Ele vem do interior da Terra sem avisar e, em segundos, transforma a vida da população de todo um país. Um terremoto talvez seja a catástrofe natural que mais afeta a sensação de segurança do ser humano, abalando aquilo que ele imagina ser mais sólido – o chão sob seus pés. Anualmente são registrados mais de seis mil terremotos, a esmagadora maioria de baixa magnitude ou intensidade. Entretanto, no mesmo período, cerca de cem sismos ultrapassam a barreira dos 6 graus na escala Richter, considerados mais perigosos.
Avalia-se um terremoto pela sua magnitude ou pela sua intensidade. Segundo o doutor em sismologia pelo Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP), Afonso Vasconcelos, a magnitude mede a energia liberada pelo terremoto – a escala Richter é a mais utilizada. “A escala não tem limites, nem pra cima nem pra baixo, mas não existem falhas (geológicas) tão grandes para ultrapassar (a barreira dos 9 graus)”, ensina Vasconcelos, embora lembre que não seja impossível. A intensidade, por sua vez, leva em consideração os danos materiais e o número de mortos causados pelo fenômeno. A escala Mercalli Modificada (MM) é utilizada para medir a intensidade e vai de I (um) até XII (doze). O terremoto do Haiti, em janeiro deste ano, por exemplo, alcançou o grau X (dez). Não existe uma escala para o impacto sociocultural que um fenômeno desse tipo pode causar, embora, em algum grau e forma, todo evento repercuta na população.
Em termos de magnitude, um grande terremoto ocorrido no Chile, em 1960, está no topo da lista, atingindo 9,5 graus na escala Richter. O evento vitimou cerca de 1600 pessoas, além de 200 no Japão, Filipinas e Havaí devido ao tsunami causado pelo sismo. A Copa do Mundo de futebol de 1962, no Chile, quase foi cancelada devido aos danos sofridos nos estádios que estavam sendo construídos ou reformados. Com o slogan “ Porque nada tenemos, lo haremos todo” (porque nada temos, faremos tudo), os chilenos organizaram o evento em tempo recorde e ainda conquistaram o terceiro lugar naquela competição. O último terremoto chileno, em fevereiro de 2010, é o sexto no mesmo ranking e matou 507 pessoas.
Segundo a lista dos maiores terremotos registrados pela US Geological Survey (USGS), agência norte americana que faz estudos sobre fenômenos naturais, e considerando apenas os dez terremotos de maior intensidade a partir do século XVI, conta-se mais de 2,3 milhões de mortes no total. O mais devastador, o sismo de Shensi, na China, em 1556, atingiu cerca de 8 graus na escala Richter e causou a morte de 830 mil pessoas. A China é um território bastante castigado por eventos sísmicos. Entre os dez de maior intensidade, quatro ocorreram naquele país.
Se não existem escalas para o impacto sociocultural, é possível identificar algumas manifestações das influências que um terremoto provoca na sociedade. Com tantas ocorrências e danos causados, os chineses foram os primeiros a tentar prever e explicar os terremotos, construindo um aparelho que detectava os abalos e elaborando o primeiro catálogo sísmico, um conjunto de registros contendo a data, a localização do epicentro e uma estimativa de magnitude do evento. Existem descrições de terremotos ocorridos a três mil anos atrás no território chinês.
Para a sociedade ocidental, o terremoto que teve maior impacto na vida cultural e social, não apenas dos atingidos, foi o de 1755, em Lisboa. A cidade sentiu um forte tremor na manhã de primeiro de novembro daquele ano, dia de todos os santos, apanhando de surpresa toda a população da cidade, eminentemente católica, que ocupava as inúmeras igrejas da cidade. Por cerca de sete minutos, segundo imprecisos relatos posteriores, os prédios de Lisboa estremeceram e boa parte da capital portuguesa ficou arrasada. Com milhares de velas acesas, por ocasião das oferendas da data religiosa, grandes incêndios tomaram conta de toda a cidade. Não bastassem o tremor, estimado em 8,7 graus na escala Richter, e os incêndios, em seguida um tsunami atingiu a cidade baixa e os inúmeros navios ancorados nos portos – Lisboa era um importante entreposto comercial, beneficiado pela sua posição na península ibérica. A documentação existente sobre a tragédia estima entre dez e quinze mil mortes, cerca de 5% da população da época, e a destruição de 75% dos prédios públicos da cidade.
É possível imaginar a destruição que derivou de tantos elementos. Lisboa era a capital do império português e um importante centro comercial para toda a Europa. A cidade estava em franco desenvolvimento à época do terremoto, abastecida com os metais e pedras preciosas das colônias. Aglutinava grandes comerciantes, inclusive estrangeiros, em especial os ingleses, devido ao acordo comercial estabelecido entre os dois impérios.
Tamanha calamidade repercutiu não somente no ânimo da população lisboeta como também no desenvolvimento de teorias sobre as causas do evento. A Europa se encontrava envolvida em novas ideias sobre a sociedade, a natureza, o homem e a religião. Nas análises sobre o terremoto feitas por Voltaire e Rousseau, por exemplo, inaugura-se uma nova forma de pensar catástrofes naturais. Ambos negariam qualquer intervenção divina sobre o fato. Mas enquanto Voltaire criticava a posição da Igreja e da Corte nas ações pós-terremoto e aproveitava para ironizar Leibniz e sua doutrina metafísica do otimismo, Rousseau concentrava suas críticas na falta de organização e planejamento nas transformações realizadas pelo homem na natureza. Kant propôs uma explicação natural, ainda que ingênua, para o evento em seu “Escrito sobre o terremoto de Lisboa”. O evento foi, portanto, fundamental para o início de uma era de grandes transformações sociais pelas quais a Europa iria passar, principalmente pela influência que teve sobre os iluministas e os grandes pensadores da época.
O terremoto de São Francisco, nos Estados Unidos, em 1906, é outro exemplo de evento que repercutiu seriamente na população daquela região. São Francisco era um importante centro econômico do oeste norte-americano. Na madrugada de 18 de abril, um terremoto de 7,8 graus na escala Richter abalou as estruturas dos edifícios da cidade. As fendas no solo romperam as tubulações subterrâneas de gás e eletricidade. A combinação foi explosiva e, logo após o fim dos tremores, que duraram um minuto, a cidade inteira já se encontrava em chamas. Com o sistema de abastecimento de água da cidade danificado pelo sismo, os bombeiros não conseguiam dominar os incêndios, que duraram três dias. A tragédia fez três mil mortos e os danos materiais foram calculados em US$ 500 milhões. O número real de mortos sempre foi contestado e alguns historiadores acreditam ser muito maior.
São Francisco foi erguida exatamente sobre a falha de San Andreas, uma região altamente propensa a terremotos. Segundo Vasconcelos, da USP, há 90% de chance de outro terremoto de igual magnitude atingir a região nos próximos 25 anos. Os habitantes da cidade o chamam de “the Big One”, ou seja, aquele que irá destruir a cidade finalmente. Entretanto, o grande terremoto de 1906 estimulou o desenvolvimento de tecnologias para monitoramento sísmico e o aprimoramento das técnicas de engenharia preventivas contra grandes tremores. Vários edifícios construídos na cidade foram projetados para resistir a abalos sísmicos de até 8 graus na escala Richter.
Apesar da previsão sobre o “Big One”, Vasconcelos lembra que período e tempo de recorrência, em sismologia, são variáveis utilizadas, mas não como certezas. “A estatística fundamenta a sismologia”, ressalta o especialista, ao tratar das possibilidades de ocorrência. As estimativas dos sismólogos ajudam no planejamento de projetos de engenharia. “Ainda é impossível melhorar a previsão. O que tem que ser feito é melhorar a engenharia. Em países sísmicos como o Chile, aconteceu um terremoto, o prédio não tem que cair, não pode cair. A questão é diminuir os prejuízos, porque terremotos sempre vão acontecer”, afirma Vasconcelos.
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