A Lei Federal n.
11.114, de maio de 2005, modifica a redação dos artigos
6º, 30º, 32º e 87º da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (LDB) 9394/96, tornando obrigatória a
matrícula das crianças a partir dos seis anos de idade no
ensino fundamental. Desde então, presenciam-se debates entre
educadores e a movimentação de redes públicas de
ensino, motivados por esse dispositivo legal que precisa ser analisado
no contexto das políticas educacionais brasileiras das
últimas décadas. Neste texto, pretendo apontar algumas
questões que permeiam o debate sobre a referida Lei.
Inicialmente,
parece ser necessário retomar alguns momentos significativos na
construção dessa nova estruturação do
ensino fundamental. A LDB 5692/71, que vigorou até a
promulgação do texto atual - LDB 9294/96 –, definia
em seu artigo 19 a obrigatoriedade de ingresso no ensino de 1º
grau (hoje, ensino fundamental) das crianças com idade
mínima de sete anos. No entanto, é preciso destacar que,
no mesmo artigo, abria-se a possibilidade para que cada sistema de
ensino dispusesse sobre a matrícula de crianças menores.
No mesmo artigo, havia a recomendação de que os menores
de sete anos fossem atendidos em escolas maternais, jardins de
infância e instituições equivalentes.
No artigo 87,
inciso I, parágrafo 3º da LDB 9394/96, há
referência à inserção das crianças de
seis anos no ensino fundamental, de forma facultativa, com a
condição de que o município já tenha
matriculado todas as crianças na idade de sete anos. Essa
orientação é reforçada e explicitada na Lei
10.172, de janeiro de 2001, que estabelece o Plano Nacional de
Educação definindo metas e diretrizes para a
educação nacional. No item referente ao ensino
fundamental, o governo federal manifesta a intenção de
ampliar a duração desse nível para nove anos,
incluindo as crianças de seis anos. Essa nova estrutura se
tornaria obrigatória na medida em que se fosse universalizando o
atendimento na faixa dos 7 a 14 anos. A partir de então, pode-se
observar que iniciativas no sentido de contemplar tal
orientação se intensificam nas instâncias
governamentais.
Segundo
matéria publicada na revista Educação, em setembro
deste ano, desde o final de 2003, representantes dos governos federal,
estaduais e municipais têm manifestado a intenção
de ampliar o ensino fundamental. Em julho de 2004 foi lançado o
documento “Ensino fundamental de nove anos:
orientações gerais”, produzido pela Secretaria de
Educação Básica (SEB) do Ministério da
Educação. Este documento, segundo a SEB, é
resultado de sete encontros regionais com gestores da
educação para se debater o tema. Nele é ressaltada
a situação de muitos dos municípios e estados
brasileiros que já adotavam o ensino fundamental de nove anos.
Segundo censo escolar de 2003, realizado pelo Inep/MEC, e divulgado
pelo referido documento, naquele ano havia no território
nacional 159.861 escolas públicas que ofereciam o ensino
fundamental em 8 anos e 11.510 escolas que o ofereciam com nove anos de
duração. De acordo com a matéria da revista
Educação, citada anteriormente, as escolas da rede
municipal de Belo Horizonte (desde 1994), da rede municipal de Porto
Alegre (desde 1996), e mais recentemente, do município de Santo
André (SP), figuram neste último caso. Entretanto, nessas
três experiências é importante ressaltar o tempo de
preparação e adequação das redes de ensino,
bem como o envolvimento dos docentes no debate e na
definição das ações necessárias para
que tal adequação fosse realizada.
A justificativa
apresentada pelo governo federal para a incorporação de
crianças de seis anos no ensino fundamental se dá em
parte pela constatação de que um número
significativo de crianças com essa idade, filhas de
famílias das classes média e alta, já se encontram
inseridas no mundo escolar, seja na pré-escola ou no ensino
fundamental (Brasil, 2005), o que difere da realidade da maior parte
das crianças brasileiras dessa mesma faixa etária. Sendo
assim, acredita-se que a reorganização proposta pelo MEC
poderia contribuir para que este último grupo tivesse a mesma
oportunidade. O referido documento alerta para o fato de que a
inclusão de crianças de seis anos de idade não
deverá significar a antecipação dos
conteúdos e atividades que tradicionalmente foram compreendidos
como adequados à primeira série. Destaca, portanto, a
necessidade de se construir uma nova estrutura e
organização dos conteúdos em um ensino
fundamental, agora de nove anos.
Diante desse
quadro, acredito que a questão que precisa ser analisada diz
respeito à concepção política e educacional
que se expressa nessa decisão legal. Desse modo, parece
necessária a retomada do processo de luta de educadores e
mães na construção de um sistema de
educação voltado para o atendimento da criança de
0 a 6 anos. A Constituição Federal de 1988 estabelece o
direito da criança nessa faixa etária de ter acesso
à educação e a responsabilidade do Estado na sua
oferta. Partindo dessa trajetória me pergunto se a
inserção das crianças com 6 anos no ensino
fundamental não seria uma estratégia de desmonte da
educação infantil, uma vez que a população
numericamente mais significativa que o freqüenta, está
exatamente entre os 4 e 6 anos de idade. Dados divulgados pela
imprensa, em novembro deste ano, baseados em pesquisa realizada pela
Fundação Getúlio Vargas, apontam que 61,36% das
crianças brasileiras entre 4 e 6 anos de idade freqüentam a
pré-escola, enquanto apenas uma pequena parcela das
crianças de 0 a 3 anos de idade (9,43%) está presente nas
creches brasileiras.
Nas
orientações para a implementação do ensino
fundamental de nove anos divulgadas pelo Ministério da
Educação, consta a não obrigatoriedade de
freqüência na educação infantil, como sendo
uma das razões para se inserir as crianças com 6 anos no
ensino fundamental, este sim com caráter de obrigatoriedade.
Defende-se, desse modo, a possibilidade de assegurar a todas as
crianças um tempo mais longo de convívio escolar, e
melhores condições para uma aprendizagem mais ampla.
(Brasil, 2005) Pergunto, portanto, por que não investir numa
política de fortalecimento da rede já existente e voltada
para esse público?
Outra
questão a ser problematizada é a forma como essa lei foi
aprovada. Segundo Arelaro (2005), ela não foi discutida sequer
pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), quanto mais,
acrescento eu, por professores e pela comunidade escolar. Essa
estratégia reafirma o que Arroyo (1999) aponta como um estilo
próprio das políticas oficiais para a
educação no Brasil, ou seja, acreditar “...que a
inovação só pode vir do alto, de fora das
instituições escolares, feita e pensada para elas e para
seus profissionais, para que estes troquem por novos, como trocam de
camisa ou blusa, velhas fórmulas, currículos, processos e
práticas” (p. 134).
Junto a isso,
torna-se fundamental uma análise que revele o sentido do projeto
político que sustenta tal modificação no sistema
educacional. Diferentes pesquisadores têm apontado o
caráter economicista e mercadológico que tem orientado as
políticas educacionais nas últimas décadas.
Freitas (2003), por exemplo, denuncia que a forma como o ensino
fundamental tem se organizado em ciclos no estado de São Paulo
reflete um “projeto histórico conservador de
otimização da escola atual, imediatista, e que visa ao
alinhamento da escola às necessidades da
reestruturação produtiva.” (p. 73). Portanto,
é preciso refletir criticamente sobre a motivação
política que fundamenta a tomada de decisão acerca da
inserção de crianças com seis anos no ensino
fundamental. De certo modo, a ampliação do ensino
fundamental para nove anos e a progressiva extensão da
obrigatoriedade do ensino médio podem ser compreendidas
também como estratégias que visa proporcionar uma
aproximação da realidade educacional brasileira à
dos países vizinhos na América Latina (Barretto e
Mitrulis, 2001), onde a escolarização obrigatória
tem em média 12 anos de duração. Possivelmente,
essa iniciativa significaria uma ação no sentido de
aproximação desses países, contribuindo assim para
a consolidação do Mercosul. Acredito que são
necessários estudos mais aprofundados para desvendar o
caráter das orientações políticas que
sustentam essa mudança no sistema de ensino brasileiro.
É preciso
compreender que a implementação de mudanças
educacionais dessa natureza não acontece simplesmente pela
aplicação de novas legislações, mas exige o
comprometimento de professores e das comunidades com a
formulação das políticas. Portanto, o prazo de
cinco anos estipulado pela Lei 11.114 para que toda a rede
pública incorpore a população de crianças
de seis anos de idade, parece não considerar essas
questões. As especificidades e histórias das redes
públicas das diferentes regiões do país precisam
ser levadas em consideração no momento de se definir e
implementar políticas como essa.
Dirce
Djanira Pacheco e Zan é doutora em educação pela
FE/UNICAMP, professora da Universidade São Marcos
(Paulínia/SP) e do Centro UNISAL (Americana/SP).
BIBLIOGRAFIA
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tendências, in Educação
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Flávio (org.) Currículo:
Políticas e Práticas. Campinas: Papirus, 1999.
BARRETTO, Elba
Siqueira e MITRULIS, Eleny. Trajetórias e Desafios dos Ciclos
Escolares no País, in Revista
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BRASIL.
Ministério da Educação. Secretaria de
Educação Básica. Ensino
Fundamental de Nove Anos: orientações gerais.
Disponível em: www.mec.gov.br (Acessado em novembro/2005)
FREITAS, Luiz
Carlos. Ciclos,
Seriação e Avaliação: confronto de
lógicas. SP: Ed. Moderna, 2003.
SAVIANI,
Dermeval. A Nova Lei da
Educação. Campinas: Ed. Autores Associados, 1997.
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Da Nova LDB ao Novo Plano Nacional de
Educação: por uma outra política educacional.
Campinas: Ed. Autores Associados, 2000.
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