No decorrer de nossa história, a questão fundiária no Brasil
recebeu diferentes formas de atenção. Os diversos focos, os interesses e as
articulações, ou a forma de exploração da terra, são elementos que acabam por
formar modos de pensamento sobre a divisão da terra. O Brasil é o único país
com extensão continental, em todo o mundo, com estrutura
fundiária semelhante à de sua fundação. A
primeira legislação fundiária brasileira tem origem no regime sesmarial na
época colonial, mas traz consequências para o país até hoje. A lei de sesmaria
foi criada em uma situação muito específica para Portugal, e quando implantada
no Brasil, que tinha características completamente diferentes, criou um
problema.
Como explica o
economista Nelson Hideiki Nozoe, da área de história econômica do Brasil, na
Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo (Usp),
as terras eram cedidas e, se fosse comprovado um bom aproveitamento, elas eram
doadas permanentemente. Só que no contexto brasileiro isso era inviável, em
virtude da dificuldade política e estrutural de controlar uma grande e extensão
territorial e, na época, com uma pequena população indígena. “O curioso, é que não
há qualquer lei ou regulamento esclarecendo o modo como o aproveitamento
deveria ser comprovado (quais/quantas culturas, quais benfeitorias etc).
Ademais, a falta de topógrafos e a forma vaga como as cartas descreviam a área
doada dava margem a toda sorte de abuso, principalmente a de se ampliar a
extensão da terra doada.”, explica Nozoe.
Essa questão
do aproveitamento das terras traz à tona um conceito que é muito discutido
atualmente, o da função social da terra. Ou seja, que toda propriedade deveria ser
aproveitada por alguém e não permanecer ociosa. De acordo com Lígia Osório
Silva, coordenadora do Núcleo de Estudos Estratégicos e docente do Instituto de
Economia, ambos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), esse conceito é
criado a partir da Constituição de 1946. Mas ela explica que “a noção de função social da terra coloca um limite
ao direito de uso e abuso da
propriedade da terra por parte dos seus donos e introduz a obrigatoriedade
(dentro dos limites estabelecidos pela lei) de tornar a terra produtiva, dado o
seu caráter social”.
No entanto,
esse modelo de política agrária, de aproveitamento das terras, teve pouca
influência na estrutura altamente concentrada da propriedade no Brasil. Mas,
apesar das poucas mudanças efetivas, sempre houve movimentos por uma melhor
distribuição de terras no país. Eles se mostraram fortes na década de 1960, com
as reformas de base do então presidente João Goulart (que pretendia
desapropriar terras próximas a ferrovias, estradas e açudes da União), foram
reprimidos pelos militares, após o golpe de 1964, e ressurgiram a partir da
década de 1980 com as ocupações de fazendas pelos sem-terra.
Outro
presidente que trabalhou pela distribuição de terras no Brasil foi Castello
Branco, que criou o Estatuto da Terra, até hoje considerado um bom instrumento
jurídico para se fazer uma reforma agrária. No entanto, esse estatuto tratava
apenas em parte da reforma agrária, sendo que foi colocada em prática apenas a
parte que focalizava a política agrícola. Como relembra Lígia Osório, apesar de
o estatuto prever a reforma agrária e a penalização dos latifúndios
improdutivos, poucos resultados foram efetivamente alcançados. “Por exemplo, a
utilização do imposto territorial como forma de desencorajar a manutenção de
grandes latifúndios improdutivos não surtiu o efeito desejado, pelo fato dos
proprietários continuamente se recusarem a pagá-lo (sendo anistiados
recorrentemente)”, diz.
Mais
recentemente, no governo de José Sarney, havia um plano para assentar 1,4
milhão de famílias até o final de seu mandato, em 1990. Mas esse plano, não foi
cumprido, e apenas 90 mil famílias foram assentadas. Fernando Henrique Cardoso
foi o primeiro presidente a fazer uma grande reforma, assentou quase 2 milhões
de brasileiros entre 1995 e 2002, dividindo uma área de 18 milhões de hectares,
maior que o Uruguai. Ele gastou 25 bilhões de reais para a aquisição de terras
e a instalação de assentamentos, mas a reforma agrária entrava no plano de
governo sem destaque, e só entrou na agenda por causa da pressão do Movimento
dos Trabalhadores Sem-Terra (MST). O presidente Luis Inácio Lula da Silva foi o
primeiro a ser eleito com o apoio de setores do MST, mas os conflitos
recomeçaram quando Lula demorou a cumprir suas promessas.
A política
agrária atual prevê o assentamento de trabalhadores em módulos rurais e a alta
concentração de terras nas mãos de poucos no país está longe de ser combatida.
Lígia Osório explica que ainda existem no Brasil muitas terras devolutas mas
que, devido aos interesses de indivíduos e empresas, não é possível proceder a
reforma. “Elas são objeto da cobiça de particulares (indivíduos e empresas) e o
governo não tem tido muito sucesso em coibir a grilagem, a posse de latifúndios gigantescos e a
situação de extrema violência que essa situação provoca no campo. Violência
que, hoje em dia, acontece sobretudo nas regiões Norte e Centro-Oeste”, diz.
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