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Artigo
Melhoramento da cana-de-açúcar: marco sucro-alcooleiro no Brasil
Por Roberto Cesnik
10/04/2007

As primeiras notícias sobre a existência da cana-de-açúcar encontram-se anotadas nas escrituras mitológicas dos hindus e nas Sagradas Escrituras. Até o século XVIII foi considerada como remédio e mesmo artigo de luxo. Apareceu primeiramente nas ilhas do Arquipélago da Polinésia. As caravelas, antes de iniciarem suas viagens, levavam mudas de cana-de-açúcar junto às suas provisões, para serem plantadas em novas terras e servirem de suprimentos às novas expedições. Foi assim que ela foi introduzida nas Américas através da segunda expedição de Cristóvão Colombo, em 1493 e, no Brasil em 1502, por Martim Afonso de Souza, proveniente de mudas da Ilha da Madeira. Há registro na alfândega de Lisboa de entrada de açúcar brasileiro nos anos de 1520 e 1526. Portanto o início da indústria açucareira brasileira é anterior a essas duas datas. Historiadores divergem sobre a instalação do primeiro engenho de açúcar no Brasil, o que não nos interessa neste momento. Seu cultivo está intimamente ligado à própria história e ao desenvolvimento do nosso país. Primeiramente transformada em açúcar, e hoje também em álcool carburante, ela ocupa um papel de destaque na economia mundial, surgindo o Brasil como líder na produção de açúcar e álcool. Entretanto, uma maior produtividade só pode ser conseguida se além dos tratos culturais, for dada também uma alta qualidade genética através de programas de melhoramento.

A cana-de-açúcar foi descrita por Linneu, em 1753, como Saccharum officinarum e Saccharum spicatum. De Linneu para cá a sua classificação sofreu inúmeras modificações. Atualmente a maioria dos técnicos aceita aquela feita por Jeswiet, qual seja: gênero: Saccharum; espécies: S. barberi, Jeswiet; S. edule, Hask; S. officinarum; S. robustum, Jeswiet; S. sinensis, (Roxb) Jeswiet e S. spontaneum, L. As canas plantadas no mundo inteiro, são híbridos dessas variedades botânicas. Entretanto, convencionou-se chamar todos esses híbridos de ‘variedades’ dando-lhes nomes compostos de siglas da instituição que efetuou o cruzamento, do ano em que o mesmo foi realizado e um número seqüencial das seleções.

Em Java, em 1887, Soltweld teve a feliz idéia e a oportunidade de realizar o primeiro cruzamento do mundo, em cana-de-açúcar. Cruzou a Glagah com a Loethers e o seu recíproco, obtendo sementes férteis somente da Glagah. Era demonstrada a viabilidade do melhoramento genético da cana-de-açúcar, por intermédio de cruzamentos controlados. Dois anos mais tarde, em Barbados, também Harrison & Bowell obtiveram seedlings de sementes originárias de cruzamentos. Criavam-se assim os primeiros programas de melhoramento genético.

O Brasil, por sua vez, importou rotineiramente, durante muito tempo, variedades de cana-de-açúcar de outros países. Não havia quarentenário e nem um controle fitossanitário dessas importações. Em 1920, com a introdução da POJ 36, procedente de Tucuman, Argentina, o mosaico foi identificado na Fazenda Jatuporá, em Ribeirão Preto, SP, e, em 1925 a queda da produção em açúcar já era da ordem de 82% e a do álcool de 67%. Em 1934, a então Secretaria de Agricultura do Estado, nomeou o fitopatologista Engº Agrº José Vizioli, para criar e organizar o Serviço de Defesa da Cana, transformado mais tarde na Estação Experimental de Cana de Piracicaba.

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O autor examinando flores que irão participar em cruzamentos
Foto: Clélia Stolf Cesnik

Em 1928, Adrião Caminha Filho introduziu a POJ 2878 em Campos, RJ e, em 1946, São Paulo sofria um grande impacto psicológico com o aparecimento do carvão da cana, na variedade POJ 36, na região de Assis. Mais recentemente, a região de Campos, RJ, foi atingida por essa mesma doença que afetou de maneira endêmica, os seus canaviais constituídos, em sua grande maioria, pela CB 45-3. Em 1982, em Barra Bonita, SP, surgiu um foco de carvão na variedade NA 56-79, que passava a perder resistência. A Comissão de Controle de Carvão do Estado aconselhou então, a partir daí, um plantio limitado até 30%, dessa variedade, nas renovações dos canaviais.

Esses percalços fizeram com que os pesquisadores canavieiros voltassem à árdua missão de manter os seus canaviais em padrões elevados de produtividade, em toneladas de cana por hectare e nas melhores porcentagens de sacarose, com índices razoáveis de resistências a pragas e doenças. Ao iniciar-se o século XX, uma violenta crise econômica mostrou a necessidade de organizar a experimentação canavieira no Brasil. Foram convocadas "conferências açucareiras" na Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro. A primeira foi realizada em 1902, a segunda em 1905 e a terceira em 1908. Na segunda conferência, com representantes de Alagoas, Bahia, Pernambuco e Sergipe, concretizou-se o que havia sido aprovado na primeira conferência, para que uma comissão de agricultores fosse as Antilhas, Cuba e Java estudar as organizações das estações experimentais e do ensino agrícola. Essa excursão se iniciou em janeiro de 1906 e, do seu extenso relatório, ao Governo Federal, surgiram em 1910 as duas primeiras estações experimentais de cana-de-açúcar do Brasil, a de Escada, em Pernambuco e a de Campos, no Rio de Janeiro. Instalada em 1913 a Estação Experimental de Escada iniciou os estudos de obtenção de seedlings resistentes à broca Diatraea e ao piolho Trionymus, bem como projetos de irrigação com a assessoria de dois técnicos holandeses. Com a volta desses técnicos para a Europa, tais pesquisas foram interrompidas. Na década de 20 foi criada a Estação Geral de Experimentação de Barreiros, que recebeu o acervo da anterior. Em 1925, com a ocorrência do mosaico foram criadas novas estações experimentais e a Estação Experimental de Curado, no Recife, recebe o acervo de Barreiros. Finalmente o Instituto Agronômico do Nordeste, fundado em 1951, prosseguiu os trabalhos iniciados na Estação Experimental de Curado. Todo esse esforço em melhorar a produção da cana e o rendimento do açúcar, partia dos órgãos governamentais.

Em 1962, sob o impacto da crise estabelecida pela queda do rendimento das usinas do Nordeste, os produtores do estado de Pernambuco criaram a Estação Experimental do Cabo, mas só em 1966 é que foram iniciados os trabalhos de melhoramento com a realização de mais de 60 cruzamentos. Logo em seguida, foi criada em Maceió, pela Cooperativa dos Produtores de Açúcar de Alagoas, uma estação experimental para realizar investigações fundamentais para o desenvolvimento da indústria canavieira da região.

Em São Paulo, a Copereste - Cooperativa dos Usineiros do Oeste do Estado de São Paulo - criou, em 1953, no município de Dumont, região de Ribeirão Preto, uma estação experimental importante àquela região do Estado. Em 1968 a Copersucar (Cooperativa Central dos Produtores de Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo) deu início a um importante programa de melhoramento genético da cana-de-açúcar, incorporando a Copereste e sua estação experimental. Em 1970, foram produzidos 400.000 seedlings de sementes verdadeiras, provenientes de cruzamentos realizados em Camamu, BA, em sua Estação Experimental de Floração e Cruzamentos. Esse programa foi substituído pelo CTC – Centro de Tecnologia Canavieira estando nas mesmas instalações que eram ocupadas pela Coopersucar, em Piracicaba, SP. Hoje são mais de 150 pesquisadores trabalhando em prol dessa cultura que consome na instituição cerca de 10 milhões de reais somente em seu programa de melhoramento. Atualmente esse programa atinge a 12 mil fornecedores em todo o país.

A Coopersucar firmou protocolos de cooperação, além de outras instituições, com a Embrapa – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária e com o IAC – Instituto Agronômico de Campinas, ao qual cedeu sementes produzidas em sua Estação Experimental de Floração e Cruzamento para o programa de seleção de variedades do IAC substituindo os trabalhos de cruzamentos, que eram feitos em Ubatuba, SP, desde 1947.

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Viveiro de mudas, início da seleção de uma futura variedade
Foto: Roberto Cesnik

Nos idos de 1892, o Instituto Agronômico de Campinas dava seus primeiros passos na difícil tarefa de melhorar a cana-de-açúcar cujas pesquisas se intensificaram realmente em 1934 com os trabalhos de Aguirre Jr. cujas variedades, na época, não conseguiram ultrapassar a fama da Co 290 que ocupava 80% da área plantada no estado de São Paulo. Hoje, entretanto, essa instituição tem visto suas canas ultrapassarem as fronteiras do Estado de São Paulo.

Em 1971 foi criado, pelo Instituto de Açúcar e do Álcool, do então Ministério da Indústria e do Comércio, o Planalsucar – Plano Nacional de Melhoramento da Cana-de-açúcar, com abrangência nacional. Nessa mesma época foi instalada a Estação de Floração e Cruzamento de Serra do Ouro, em Murici, AL e criadas quatro coordenadorias: de Alagoas, em Maceió; de Pernambuco, em Recife; do Rio de Janeiro, em Campos e de São Paulo, em Araras. A superintendência foi estabelecida em Piracicaba.

Em 1972 o Planalsucar passou a fazer parte do Plano Nacional de Desenvolvimento, através do Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, do Sistema Setorial de Ciência e Tecnologia, do Ministério da Indústria e do Comércio.

Seu programa produziu dois milhões de seedlings, anualmente, durante toda a sua existência. Foi um programa de projeção internacional que deixou de existir com a extinção do IAA e, em 1981, o acervo técnico de suas estações experimentais foi incorporado pelas Universidades que continuam com esse trabalho.

Em 1959, o Instituto de Genética da USP, em Piracicaba, SP, iniciou um pequeno programa de melhoramento genético da cana-de-açúcar que foi conduzido até o fim de 1963. Suas poucas variedades produzidas tiveram vida efêmera, por falta de continuidade.

Talvez o programa mais importante de melhoramento genético da cana-de-açúcar no Brasil tenha sido o programa conduzido por Frederico Menezes Veiga, considerado na época, o “Pai da Cana-de-açúcar do Brasil”, na Estação Experimental de Campos, em Campos, RJ, de 1946 a 1972. As variedades CB’s foram cultivadas em todos os recantos de nossa Pátria. Nessa época, a CB 45-3 ocupava a maior área plantada do Estado do Rio de Janeiro e dos estados do Nordeste sendo que, a CB 41-76 ocupava extensas áreas do Estado de São Paulo. Em todo o Brasil poucas eram as variedades plantadas que não tinham saído da Estação Experimental de Campos.

As variedades necessitam ser substituídas periodicamente no mundo todo, uma vez que as mesmas entram em decadência depois de anos de cultivo, e os programas de melhoramento têm contribuído para o aumento da produtividade dessa cultura. A produção média brasileira, por exemplo, em 1975 era de 48 toneladas por hectare e em 2005 atingia pouco mais de 79 toneladas por hectare. São Paulo, no mesmo período, produziu em média entre 61,5 a 83,5 toneladas por hectare. Há canaviais produzindo mais do que as médias regional ou nacional devido a programas específicos de melhoramento.

As pesquisas, nos diferentes ramos do melhoramento genético envolvem grande número de pesquisadores e de seus auxiliares na condução de programas que aliados aos estudos de fisiologia, entomologia, fitopatologia e tantos outros, entre campo e indústria, são necessários para maximizar a gama de produtos e sub-produtos originários da cana-de-açúcar. Ao atravessar todo esse processo, da semente à variedade, há um período de testes de campo de 10 anos ou mais para que o produtor final se beneficie de canas mais produtivas.

Com as políticas internacionais de adição de álcool anidro à gasolina na Argentina, Brasil, Colômbia, Estados Unidos, Japão, México e União Européia, os programas de melhoramento da cana-de-açúcar são envoltos em grande responsabilidade uma vez que, se houver um surto de doenças, como houve no passado, pode haver um cracking na economia mundial, por falta desse combustível renovável, já que só o Brasil, em 2006, produziu 18 bilhões de litros de álcool equivalente a mais de 90 milhões de barris de petróleo.

 

Roberto Cesnik é pesquisador doutor da Embrapa Meio Ambiente em Jaguariúna, SP e co-autor do livro Melhoramento da cana-de-açúcar. E-mail: cesnik@cnpma.embrapa.br.