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Artigo
A obesidade e a indústria do emagrecimento
Por Tadeu João Ribeiro Baptista
10/02/2013

A obesidade tem sido considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) um problema de saúde pública mundial. Alguns estudos afirmam que esse problema tem se agravado, o que tem gerado custos significativos para o sistema de saúde pública no Brasil e no mundo. Assim, essa tem sido uma preocupação constante da comunidade científica, bem como dos profissionais da área de saúde. Uma evidência significativa disso são os estudos sobre prevalência e incidência da obesidade em diferentes regiões do Brasil e do mundo.

A população composta por pessoas obesas tempassado por uma série de dificuldades, principalmente quando se considera a questão das relações sociais, como no processo deinteração com as outras pessoas, compreendendo a forma como a sociedade entende o que seja o corpo belo. Ao se ler o texto de ErvinGoffman, O estigma, publicado no Brasil em 1988, é possível perceber o processo de estigmatização dos obesos, pois, o seu corpo apresenta características contrárias aos padrões sociais de corpo apresentados pela sociedade e disseminados pela mídia.Mais recentemente, em texto de Goellner (2009), esse corpo apresenta como características a juventude, a força, a brancura, a aparência de classe média e, acima de tudo: a magreza.

Se já não bastasse a possibilidade de as pessoas obesas sofrerem com uma série de problemas, como o risco de comorbidades como a hipertensão, a diabetes, a dislipidemia, entre outras, além da falta de consideração social, existe uma pressão significativa para que emagreçam a qualquer custo. De acordo com o estudo de Fischler (1995), o obeso pode ser visto como benigno ou maligno, sendo este último associado com a preguiça, a gula e até mesmo a certa desonestidade. De acordo com o estudo realizado por Almeida et al (2006), a indústria do emagrecimento é, na realidade, um dos desdobramentos da indústria cultural, assim definida por Baptista (2001, p. 74):

A “indústria cultural” pode ser entendida como um instrumento de pressão da sociedade sobre o indivíduo através da utilização de elementos culturais que se tornam acessíveis pelo cinema, pela televisão e por outros meios de comunicação de massa. Esses são utilizados como formas de cooptarem os indivíduos para uma atuação de acordo com os interesses e as necessidades do modo de produção[...]. (Grifo do autor)

De acordo com o estudo de Baptista (2001), a indústria cultural é um mecanismo significativo para a disseminação do ideário capitalista, a qual demonstra, de diferentes formas, o modelo de corpo referencial para esse modelo social. Assim sendo, poderíamos dividir a indústria cultural em vários setores, entre os quais, no tocante às questões do corpo, poderiam ser apresentadas ao menos duas dessas divisões. De um lado, a indústria da beleza, a qual não só tem como referência o modelo de corpo já comentado, como anunciaas roupas da moda, os cremes antirrugas, as tinturas para o cabelo, entre outras, adequadas para cada sexo, classe social e faixa etária, além do uso de exercícios e dietas responsáveis por deixar as pessoas com a aparência correta.

De outro lado, temos a indústria do emagrecimento, a qual pode ser entendida como os mecanismos desenvolvidos na indústria cultural responsáveis por disseminar a ideia de um corpo magro, ou de estratégias que facilitem o processo de perda de peso. Essa “ramificação” da indústria cultural não tem como referência apenas a apresentação do modelo de corpo magro, mas, acima de tudo, pretende demonstrar como ser mais magro e parecer mais magro. Não basta apenas ter a medida certa do corpo, mas, também, parecer ter o modelo de corpo certo.

Segundo Mendonça (2005, p. 25), “é por esses motivos que a população de pessoas obesas representa o alvo principal para os meios de comunicação em massa, que promovem a imagem da esbelteza e de como a gordura é indesejável. [...] A sociedade frequentemente classifica os indivíduos obesos como sem controle e indulgentes ao extremo. A obesidade é vista como uma doença autoinflingida. [...]Nesse sentido, podem-se considerar ao menos dois aspectos. O primeiro é o que Quint eMatiello Júnior (1999) vão chamar de pedagogias do medo e da culpa e, acima de tudo, gerando o que eles denominam de culpabilização da vítima, já que essa patologia, a obesidade, não se dá apenas por preguiça. [...]No entanto, pode representar mais um problema estético e moral do que de saúde física. O fato de ser obeso pode provocar uma queda no status social e na aceitação do indivíduo, prejudicando-o no aproveitamento escolar, na contratação de empregos”, acrescenta Mendonça, citando Pollock e Wilmore. Almeida et al (2006, p. 276) observam que “são provavelmente esses aspectos levantados que atribuem à obesidade, de uma forma geral, o atributo de feia, [...] pela diferença que apresentam em relação ao padrão estético vigente”.

Assim, a indústria do emagrecimento tem algumas estratégias para convencer as pessoas sobre a necessidade de reduzir o seu peso. Uma delas e, talvez, uma das mais eficientes é apresentar a obesidade como uma doença autoinfligida, haja vista a mesma se configurar como o uso do excesso de comida e a falta de esforço, principalmente, os físicos, por parte da própria pessoa.

Como forma de atender a essas demandas sociais, os obesos utilizam uma série de procedimentos com o objetivo de emagrecer, sendo todos eles sugeridos pela indústria do emagrecimento, como forma de atender à necessidade das pessoas e o seu bem-estar. Assim, existe uma adesão dessas pessoas a atividades como dietas usando produtos light e diet, prática de exercícios em diferentes locais, entre eles as academias de ginástica e, em situações extremas, o uso de cirurgias bariátricas.

As dietas são utilizadas por pessoas com diferentes perfis. Segundo o estudo de Hall e Lima Filho (2006), entre os consumidores de produtos light e diet de quatro cidades brasileiras, 31,5% possuem renda familiar entre dois e cinco salários mínimos, 40,2% têm entre 21 e 35 anos, 30% possuem ensino médio completo, e 51,4% são mulheres. Ainda de acordo com esse estudo, 10,1% de consumidores em Porto Alegre, Goiânia, São Paulo e Recife afirmam consumir produtos diet e light porque não engordam (Hall e Lima Filho, 2006, p. 9).

Desse modo, é possível identificar que a indústria do emagrecimento tem conseguido um público cativo, apresentando um aumento expressivo nesse contexto, pois, de acordo com Furlan (2011, p. 1), “uma pesquisa da consultoria Euromonitor indica que a venda de produtos saudáveis, como alimentos e bebidas diet, light, sem glúten, sem lactose, naturais e orgânicos, cresceu 82% de 2004 a 2009, atingindo patamar de R$ 15 bilhões ao ano. Segundo o estudo, a perspectiva de crescimento até 2014 é de 40%”.

Além do aumento da ingestão de alimentos considerados saudáveis, existe, associado a isso, a prática de atividades físicas. De acordo com um estudo coordenado por Lamartine Pereira da Costa (citado porConfef, 2004, p. 19), “cerca de 3,4 milhões de brasileirospraticam atividades físicas em 20 milacademias, um recorde mundial emquantidade de estabelecimentos”. Dados de outro estudo (Gonçalves e Alchieri, 2010, p. 130) revelam que “no que se refere ao índice de massa corporal, não foram encontrados resultados estatisticamente significativos, no entanto, ressalta-se a importância de estudos futuros que verifiquem a relação da motivação com a prática de atividade e a obesidade, por exemplo, tendo em vista que em alguns estudos (por exemplo, Kilpatrick e colaboradores, 2005), a variável de controle do peso tem sido identificada como relevante para se compreender a motivação à prática de atividade física. Ademais, conhecendo-se as principais motivações das pessoas com sobrepeso ou obesas, seria de extrema relevância para viabilizar estratégias de intervenção que visem diminuir o sedentarismo entre essas pessoas”.

Assim, é importante identificar que a prática de atividade física é vista não só pelas autoridades de saúde, como pela própria mídia, como um comportamento importante no processo de emagrecimento. Percebe-se, inclusive, o estímulo apresentado pelos meios de comunicação de massa em relação à prática de atividades físicas para as pessoas obesas.

Além desses processos muito utilizados para emagrecer, outros tratamentos e procedimentos são indicados, entre eles, os processos psicoterápicos, o uso de roupas específicas, como espartilhos, entre outras. Mas o limite do processo de emagrecimento, sobretudo para aquelas pessoas que apresentam índice de massa corporal (IMC) igual ou maior que 40 kg/m 2, quando os outros procedimentos não funcionam, é a cirurgia bariátrica. De acordo com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabologia (SBCBM), em 2003 foram realizadas 16.000 cirurgias no país, enquanto, em 2010, este número alcançou 60.000 operações, o que corresponde a um aumento de 375% em sete anos.

Enfim, todos esses procedimentos são, na realidade, estimulados por uma sociedade que tem como objetivo central o lucro. Mas não se pode esquecer o fato de a obesidade ser, por sua vez, estimulada pelo consumo de comidas ricas em gorduras, com porções cada vez maiores e com alto teor calórico. Desse modo, compreendemos que a obesidade e o estímulo gerado pela indústria do emagrecimento se apresentam como contraditórios, pois, a atual epidemia de obesidade tem como uma de suas determinações os aspectos sociais, como o excesso de calorias nos alimentos, por exemplo. O que é preocupante nesse contexto é que as mensagens disseminadas acabam gerando outros problemas psicossociais, como a bulimia, a anorexia, a ortorexia e a vigorexia. Porém isso é assunto para outro momento.

Tadeu João Ribeiro Baptista é professor adjunto da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás e um dos líderes do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Corpo, Estética, Exercício e Saúde, da Universidade Estadual de Goiás.

Referências bibliográficas

Almeida, Ana C. N de et al. “Corpo, estética e obesidade: reflexões baseadas no paradigma da indústria cultural”. Estudos. Goiânia: Ed. da UCG, v. 33, n. 9/10, pp. 789-812, set./out. 2006.
Baptista, T. J. R. “Procurando o lado escuro da Lua: implicações sociais da prática de atividades corporais realizadas por adultos em academias de ginástica de Goiânia”. Dissertação (mestrado em educação). UFG, Goiânia, 2001.
Confef – Conselho Federal de Educação Física. “Consórcio apresenta o maiorpanorama sobre o setor de atividade física no país”. Revista E.F. n. 11, p. 19-21, mar. 2004. Disponível em: http://www.confef.org.br/extra/revistaef/arquivos/2004/N11_MAR%C3%87O/08_LANCAMENTO_DO_ATLAS.PDF. Acesso em: -3/02/2013.
Fischler, C. “Obeso benigno, obeso maligno”. In: Sant'anna, D. B. (Org.). Políticas do corpo. São Paulo: Estação Liberdade, 1995, pp. 121-139.
Furlan, Paula. “Mercado não está preparado para suprir consumidores de diet e light”. Consumidor moderno. 29/09/2011. Disponível em: http://consumidormoderno.uol.com.br/na-pele-do-consumidor/mercado-n-o-esta-preparado-para-suprir-consumidores-de-diet-e-light. Acesso em: 03/02/2013.
Goellner, S. V. “A Produção de corpos hígidos: atividade física, saúde e nacionalismo no Brasil no início do século 20”. In: Grando, B. S. (Org.). Corpo, educação e cultura: práticas sociais e maneiras de ser. Ijuí: Ed. da Unijuí, p. 75-92.
Goffman, E. O estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1988.
Gonçalves, Marina Pereira; Alchieri, João Carlos. “Motivação à prática de atividades físicas: um estudo com praticantes não-atletas”. Psico-USF.v. 15, n. 1, p. 125-134, jan./abr. 2010.
Hall, Rosemar José; Lima Filho, Dario de Oliveira. “Perfil do consumidor de produtos diet e light no Brasil”. Anais do XIII SIMPEP - Bauru, SP, Brasil, 06 a 08 de novembro de 2006. Disponível em: http://www.isa.utl.pt/daiat/INT-EngAlimentar/trabalhos%20alunos/trabalho%205%20tema%20proposto/temas%20e%20bibliografia/produtos%20light/229.pdf. Acesso em: 03/02/2012.
Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabologia – SBCBM. Número de cirurgias bariátricas realizadas no Brasil. Disponível em: http://www.sbcb.org.br/imprensa.asp?menu=3. Acesso em: 03/02/2013.