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Reportagem
Educação e tecnologia: parceria revolucionária?
Por Érica Guimarães
10/08/2009

Imagine uma carteira tradicional escolar com o seguinte diferencial: além de apoiar cadernos, lápis e livros, tem um tampo de vidro que vira uma tela sensível ao toque, com a CPU de um computador integrada. O que parece ficção já é realidade em escolas públicas do interior de São Paulo. O projeto Lap Tup-niquim, em desenvolvimento na cidade de Serrana, próxima a Ribeirão Preto, envolve um conceito novo dentro das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC's) com fins educacionais. A carteira digital, uma tecnologia nacional patenteada pelo Centro de Pesquisas Renato Archer (Cenpra), de Campinas (SP), permite que o aluno escreva, acesse a internet, faça cálculos e desenhe. Hoje, a cidade de Serrana possui 160 carteiras digitais em escolas públicas.

Um dos criadores da tecnologia é o pesquisador chefe da Divisão de Mostradores da Informação do Cenpra, Victor Pellegrini Mammana. Ele diz que a proposta foi integrar a sala de computação – chamada, nas escolas, de laboratório de informática – com a própria sala de aula. “A ideia é que a tela (da carteira) se torne interativa no ambiente escolar, na sala de aula”, diz Mammana.

Ainda em fase inicial, a tecnologia deve ser adaptada, também, aos cadeirantes e deficientes visuais. A carteira digital, de acordo com o pesquisador, ainda não tem um valor definido. O custo aproximado, na cidade de Serrana, foi de R$ 1 mil por unidade, mas a fabricação ainda não é industrializada, e é feita por incubadoras sociais. A prefeitura centralizou os serviços e as carteiras convencionais são reformadas e convertidas em digitais. Em escala maior, o preço da carteira será comparável ao do notebook de baixo custo.

O convênio com o Cenpra depende do interesse das prefeituras, mas Mammana acredita que o maior desafio, depois de atrair o investimento público, seja mobilizar os professores e fazer com que eles se aliem às novidades tecnológicas. “Aos poucos, se cria uma apropriação e não uma imposição das novas tecnologias”, defende.

Enquanto os professores se adaptam a essas novidades, as novas gerações já crescem acostumadas a usá-las. Orkut, MSN, facebook e twiter são expressões corriqueiras para crianças e adolescentes de classe média e alta, que possuem familiaridade com as ferramentas de relacionamento e com a internet. Mas o professor não tem como ficar alheio às tecnologias que já chegaram ao ensino: em escolas particulares, aulas ministradas com giz e lousa dão lugar a projetor de slides e lousa digital; e na rede pública, alunos que antes levavam horas para chegar à escola, hoje têm a oportunidade de estudar por meio do ensino a distância.

No Amazonas, em cinco anos, a educação a distância qualificou 16 mil professores de ensino básico que só tinham o nível médio de instrução. A Universidade do Estado do Amazonas, a Secretaria de Educação e Qualidade do Ensino do estado e o Colégio Militar uniram forças para romper os limites de tempo e espaço que antes distanciavam professores de 16 municípios do interior do Amazonas do diploma universitário. Em algumas regiões, onde se tem acesso apenas pelos rios, o ensino foi ao encontro dos alunos, com o uso de computador e TV para transmissão de aulas gravadas em Manaus.

Além dos muros escolares, o blog

Nem todas as mudanças tecnológicas, contudo, são absorvidas pelos professores na mesma rapidez em que surgem. Essa é uma das conclusões da professora Cláudia Rodrigues, que dá aulas de redação no ensino médio, no interior de São Paulo, e acaba de defender uma dissertação de mestrado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) sobre o uso do blog como ferramenta de ensino. Ela acredita que ainda há muito preconceito por parte dos professores quanto ao uso de tecnologias em sala de aula, o que dificulta a compreensão dos resultados positivos que o ambiente virtual pode oferecer.

Será mesmo que os professores de hoje utilizam pouco as ferramentas já disponíveis que podem auxiliar no ensino? Segundo a pesquisadora, sim. Para Rodrigues, a causa dessa repulsa é a falta de familiaridade e receio em relação à linguagem da web. “A internet deveria ser compreendida mais como um fenômeno social do que algo que provoca modificações da língua”, diz.

Certamente, não se pode generalizar. De acordo com a pesquisadora, existem professores que acham que a internet e as novas tecnologias utilizadas na educação são modismos; outros que se dizem contrários, pois acreditam que a internet atrapalha os estudos; mas há, ainda, aqueles que já utilizam ferramentas, muitas delas bem sucedidas, na sala de aula.

Em sua dissertação, Rodrigues analisou o impacto de blogs nas atividades escolares de produção de texto e constatou que o instrumento permite uma socialização significante. Ela notou que, de forma progressiva, eram publicados posts (comentários nos blogs) de pessoas que ela não conhecia e que sinalizavam ser pais, mães, tios dos alunos. Essas pessoas entravam no blog e colocavam impressões pessoais sobre a temática que estava sendo discutida. Houve uma interação entre professor da turma, professores da escola, alunos e família. A pesquisadora considera essa discussão proveitosa e quase impossível de acontecer quando ocorre apenas em sala de aula. “O blog favorece a participação coletiva, formando autores, co-autores, leitores assíduos e alunos mais envolvidos com a leitura e a escrita”, acrescenta.

Em sua experiência com blogs, a professora teve a percepção de que não basta o professor estar sensível às mudanças tecnológicas, já que elas demandam um abandono da imagem do mero fornecedor e avaliador de textos e controlador de debates. O professor passa a ser um orientador e, embora ainda dê a nota e avalie, na prática deixa de ser o único leitor alvo das produções dos alunos. Sob o aspecto cultural, a pesquisadora avalia ser difícil abandonar crenças enraizadas de que o ensino deva se dar de forma “vertical”, de cima para baixo, mas acredita que é possível, quando se experimenta que os aprendizes “saboreiam” melhor a aprendizagem.

Práticas como essa, do uso blog em aulas de redação, levam ao desenvolvimento da independência, da autonomia e também ao desenvolvimento da capacidade argumentativa dos alunos, já que os autores do blog precisam envolver e convencer outras pessoas sobre seus pontos de vista. No estudo, Rodrigues observou a importância de se explorar o letramento digital na sala de aula para atender as necessidades sociais, interativas e cognitivas do aluno.

Do correio ao espaço virtual

A educação a distância (EAD) também envolve maior autonomia do aluno, que deve ser responsável e organizado o suficiente para se adaptar a um modelo “horizontal” de ensino. Os cursos por correspondência são antigos e deram o pontapé inicial para o ensino a distância no final do século XIX, no oferecimento de cursos por correspondência em hebraico. O presidente do conselho científico da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), Waldomiro Loyolla, destaca que, ainda hoje, essa modalidade de ensino a distância corresponde a 50% do total, por sua história e solidez.

A segunda fase se deu nos anos 1960 e 1970, com a inserção do rádio para oferecer ensino das matérias básicas, como história, geografia, português, com diferentes abordagens e níveis. Loyolla destaca que na segunda metade dos anos 1970, a educação a distância foi proibida no Brasil por problemas políticos, enquanto florescia mundo afora e começava-se a usar com mais propriedade a televisão. No final da década de 1970 e início dos anos 1980, o uso da televisão como modalidade de ensino a distância também começa a ser feito no Brasil, através dos telecursos, que funcionavam como supletivo e tinham como público alvo pessoas que, por diferentes motivos, não tinham concluído o ensino médio.

Passada essa fase, que Loyolla chama de analógica, começa-se a digital, com o surgimento do uso do computador, na qual se desenvolveriam cursos de auto aprendizagem para um público, a princípio, elitista. Hoje, no entanto, a digitalização se populariza e contribui para facilitar o acesso ao ensino. “Com a evolução da fase digital, veio a internet, que além de permitir a entrega de conteúdos, permite uma interatividade muito grande”, descreve Loyolla. Para ele, o desenvolvimento da EAD nos anos 90 passa a ser mais apurado para cada tipo de público alvo e tecnologia escolhida. “A EAD passa a ser mais profissional”, avalia.

De acordo com dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais Anísio Teixeira (Inep), entre 2003 e 2006, houve um aumento de 571% no número de cursos e 315% no número de matrículas em EAD no Brasil. Esse aumento, para Loyolla, é a resposta de uma brutal demanda reprimida no oferecimento de educação. Alguns críticos da EAD dizem que a educação a distância quer substituir a presencial, o que Loyolla enfatiza veementemente não ser verdade. “Ela vem para suprir uma demanda por educação daquele público que não tem condições, por variados motivos, de frequentar com a regularidade requerida os cursos presenciais”, afirma.

A modalidade a distância vem ganhando força, inclusive, no ensino superior. Baseadas em experiências internacionais de sucesso, como a Universidade Aberta de Catalunha, na Espanha, e a Open University, no Reino Unido, as iniciativas de universidades virtuais têm a função de criar alternativas de acesso ao ensino superior para formação e qualificação. O governo federal, por meio do Ministério da Educação, criou a Universidade Aberta do Brasil, que trabalha em parceria com universidades federais no oferecimento de cursos.

No âmbito estadual, foi criada por meio da Secretaria de Ensino Superior do governo paulista e está em fase inicial de funcionamento a Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp), que vai trabalhar de forma consorciada com as universidades estaduais – USP, Unesp e Unicamp – e utilizar como ferramenta a internet, mas também a TV digital e material impresso.

“Hoje em dia, ninguém mais fala em televisão a cores e preto e branco. É televisão. A distinção hoje é muito mais entre analógica e digital do que qualquer outra coisa”. Com essas palavras, Loyolla descreve o que pensa sobre o futuro da EAD. Ele espera que daqui a dez anos, ou menos, não se distinga mais a EAD da educação presencial e que os instrumentos tecnológicos disponíveis sejam usados intensamente no ensino presencial.

No ensino a distância, é possível o aluno ter um link através do qual pode entrar num museu e ver uma obra em três dimensões, girando-a e lendo informações de todo tipo sobre ela. Já no ensino presencial, o professor de história da arte, quando muito, mostra uma foto e dá alguma explicação. “Quando tivermos o presencial usando intensamente as tecnologias, não vai ter motivo para ter a distinção entre EAD e presencial”, finaliza.