas externas privadas”. Ao mesmo tempo, sem divisas o Estado fica incapaz de pagar suas dívidas em moeda estrangeira.

Há casos, entretanto, de países que optam por uma reestruturação unilateral do valor ou da data de pagamento de seus títulos ou seja, adiar o pagamento ou pagar um juro menor que o previsto, o que é entendido como calote mas cujas empresas continuam honrando seus compromissos. O inverso, o Estado continuar pagando e as empresas não, também acontece.

O economista e analista de finanças do Tesouro Nacional, Pedro Erik Arruda Carneiro, comenta a relação entre o risco-soberano e as avaliações do mercado. “O que se discute no mercado é se as simulações nos preços dos títulos soberanos influenciam os ratings das agências, isto é, as agências seguem o mercado ou é o inverso? Encontram-se textos que apontam nas duas direções, mas é muito observado que as agências são influenciadas pela volatilidade do mercado financeiro, ratings deveriam enfatizar o médio e o longo prazo, concentrar nos fundamentos econômicos do país, e não se comportar de forma pró-cíclica, acelerando os períodos de crise e de valorização”.

Um cálculo subjetivo... e político

O cálculo do risco-soberano não deve registrar apenas a capacidade de um país em fazer o pagamento de seus títulos. Deve medir sua vontade de pagar, ou seja, se os pagamentos estão incluídos no horizonte da política econômica empreendida. Há, então, muito espaço para subjetividade na avaliação. “A classificação é o resultado de um trabalho interdisciplinar que combina a análise por meio de métodos quantitativos com a sensibilidade dos analistas a parâmetros qualitativos, sendo dada grande ênfase a esse segundo aspecto”, afirmam Canuto e Santos.

Em geral, são três as etapas levadas a cabo pelas agências: avaliação de conjuntura; quantificação, integrando índices quantitativos com índices qualitativos devidamente pontuados; e a votação, feita por um comitê da agência, de qual deve ser a classificação, a partir dos dados das etapas anteriores.

De acordo com Canuto e Santos, a análise de conjuntura geralmente se inicia com uma visita de pelo menos dois analistas ao país em avaliação. Na oportunidade, são realizadas reuniões com os principais funcionários do governo, com analistas do setor privado, jornalistas, pesquisadores universitários e membros da oposição política. Ainda segundo eles, esses encontros com funcionários do governo servem, entre outras coisas, para pedir informações mais detalhadas sobre dados oficiais e são fundamentais para aprofundar o entendimento acerca da condução das políticas fiscal e monetária. “As agências dão grande importância à clareza e consistência dessas políticas, pois a experiência mostra que sua condução tem grande influência sobre o balanço de pagamentos e a sustentabilidade da dívida pública. Os contatos com os demais setores servem de contraponto à visão oficial. Após a visita, é elaborado um relatório, distribuído antecipadamente aos membros do comitê, com tabelas de dados macroeconômicos, projeções e a recomendação de classificação.”, descrevem Canuto e Santos.

Os autores fazem um mapa dos principais fatores e variáveis considerados na avaliação de risco por pelo menos uma das principais agências de classificação. Esses fatores dividem-se em cinco categorias: risco político, civil e institucional; setor real e estrutura econômica; setor fiscal; setor monetário e financeiro; e setor externo. Na descrição das variáveis da primeira categoria risco político, civil e institucional listas e índices produzidos pelo Banco Mundial (Índice de Desenvolvimento Humano) e ONGs como a Transperência Internacional (índice de percepção da corrupção) e a Freedom House (lista das verdadeiras democracias). Atualmente, a Freedom House não considera, na América Latina, como países totalmente livres apenas a Colômbia, Venezuela, Equador, Bolívia e Paraguai. Países como a Rússia e a China são considerados não-livres.

O risco-país da OCDE

A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) também oferece, desde 1999, um índice de risco sobre os diversos países do mundo. O objetivo é oferecer, às agências de crédito dos países membros, alguma orientação sobre as empresas e instituições públicas, principalmente dos Estados não-membros, com relação à probabilidade de pagamento (possibilidade real e vontade) dos empréstimos. Os países que, na visão da OCDE, tem menos probabilidade de pagarem as dívidas, pagam juros mais altos.

Detalhes sobre a metodologia da OCDE são secretos. Ela divulga apenas que combina um modelo matemático para índices quantitativos com uma análise qualitativa do risco político de cada país analisado. O sub-grupo de risco-país da OCDE encontra-se diversas vezes por ano e pontua os países progressivamente: 0 para os que oferecem menor risco e 7 para os de maior risco. No primeiro semestre de 2008 o Brasil é classificado como de risco 3, junto com países como a Bulgária, a Argélia e a Costa Rica. Na América Latina, está abaixo do Chile (2), mas acima da Argentina (7), Venezuela (6), Bolívia (7)e Equador (7), entre outros.

A crescente desconfiança com as agências

As agências de classificação de risco nasceram nos Estados Unidos. A idéia era oferecer informação a investidores sobre a situação de empresas privadas. Nesse tipo de negócio, a informação é assimétrica, ou seja, quem toma o empréstimo sabe de sua intenção ou condição de pagar. Quem concede o empréstimo, não.

As agências, até a década de 1970, avaliavam somente empresas, não países. Estes, eram avaliados pelas instituições que concediam os empréstimos, como o FMI e o Banco Mundial. No meio da década de 1970 houve uma mudança regulatória por parte do Securities and Exchange Commission (SEC) estadunidense. Em 1982, o primeiro país subdesenvolvido avaliado, foi a Venezuela, pela Standard and Poors. Em 1986, seria a vez do Brasil e da Argentina, avaliados pela Moody's.

Pedro Erik Arruda Carneiro cita trecho de reportagem do Washington Post que dá conta do poder crescente das agências de avaliação. Diz a reportagem, assinada por Alec Klein: “De seus escritórios em Manhattan eles podem, em uma canetada, efetivamente adicionar ou subtrair milhões de uma empresa, bagunçar o orçamento de uma cidade, deixar em estado de choque o mercado de títulos e ações e reorientar investimentos internacionais. As três grandes (Fitch, Moody's e Standard and Poor's) ostensivamente trabalham em seu sacerdócio dessensibilizado”.

Líderes de Estado, tanto de países desenvolvidos como subdesenvolvidos, questionam o poder que as três acumularam. Foram criadas única e exclusivamente como salvaguarda para os interesses dos investidores, mas acumularam tanta influência que, aqueles países que se propõem a seguirem seus preceitos, dependendo de recursos externos, não podem dar um único passo em falso, sob o risco de verem seus projetos de desenvolvimento arruinados.