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Megaoperação promete revitalizar o porto do Rio e transformá-lo em polo cultural.
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Reportagem
Megaoperação promete revitalizar o porto do Rio e transformá-lo em polo cultural.
Por Carolina Ramos
10/02/2011

O Rio de Janeiro se destaca pela produção e circulação de conhecimento desde os tempos coloniais. É uma cidade de história e cultura efervescentes, cantadas pelas rodas de samba e de choro, que lá nasceram, e contada por museus e centros culturais que estão entre os mais antigos do Brasil. Seu circuito histórico, arquitetônico e cultural continua respondendo à demanda de conhecimento por parte daqueles que buscam ou produzem, de alguma forma, saberes diferentes.

Agora, a exemplo de grandes cidades em outras partes do mundo, o Rio parte para a revitalização do seu porto – que completou 100 anos em 2010 – e da região onde ele está localizado, compreendendo uma área de cinco milhões de metros quadrados, que inclui três bairros e partes de outros três, incluindo o Centro da cidade. É lá que vivem 22 mil pessoas com um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) na ordem de 0,775, um dos menores da capital carioca. Entre as obras de revitalização – cujo conjunto ganha o nome de Operação Urbana Porto Maravilha –, estão previstas iniciativas que prometem incrementar as áreas cultural e turística, além de transformações da infraestrutura urbana que prometem a valorização imobiliária da área.

Uma das iniciativas nas áreas cultural e turística é o Museu do Amanhã, no píer Mauá, na Baía de Guanabara. Esse mesmo lugar já foi cotado para sediar uma filial do famoso Museu Guggeheim. O Museu do Amanhã será projetado pelo arquiteto espanhol Santiago Calatrava, que assina o Complexo Olímpico de Atenas e o Museu de Arte de Milwaukee, nos Estados Unidos. O objetivo do projeto, de acordo com o site do Porto Maravilha, é “discutir questões ligadas à sustentabilidade da civilização”. Um segundo espaço esperado é o Museu de Arte do Rio (MAR), que será criado em dois prédios, o Palacete Dom João VI, imóvel de 1912, cujas obras de revitalização devem tirá-lo do atual estado de abandono, e um prédio de 1940, que já foi sede da Polícia Civil.

Os dois imóveis serão interligados por duas passarelas e o mais recente abrigará a Pinacoteca Escola do Olhar, descrita pelo prefeito Eduardo Paes como “o coração cultural do projeto de revitalização do Porto”. Esse projeto pretende aliar arte e educação para estimular crianças e jovens a descobrir o prazer da criatividade. Serão desenvolvidas atividades como exposições-diálogo da arte brasileira com a estrangeira e exposições sobre a paisagem e o cotidiano carioca e sobre a interação com o espaço urbano. Os dois novos museus, cujos projetos serão executados pela Fundação Roberto Marinho, contratada pela Prefeitura para essa finalidade, deverão compor um circuito formado ainda pelo Museu de Arte Moderna (MAM), Museu de Belas Artes e Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).

Assim como em Barcelona, na Espanha, que tem um aquário localizado em sua região portuária, um dos mais ambiciosos projeto do Porto Maravilha é o AquaRio, anunciado como o maior da América Latina e que será instalado em uma área de 25 mil metros quadrados. O aquário terá 5 milhões de litros de água e reunirá 12 mil animais de 400 espécies do ecossistema marinho. A interação com o público é proposta com mergulho junto a peixes e arraias e também com seres virtuais, que estão extintos ou não podem ser tocados.

“Essa renovação foi vista como uma oportunidade para a reconversão do patrimônio industrial-portuário: os armazéns, píers e edifícios históricos são reciclados para novos usos”, diz a pesquisadora Verena Andreatta, organizadora do recém-lançado livro Porto Maravilha + 6 casos de sucesso de revitalização portuária, que analisa a transformação ocorrida nos portos de Baltimore, Barcelona, Buenos Aires, Cidade do Cabo, Hong Kong e Roterdã. De acordo com ela, a renovação da utilização desses espaços faz parte de uma ação estratégica para o planejamento da cidade. Esse, segundo Andreatta, é um dos aspectos comuns entre o Porto Maravilha e os casos analisados no livro.

Para a pesquisadora, assim como ocorreu em várias cidades que passaram por processos de revitalização portuária, a aposta no Rio se dá pela inserção desses espaços renovados em um ambiente de internacionalização e globalização, em que se prima pela conexão baseada na tecnologia da informação. “São muitos os desafios do Porto Maravilha e a aposta por um ambiente de qualidade em um mundo em que há uma profusão de meios de comunicação e difusão certamente conduzirá à aptidão desse espaço ao abrigo de uma cidade de conhecimentos”.

Uma aposta mercantil?

Gerardo Silva, professor da área de planejamento e gestão do território da Universidade Federal do ABC (UFABC), faz algumas observações antes de analisar o Porto Maravilha como uma iniciativa que aposta na revitalização da área com vistas também à circulação do conhecimento. “Fala-se de uma sociedade do conhecimento que vem substituir a sociedade industrial. Fala-se também de uma ‘economia do conhecimento’ e de um ‘capitalismo cognitivo’, de maneira geral definido como um novo regime de valorização do trabalho vinculado às novas tecnologias de informação e comunicação”, observa. “No trabalho em rede, o conhecimento é produzido no mesmo momento em que circula, de maneira colaborativa, tornando-se a base da inovação tecnológica, mas também, e principalmente, a própria matriz da interação social”.

Para Silva, isso significa que a produção e circulação de conhecimentos somente podem prosperar em contexto social de valorização cultural aberto e democrático. Dessa forma, a produção de conhecimento – em sua opinião, inseparável da produção da cultura – já não pode ser circunscrita aos tradicionais limites institucionais das universidades e museus, mesmo que estes sejam ainda importantes. “Sabemos que o carro-chefe do projeto Porto Maravilha é o Museu do Amanhã, da Fundação Roberto Marinho, a ser construído no cais Mauá. Sem dúvida, esse empreendimento terá um grande impacto no circuito cultural carioca do centro da cidade. Porém, não fica muito claro como se integrará nele, nem como será capaz de valorizar a produção cultural em sentido territorial”, comenta.

Para o professor da UFABC, por enquanto, o debate adota os rótulos importados de “indústria criativa” ou “indústria cultural”, que já vêm carregados de uma fortíssima tendência a conceber a produção de cultura em termos estritamente mercantis (ou de sustentabilidade, o que para ele, dá no mesmo). No artigo “Rio: dois projetos para uma cidade do conhecimento”, Silva, em parceria com a pesquisadora Barbara Szaniecki, co-editora das revistas Lugal Comum, Global/Brasil e Multitudes, aborda o impasse na produção cultural no Rio a partir do projeto Porto Maravilha. “Valorizando a experiência dos editais de pontos de cultura e pontos de mídia, uma importante inovação do ministro Gilberto Gil durante o governo Lula, questionamos a capacidade dos museus de mobilizar os saberes difusos e as múltiplas expressões artísticas que fecundam os territórios do centro da cidade. E o que vale para a produção da cultura, no meu entendimento, vale também para a produção do conhecimento”, avalia.

Silva afirma que a recuperação urbanística do cais – respaldada inclusive pelos eventos previstos na cidade nos próximos anos, em particular as Olimpíadas de 2016 – poderá contribuir para a revalorização produtiva do centro da cidade, criando novos atrativos comerciais e turísticos aos já existentes, tal como aconteceu, por exemplo, em Barcelona e Buenos Aires. “Entretanto, os problemas que se colocam para o Porto Maravilha são vários e complexos e vão além das questões técnicas. Por um lado, temos as questões relativas à racionalidade (tecnocrática, estratégica, participativa, comunicativa) que comanda o processo de planejamento”, diz. “Nesse sentido, o que se observa é um procedimento do tipo ‘pacote fechado’, em que as principais decisões já foram tomadas, restando apenas comunicá-las e implantá-las. Portanto, embora a recuperação urbanística do Porto tenha o potencial de se transformar um poderoso fator de revalorização produtiva do Centro, o que significaria reconhecer o valor da sua diversidade social e cultural, da maneira como está sendo levada à prática, o projeto não conseguirá ir além dos estreitos limites da valorização imobiliária”, opina.

Cifras, datas e grandezas prometidas

A Operação Urbana Porto Maravilha prevê investimentos de quase R$ 8 bilhões na construção ou melhoria de infraestrutura urbana e incremento turístico da região, somados à oferta de serviços, cultura e lazer. Estão previstos, ainda, investimentos em reformas do patrimônio cultural da região e a urbanização da favela do Morro da Providência, a primeira do Brasil. As obras do projeto começaram em junho de 2009 e devem se estender até 2015. Até lá, também devem estar concluídos o Museu de Arte do Rio, do Museu do Amanhã, com sua Pinacoteca Escola do Olhar, e o AquaRio.

“Um dos principais objetivos do projeto é promover o aumento da população da região, que hoje é de cerca de 22 mil habitantes para uma área de 5 milhões de metros quadrados. A expectativa é que, em 10 anos, esse número cresça para 100 mil moradores. O aumento da população está relacionado com uma visão de espaço urbano onde as pessoas possam morar, trabalhar e se divertir”, explica Alberto Gomes Silva, assessor especial da presidência da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (CDURP), criada pela Prefeitura do Rio de Janeiro, por intermédio da Lei Complementar 102/2009, para coordenar o processo de implantação do Projeto Porto Maravilha.

Ainda como parte dessa visão, o assessor especial explica que a pretensão é que a região possa abrigar diferentes classes sociais, assim como diferentes atividades comerciais e de entretenimento. “A Operação Urbana Porto Maravilha prevê investimentos para a valorização do patrimônio cultural da região, bem como investimentos em ações de promoção da cidadania e de formação profissional. Essa valorização representa a possibilidade não só de recuperar, mas também de envolver a população da região no desenvolvimento de formas de exploração econômica, de modo sustentável desse patrimônio”, sinaliza.

Tudo isso em uma área que sofre com um dos menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do Rio de Janeiro, na ordem de 0,775. Nesse sentido, de acordo com o assessor especial, um conjunto de medidas, que concilia educação, formação profissional, assistência social e à saúde, deverá impactar positivamente esse índice. Uma delas é o projeto que contempla um programa de desenvolvimento social para a região, intitulado Porto Cidadão, prevendo parcerias com o setor privado para o apoio às iniciativas de organizações civis da região voltadas principalmente à educação e à formação profissional. “Como a Operação pretende atrair novos empreendimentos para a região, muitos postos de trabalho serão criados e é preciso preparar a população local, sobretudo os jovens, para que possam aproveitar as oportunidades de emprego que serão criadas”, diz Alberto. De acordo com ele, estima-se que serão criados 10 mil novos postos de trabalho.

Essa preparação para o mercado de trabalho a que ele se refere também envolve um Centro de Indústria Criativa, um Centro de Tecnologia, que está sendo instalado pela Prefeitura, e a Escola de Restauro e uma Escola de Artes Culinárias, em negociação com o setor privado. O governo estadual pretende ainda criar uma escola de turismo e a Escola de Magistratura do Rio de Janeiro, além da já citada Escola do Olhar.