O Rio de
Janeiro se destaca pela produção e circulação de conhecimento
desde os tempos coloniais. É uma cidade de história e cultura
efervescentes, cantadas pelas rodas de samba e de choro, que lá
nasceram, e contada por museus e centros culturais que estão entre
os mais antigos do Brasil. Seu circuito histórico, arquitetônico e
cultural continua respondendo à demanda de conhecimento por parte
daqueles que buscam ou produzem, de alguma forma, saberes diferentes.
Agora, a
exemplo de grandes cidades em outras partes do mundo, o Rio parte
para a revitalização do seu porto – que completou 100 anos em
2010 – e da região onde ele está localizado, compreendendo uma
área de cinco milhões de metros quadrados, que inclui três bairros
e partes de outros três, incluindo o Centro da cidade. É lá que
vivem 22 mil pessoas com um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
na ordem de 0,775, um dos menores da capital carioca. Entre as obras
de revitalização – cujo conjunto ganha o nome de Operação
Urbana Porto Maravilha –, estão previstas iniciativas que prometem
incrementar as áreas cultural e turística, além de transformações
da infraestrutura urbana que prometem a valorização imobiliária da
área.
Uma das
iniciativas nas áreas cultural e turística é o Museu do Amanhã,
no píer Mauá, na Baía de Guanabara. Esse mesmo lugar já foi
cotado para sediar uma filial do famoso Museu Guggeheim. O Museu do
Amanhã será projetado pelo arquiteto espanhol Santiago Calatrava,
que assina o Complexo Olímpico de Atenas e o Museu de Arte de
Milwaukee, nos Estados Unidos. O objetivo do projeto, de acordo com o
site do Porto Maravilha, é “discutir
questões ligadas à sustentabilidade da civilização”. Um segundo
espaço esperado é o Museu de Arte do Rio (MAR), que será criado em
dois prédios, o Palacete Dom João VI, imóvel de 1912, cujas obras
de revitalização devem tirá-lo do atual estado de abandono, e um
prédio de 1940, que já foi sede da Polícia Civil.
Os dois
imóveis serão interligados por duas passarelas e o mais recente
abrigará a Pinacoteca Escola do Olhar, descrita pelo prefeito
Eduardo Paes como “o coração cultural do projeto de revitalização
do Porto”. Esse projeto pretende aliar arte e educação para
estimular crianças e jovens a descobrir o prazer da criatividade.
Serão desenvolvidas atividades como exposições-diálogo da arte
brasileira com a estrangeira e exposições sobre a paisagem e o
cotidiano carioca e sobre a interação com o espaço urbano. Os dois
novos museus, cujos projetos serão executados pela Fundação
Roberto Marinho, contratada pela Prefeitura para essa finalidade,
deverão compor um circuito formado ainda pelo Museu de Arte Moderna
(MAM), Museu de Belas Artes e Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).
Assim
como em Barcelona, na Espanha, que tem um aquário localizado em sua
região portuária, um dos mais ambiciosos projeto do Porto Maravilha
é o AquaRio, anunciado como o maior da América Latina e que será
instalado em uma área de 25 mil metros quadrados. O aquário terá 5
milhões de litros de água e reunirá 12 mil animais de 400 espécies
do ecossistema marinho. A interação com o público é proposta com
mergulho junto a peixes e arraias e também com seres virtuais, que
estão extintos ou não podem ser tocados.
“Essa
renovação foi vista como uma oportunidade para a reconversão do
patrimônio industrial-portuário: os armazéns, píers e edifícios
históricos são reciclados para novos usos”, diz a pesquisadora
Verena Andreatta, organizadora do recém-lançado livro Porto
Maravilha + 6 casos de sucesso de revitalização portuária, que
analisa a transformação ocorrida nos portos de Baltimore,
Barcelona, Buenos Aires, Cidade do Cabo, Hong Kong e Roterdã. De
acordo com ela, a renovação da utilização desses espaços faz
parte de uma ação estratégica para o planejamento da cidade. Esse,
segundo Andreatta, é um dos aspectos comuns entre o Porto Maravilha
e os casos analisados no livro.
Para a
pesquisadora, assim como ocorreu em várias cidades que passaram por
processos de revitalização portuária, a aposta no Rio se dá pela
inserção desses espaços renovados em um ambiente de
internacionalização e globalização, em que se prima pela conexão
baseada na tecnologia da informação. “São muitos os desafios do
Porto Maravilha e a aposta por um ambiente de qualidade em um mundo
em que há uma profusão de meios de comunicação e difusão
certamente conduzirá à aptidão desse espaço ao abrigo de uma
cidade de conhecimentos”.
Uma
aposta mercantil?
Gerardo
Silva, professor da área de planejamento e gestão do território da
Universidade Federal do ABC (UFABC), faz algumas observações antes
de analisar o Porto Maravilha como uma iniciativa que aposta na
revitalização da área com vistas também à circulação do
conhecimento. “Fala-se de uma sociedade do conhecimento que vem
substituir a sociedade industrial. Fala-se também de uma ‘economia
do conhecimento’ e de um ‘capitalismo cognitivo’, de maneira
geral definido como um novo regime de valorização do trabalho
vinculado às novas tecnologias de informação e comunicação”,
observa. “No trabalho em rede, o conhecimento é produzido no mesmo
momento em que circula, de maneira colaborativa, tornando-se a base
da inovação tecnológica, mas também, e principalmente, a própria
matriz da interação social”.
Para
Silva, isso significa que a produção e circulação de
conhecimentos somente podem prosperar em contexto social de
valorização cultural aberto e democrático. Dessa forma, a produção
de conhecimento – em sua opinião, inseparável da produção da
cultura – já não pode ser circunscrita aos tradicionais limites
institucionais das universidades e museus, mesmo que estes sejam
ainda importantes. “Sabemos que o carro-chefe do projeto Porto
Maravilha é o Museu do Amanhã, da Fundação Roberto Marinho, a ser
construído no cais Mauá. Sem dúvida, esse empreendimento terá um
grande impacto no circuito cultural carioca do centro da cidade.
Porém, não fica muito claro como se integrará nele, nem como será
capaz de valorizar a produção cultural em sentido territorial”,
comenta.
Para o
professor da UFABC, por enquanto, o debate adota os rótulos
importados de “indústria criativa” ou “indústria cultural”,
que já vêm carregados de uma fortíssima tendência a conceber a
produção de cultura em termos estritamente mercantis (ou de
sustentabilidade, o que para ele, dá no mesmo). No artigo
“Rio: dois projetos para uma cidade do conhecimento”, Silva, em
parceria com a pesquisadora Barbara Szaniecki, co-editora das
revistas Lugal Comum, Global/Brasil e Multitudes,
aborda o impasse na produção cultural no Rio a partir do projeto
Porto Maravilha. “Valorizando a experiência dos editais de pontos
de cultura e pontos de mídia, uma importante inovação do ministro
Gilberto Gil durante o governo Lula, questionamos a capacidade dos
museus de mobilizar os saberes difusos e as múltiplas expressões
artísticas que fecundam os territórios do centro da cidade. E o que
vale para a produção da cultura, no meu entendimento, vale também
para a produção do conhecimento”, avalia.
Silva
afirma que a recuperação urbanística do cais – respaldada
inclusive pelos eventos previstos na cidade nos próximos anos, em
particular as Olimpíadas de 2016 – poderá contribuir para a
revalorização produtiva do centro da cidade, criando novos
atrativos comerciais e turísticos aos já existentes, tal como
aconteceu, por exemplo, em Barcelona e Buenos Aires. “Entretanto,
os problemas que se colocam para o Porto Maravilha são vários e
complexos e vão além das questões técnicas. Por um lado, temos as
questões relativas à racionalidade (tecnocrática, estratégica,
participativa, comunicativa) que comanda o processo de planejamento”,
diz. “Nesse sentido, o que se observa é um procedimento do tipo
‘pacote fechado’, em que as principais decisões já foram
tomadas, restando apenas comunicá-las e implantá-las. Portanto,
embora a recuperação urbanística do Porto tenha o potencial de se
transformar um poderoso fator de revalorização produtiva do Centro,
o que significaria reconhecer o valor da sua diversidade social e
cultural, da maneira como está sendo levada à prática, o projeto
não conseguirá ir além dos estreitos limites da valorização
imobiliária”, opina.
Cifras,
datas e grandezas prometidas
A
Operação Urbana Porto Maravilha prevê investimentos de quase R$ 8
bilhões na construção ou melhoria de infraestrutura urbana e
incremento turístico da região, somados à oferta de serviços,
cultura e lazer. Estão previstos, ainda, investimentos em reformas
do patrimônio cultural da região e a urbanização da favela do
Morro da Providência, a primeira do Brasil. As obras do projeto
começaram em junho de 2009 e devem se estender até 2015. Até lá,
também devem estar concluídos o Museu de Arte do Rio, do Museu do
Amanhã, com sua Pinacoteca Escola do Olhar, e o AquaRio. “Um dos
principais objetivos do projeto é promover o aumento da população
da região, que hoje é de cerca de 22 mil habitantes para uma área
de 5 milhões de metros quadrados. A expectativa é que, em 10 anos,
esse número cresça para 100 mil moradores. O aumento da população
está relacionado com uma visão de espaço urbano onde as pessoas
possam morar, trabalhar e se divertir”, explica Alberto Gomes
Silva, assessor especial da presidência da Companhia de
Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (CDURP),
criada pela Prefeitura do Rio de Janeiro, por intermédio da Lei
Complementar 102/2009, para coordenar o processo de implantação do
Projeto Porto Maravilha.
Ainda
como parte dessa visão, o assessor especial explica que a pretensão
é que a região possa abrigar diferentes classes sociais, assim como
diferentes atividades comerciais e de entretenimento. “A Operação
Urbana Porto Maravilha prevê investimentos para a valorização do
patrimônio cultural da região, bem como investimentos em ações de
promoção da cidadania e de formação profissional. Essa
valorização representa a possibilidade não só de recuperar, mas
também de envolver a população da região no desenvolvimento de
formas de exploração econômica, de modo sustentável desse
patrimônio”, sinaliza.
Tudo isso
em uma área que sofre com um dos menores Índices de Desenvolvimento
Humano (IDH) do Rio de Janeiro, na ordem de 0,775. Nesse sentido, de
acordo com o assessor especial, um conjunto de medidas, que concilia
educação, formação profissional, assistência social e à saúde,
deverá impactar positivamente esse índice. Uma delas é o projeto
que contempla um programa de desenvolvimento social para a região,
intitulado Porto Cidadão, prevendo parcerias com o setor privado
para o apoio às iniciativas de organizações civis da região
voltadas principalmente à educação e à formação profissional.
“Como a Operação pretende atrair novos empreendimentos para a
região, muitos postos de trabalho serão criados e é preciso
preparar a população local, sobretudo os jovens, para que possam
aproveitar as oportunidades de emprego que serão criadas”, diz
Alberto. De acordo com ele, estima-se que serão criados 10 mil novos
postos de trabalho.
Essa
preparação para o mercado de trabalho a que ele se refere também
envolve um Centro de Indústria Criativa, um Centro de Tecnologia,
que está sendo instalado pela Prefeitura, e a Escola de Restauro e
uma Escola de Artes Culinárias, em negociação com o setor privado.
O governo estadual pretende ainda criar uma escola de turismo e a
Escola de Magistratura do Rio de Janeiro, além da já citada Escola
do Olhar.
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